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Muda alguma coisa para a classe médica com a lei das terceirizações?

Article-Muda alguma coisa para a classe médica com a lei das terceirizações?

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Na prática, o PL 4.330/2004 legaliza uma relação que já existe não só no setor médico, mas no âmbito empresarial em geral

Falar sobre direitos trabalhistas para uma grande parte da classe médica é quase uma utopia. Isso porque a contratação destes profissionais, principalmente os mais jovens, normalmente se dá através de Pessoas Jurídicas (comumente chamadas de PJ).

Na grande maioria dos casos, um grupo de médicos constitui uma empresa (Pessoa Jurídica) para cada um receber sua remuneração como se estivesse prestando um serviço - e não exercendo uma relação de trabalho. Nesse caso, o profissional que adere à PJ não conta com nenhuma garantia prevista em nossa Constituição como: férias, 13º salário, horas extras, adicional por trabalho noturno, repouso semanal remunerado, FGTS, estabilidade gestacional, aviso prévio, multa em caso de despedida arbitrária, entre outros.

Tendo em vista a desoneração desses tributos e direitos que só existem em um contrato de trabalho, a contratação por PJ representa uma redução considerável nos custos de mão de obra do empregador, permitindo uma maior lucratividade.

Esta prática também gera vantagens ao médico, como uma menor tributação e a possibilidade de múltiplos vínculos. Ocorre que muitos argumentam que prefeririam ser celetistas caso o valor da remuneração fosse o mesmo. No entanto, numa relação formal de trabalho a tributação diminui o valor do salário em 25% a 30% - enquanto através de Pessoa Jurídica cerca de 15%.

A terceirização não se restringe apenas a iniciativa privada. Alguns entes públicos também terceirizam serviços médicos, se utilizando de dispositivos legais que preveem a contratação sem concurso público para atender “necessidades temporárias e de excepcional interesse público”.

No panorama atual, a Justiça Trabalhista considera esta relação irregular, porque ao contratar um médico por PJ, o Hospital está terceirizando uma atividade fim do Hospital - tratar pessoas – o que é considerado ilegal nos moldes da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho.

No entanto, o Projeto de Lei nº 4.330/2004 – a “Lei das Terceirizações”, que está sendo discutido nos Poderes Legislativo e Executivo, pretende mudar isso. Se a Presidente da República aprovar o texto da maneira que está, a nova lei permitirá que um empresário contrate tanto serviços de atividades meio – como segurança, limpeza – o que já é permitido, quanto de atividades fim – caso da relação médico/ hospital.

Ou seja, na prática, o PL 4.330/2004 legaliza uma relação que já existe não só no setor médico, mas no âmbito empresarial em geral.

Aqui cabe uma consideração. A constituição de uma Pessoa Jurídica, ou seja, uma sociedade, é plenamente aceitável quando duas ou mais pessoas desejam compartilhar lucros e perdas, além das responsabilidades e os riscos de um empreendimento. Essa prática se torna nociva quando vira uma imposição por parte dos contratantes – e não uma opção do empregado.

É verdade que as peculiaridades inerentes ao exercício da medicina podem acabar por tornar interessante ao profissional uma contratação por PJ. No entanto, a forma de contratação deve ser livremente eleita pelo profissional, o que numa grande maioria dos casos não acontece.

Quando uma oportunidade de trabalho fica condicionada a contratação por Pessoa Jurídica, o médico pode, seguramente, discutir essa questão no âmbito Trabalhista. Aliás, a tendência é que, mesmo com a aprovação do PL 4.330/2004, a Justiça continue anulando contratos de terceirização que estiverem fraudando uma relação de trabalho.

Finalmente, para ter garantido seus direitos trabalhistas, o profissional deverá comprovar em juízo a existência dos 4 requisitos necessários para reconhecimento de uma relação de emprego: 1) onerosidade – o médico deve provar que recebia uma remuneração; 2) não – eventualidade – o médico costumava trabalhar no hospital com habitualidade (um número determinado de vezes na semana ou no mês); 3) pessoalidade – a prestação de serviços se dava necessariamente pela sua própria pessoa, não podendo haver substituição por outro profissional sem prévio acordo com o contratante; e 4) subordinação – o profissional estava condicionado ao comando de um superior com relação ao modo de realização das tarefas propostas.

Resumindo: tudo é questão de ponto de vista, mesmo que a terceirização passe a ser considerada legal, quando estiverem presentes os pressupostos de uma relação de emprego o médico terá direito às suas garantias trabalhistas.

*Renata Rothbarth, é advogada, sócia do escritório Braz Gama Monteiro Advogados Associados, especialista em Direito Médico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito e integrante do Programa de Aprimoramento Profissional em Direito da Saúde desenvolvido pela Universidade de São Paulo.

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