Pensa comigo: você vai a um hospital para ser submetido a uma cirurgia e precisa transitar entre diferentes setores, como internação e UTI, enquanto seus registros são feitos manualmente, como nos velhos tempos. Imagina como seria para a equipe ter acesso a exames ou medicamentos administrados? É aí que a tecnologia vem revolucionando a prática médica.
Para ter uma ideia do impacto, o mercado de inteligência artificial (IA) em saúde, avaliado em US$ 11 bilhões em 2021, deverá alcançar US$ 187 bilhões até 2030, segundo a plataforma de dados Statista.
A tecnologia já vem contribuindo em várias frentes. A mais relevante é colocarmos o paciente no centro do negócio, proporcionando cuidados mais rápidos, eficazes e personalizados. Um exemplo são as IAs que aceleram diagnósticos, mas também aumentam a precisão e a eficácia entre a investigação e o início do tratamento. Podemos citar o Kardia, uma IA disponível no Brasil que identifica arritmias cardíacas no pronto atendimento em menos de 3 minutos, revolucionando prognósticos dos pacientes e acelerando tratamentos.
Outro ponto é a experiência do paciente. Muitos hospitais já utilizam assistentes digitais, que funcionam como um concierge, permitindo que os pacientes internados façam solicitações via smartphone ou tablet. Essa solução aumenta a autonomia do paciente, oferece informações em tempo real e melhora na comunicação com a equipe assistencial. No hospital onde atuo, em São Paulo, em 2 anos, foram 100 mil solicitações gerenciadas por esse tipo de tecnologia, reduzindo em 90% as demandas indevidas para equipe de enfermagem, como pedidos relacionados à nutrição e hotelaria, e otimizando 10.500 horas da equipe.
Outro benefício essencial é a sustentabilidade financeira e operacional. Ferramentas de análise de dados e IA ajudam hospitais a prever picos de demanda, alocar recursos com eficiência e reduzir desperdícios. A longo prazo, essas inovações não só otimizam recursos, mas também permitem reinvestimento em melhorias que beneficiam pacientes e profissionais.
Porém, há desafios consideráveis. Estudos da McKinsey indicam que a maturidade digital no setor da saúde ainda varia amplamente. A capacidade de gerar valor a partir de dados estruturados é um dos maiores desafios, apenas 12% das empresas conseguem integrar dados de forma consistente para apoiar decisões em todas as áreas operacionais. Essa limitação dificulta a implementação de prontuários eletrônicos eficazes, cruciais para consolidar dados clínicos e operacionais. Sem essa base necessária, iniciativas de análise preditiva e suporte baseado em IA ficam comprometidas. Para que esse impacto positivo seja duradouro, é fundamental que todo o ecossistema de saúde brasileiro esteja alinhado. Por exemplo, a interoperabilidade entre sistemas ainda é um ponto crítico.
Segundo a OPAS, a interoperabilidade é a capacidade de diferentes sistemas, dispositivos ou organizações de se comunicarem e trabalharem em conjunto de maneira eficaz, permitindo a troca e o uso de informações de forma integrada, mesmo que tenham sido desenvolvidos por fabricantes distintos ou operem em plataformas diversas.
O relatório da McKinsey revela que a fragmentação dos dados entre diferentes instituições de atendimento resulta em dificuldades para acompanhar a jornada do paciente de forma contínua, afetando diretamente a qualidade do cuidado. Acredito que o lançamento da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), pelo Ministério da Saúde é um avanço significativo, permitindo que profissionais do SUS em todo o país acessem os registros de atendimento de forma integrada.
Para que essas transformações sejam sustentáveis, é indispensável uma colaboração ativa entre prestadores de serviços, operadoras, fornecedores e governo. Esses atores precisam trabalhar juntos, para colocar o paciente no centro do cuidado, avaliando o custo-benefício das novas tecnologias para garantir que elas melhorem os resultados clínicos, a experiência do cliente e tragam eficiência operacional, alinhando incentivos para o crescimento do setor e criando um sistema de saúde mais inclusivo e acessível.
Não há dúvidas, a tecnologia está remodelando a forma como vivemos, trabalhamos e, especialmente, como cuidamos da nossa saúde. Hoje, o impacto das inovações vai além dos avanços técnicos na medicina: elas oferecem um horizonte mais democrático, sustentável e eficiente – um horizonte que beneficia não apenas os pacientes, mas todo o ecossistema de saúde
*Tiago Damasceno Felipe é diretor-geral do Hospital Santa Paula.
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