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Efeito Tostines na Saúde

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Nosso modelo assistencial é assim por causa do modelo de remuneração ou o modelo de remuneração é assim por causa do modelo assistencial?

Quem tem mais de 30 anos deve lembrar da propaganda da Tostines: “Tostines é fresquinho por que vende mais, ou vende mais porque é fresquinho?”

Algo semelhante podemos nos perguntar: nosso modelo assistencial é assim por causa do modelo de remuneração ou o modelo de remuneração é assim por causa do modelo assistencial?

Várias discussões têm acontecido para discutir isso. A conclusão é notória: o modelo assistencial se molda a partir do modelo de remuneração vigente. Vejam como isso acontece.

O modelo de remuneração predominante no Brasil ainda é o fee-for-service, isto é, o pagamento por procedimento. Neste modelo o foco está no volume e na complexidade. O ex CEO da Kaiser Permanente nos EUA dizia que naquele país se faz mais dinheiro com o cuidado ruim. E, infelizmente, isso também é uma realidade no Brasil. Os prestadores não são recompensados por sua eficiência ou por sua efetividade, muito menos pela experiência que proporcionam a seus pacientes.

A competição não é por valor, mas sim por produção. É o que Porter chama da “soma zero”, ou seja, para um ganhar outro tem que perder.

Percebam que todo o nosso modelo assistencial passa a ser moldado a partir do modelo de remuneração. Os sistemas de informação existentes em hospitais e em operadoras de planos de saúde, focam em faturamento, ou seja, na produção. Pois é isso que importa para o sistema: produzir, faturar, auditar, glosar, comprar melhor com mais margens, autogerar, indicar materiais mais caros com margens melhores, etc... Isso tudo independentemente do cuidado prestado ao paciente. Este fica totalmente a parte do sistema e é quem deveria estar no centro.

O resultado disso, é uma insatisfação generalizada, custos assistenciais crescentes, elevados custos administrativos para cobrar/pagar o devido. E o pior disso tudo é a presença de um paradoxo perturbador: a coexistência do subtratamento com o excesso de tratamento.

Até quando o mercado vai perceber que se o modelo de remuneração não for modificado, ele não irá mais sustentar?

Vendo uma apresentação do modelo americano durante o IHA Stakeholders Meeting em Los Angeles, ficou claro o redirecionamento do modelo americano para buscar sustentabilidade. Eles chegaram a triste conclusão que após 2026 não haverá mais dinheiro para pagar os hospitais e a partir de 2030, o que o governo arrecada não será suficiente para suportar os gastos com a saúde.

Qual alternativa buscada naquele país? Modelos de Pagamento Baseado em Valor. Modelos onde o componente de custo entra com um percentual elevado na fórmula. Até 2010 os americanos não colocavam o custo para avaliação da qualidade.

Com o advento do Affordable Care Act, ou o chamado “obamacare”, isso mudou consideravelmente. Até 2019, qualidade ainda será responsável por 50% do peso para os sistema de incentivo (chamado de Merit-Based Incentive Payment System  ou simplesmente MIPS) e custo responsável por apenas 10%. A partir de 2021, tanto o custo como qualidade terão peso de 30% cada um.

Quando questionei a diretora do programa nos EUA o porquê desta mudança, ela respondeu claramente: “se não começarmos a incluir o custo na análise de desempenho dos prestadores, não teremos mais dinheiro para pagá-los”.

Mesmo que o novo presidente americano queira acabar com o “obamacare”, ele não poderá deixar de levar em conta estes fatos, por mais irreverente que seja.

O racional de modelos de pagamento por performance e de pagamento baseado em valor é o mesmo: uso de incentivos para buscar a melhoria da qualidade ou valor em saúde. Existem diversos modelos que tem aplicabilidade imediata no Brasil, como o pagamento adicional das tabeles atuais por performance, divisão dos resultados com base no desempenho, pagamento por bundles ou por episódios e modelos de capitação ou pagamento baseado em populações. Todos eles com métricas de qualidade.

Para tornar um pouco mais prático este discurso, segue algumas dicas para iniciar esta mudança:

  • Definir as métricas centradas na Qualidade. A proposta é compor indicadores dentro das dimensões de Estrutura, Eficiência, Efetividade e Experiência do Paciente;
  • Definir quem será objeto de avaliação (médicos, rede prestadora, unidades de saúde, equipes, outros);
  • Antes mesmo de começar a pagar por performance, deve estabelecer uma cultura de avaliação e divulgação do desempenho dos prestadores. Isso por si só já gera mudanças interessantes;
  • Se for usar incentivo ele deve ser expressivo e sempre adicional ao ganho que os prestadores já recebem. O modelo deve ser consistente, transparente e com comunicação adequada a todos os envolvidos;
  • Como não há dinheiro novo no mercado, deve ser definido de onde virá o recurso: distribuição de sobras (como no caso de UNIMEDs), divisão da economia alcançada, orçamento pré-definido, outros

A mudança já está acontecendo. Quem tem ouvido que ouça! A ANS está fazendo o papel dela com as RNs do Fator da Qualidade e o QUALISS, por exemplo. O que está faltando é iniciar a mudança dentro de casa, de forma progressiva e estruturante, pois este movimento é uma questão de sobrevivência.