A tecnologia 5G desponta como um catalisador para a transformação digital no setor da saúde, ampliando a conectividade e viabilizando novos modelos de cuidado. Enquanto hospitais de referência e centros de inovação lideram os testes com redes privadas, a expectativa é que a popularização da quinta geração de redes móveis impulsione ganhos de eficiência, agilidade no atendimento e aprimoramento da experiência do paciente.
Com velocidade até 100 vezes maior que a da 4G e menor latência, o 5G possibilita o avanço da telemedicina, o monitoramento remoto e a realização de cirurgias assistidas a distância. Essas aplicações não apenas otimizam diagnósticos e tratamentos, mas também tornam o acesso à saúde mais ágil e eficiente, especialmente em regiões fora dos grandes centros urbanos, onde a oferta de serviços médicos é limitada.
A implementação do 5G no Brasil deve ter um impacto significativo também no Produto Interno Bruto (PIB). Estimativas indicam que a adoção da tecnologia poderá adicionar aproximadamente 0,5% ao PIB do país anualmente, o que representa um valor de cerca de US$ 41 bilhões até 2030. Isso se deve ao aumento da produtividade, inovação tecnológica e novas oportunidades de negócios que a tecnologia trará, especialmente em setores como manufatura, agricultura, saúde e transporte.
Há muitas discussões sobre o amplo leque de possibilidades, porém, ainda pouco evoluiu. Alguns avanços são inegáveis, mas o caminho ainda é longo. A previsão é de que até 84% da população brasileira seja beneficiada com a cobertura 5G até 2030.
Cenário atual
No Brasil, o 5G está em fase de implementação e tem sua presença concentrada em capitais e grandes cidades. Suas aplicações na saúde ainda são limitadas e isoladas, com testes em hospitais e clínicas para melhorar a telemedicina, monitoramento remoto de pacientes e integração de equipamentos médicos.
A princípio, a tecnologia está sendo vista como uma forma de levar medicina de ponta para as regiões mais remotas do Brasil, permitindo diminuir a desigualdade no acesso à saúde e a necessidade dos pacientes irem, presencialmente, ao médico ou hospital.
“Mas há muito a ser explorado a partir das vantagens que esta tecnologia oferece. Temos ainda um campo bastante vasto tanto na área de software quanto na área de hardware, explorando sensores, wearables e infraestrutura de redes”, avalia Vagner Silva, professor do corpo docente do curso de Análise e Desenvolvimento de Sistemas da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP).
“No entanto, a maioria dos dispositivos hospitalares e móveis não é compatível com essa tecnologia, o que restringe o uso. Além disso, há concorrência com outras soluções de conectividade avançadas, como a fibra óptica, que expandiu para diversas regiões, e satélites de baixa órbita (LEO), como o Starlink. Essas ferramentas já oferecem internet de alta velocidade para locais remotos, cobrindo lacunas de conectividade em áreas onde o 5G ainda não chegou”, ressalta Carlos Pedrotti, presidente da Saúde Digital Brasil.
Para Gustavo Gierun, CEO e cofundador da plataforma Distrito, o 5G está apenas começando a transformar a saúde no Brasil. A conectividade ultrarrápida e de baixa latência, segundo Gierun, permite aplicações como telemedicina em alta definição e monitoramento remoto de pacientes com dispositivos de Internet das Coisas (IoT).
“No entanto, a implementação em larga escala ainda não aconteceu, pois depende de infraestrutura, investimentos e regulamentação. Algumas iniciativas piloto já estão sendo testadas, especialmente em hospitais de referência e centros de inovação, mas a cobertura ainda é desigual entre regiões”, destaca ele.
Como o 5G efetivamente deve impactar a saúde no mundo real
As principais vantagens do 5G na saúde incluem a interconexão confiável de dispositivos médicos em unidades críticas, como Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e centros cirúrgicos, permitindo monitoramento contínuo com baixa latência.
A telemedicina pode se beneficiar da maior estabilidade e velocidade das redes 5G, reduzindo falhas em videochamadas e garantindo transmissão de dados clínicos de forma instantânea.
“O monitoramento de pacientes remotos ou até mesmo internados, por meio de dispositivos vestíveis e sensores conectados via 5G, permitirão o acompanhamento contínuo de sinais vitais e outros parâmetros de saúde, possibilitando intervenções preventivas e personalizadas. Isso é útil principalmente para pacientes idosos e pessoas que vivem em áreas geograficamente remotas”, diz Silva.
O professor comenta ainda que a IoT passa a ter um potencial significativo, pois a tecnologia permite mais dispositivos por antena e, consequentemente, poderá viabilizar o rastreamento de equipamentos médicos, medicamentos e outros recursos hospitalares, otimizando a logística e reduzindo perdas.
“No entanto, muitas dessas melhorias já são atendidas por redes de fibra óptica e pelo Wi-Fi 7, que apresentam latências comparáveis. Outra aplicação com potencial é o suporte a cirurgias robóticas remotas, mas esse uso exige infraestrutura avançada e redes extremamente confiáveis. Enquanto isso, a conectividade por satélites de baixa órbita está emergindo como uma solução alternativa para garantir acesso à internet de alta qualidade em áreas remotas, o que pode reduzir a necessidade do 5G em certas regiões”, diz Pedrotti.
Fatores limitantes para a implantação do 5G
Os obstáculos para a adoção do 5G começam com a infraestrutura e a necessidade de equipamentos compatíveis. As operadoras de telefonia precisam ampliar o número de antenas de transmissão pelo país para expandir a conexão da população à internet. Silva, da Santa Casa, lembra que, até em áreas com cobertura 5G, a densidade das antenas, em alguns pontos, é insuficiente para garantir a qualidade do sinal e a capacidade de conexão necessárias para aplicações de saúde que exigem alta confiabilidade e baixa latência.
Para Pedrotti, o investimento nesses equipamentos, em torres e em sistemas de transmissão ainda é alto, e a cobertura fora das grandes cidades permanece limitada. “Além disso, a expansão da fibra óptica já atende muitas das necessidades de conectividade hospitalar, reduzindo a urgência do 5G.”
As operadoras também enfrentam desafios regulatórios e de segurança para implantar redes privadas de 5G em hospitais e clínicas. “A transmissão de dados médicos em altíssima velocidade requer padrões rigorosos de cibersegurança e conformidade regulatória, o que também exige adaptações nas instituições de saúde”, aponta o CEO da Distrito.
Ele levanta ainda a questão dos custos nessas instituições, uma vez que o investimento necessário para implementar o 5G em hospitais e clínicas é alto, tanto em infraestrutura quanto em atualização de equipamentos médicos.
“Outra limitação é a concorrência com as redes de satélites de baixa órbita, que oferecem conexão de alta velocidade em locais remotos sem depender de infraestrutura terrestre, tornando-se uma alternativa viável para unidades de saúde em áreas isoladas”, cita ainda Pedrotti.
Há de se considerar também a desigualdade digital, a falta de acesso à internet e os dispositivos móveis por parte de pessoas de baixa renda e de comunidades rurais, o que torna esta barreira significativa para a adoção do 5G.
Chao Lung Wen, médico, professor e chefe da Disciplina de Telemedicina da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), concorda que a falta de infraestrutura é uma das principais barreiras para que o 5G avance.
“Mas isso não significa que a tecnologia não venha contribuindo para o setor, como nos casos dos dispositivos vestíveis e na telemedicina. E há ainda muito a contribuir na realidade aumentada e realidade virtual. O que não temos ainda é o 5G aplicado em ambientes de alto requisito, como a telerrobótica. Isso ocorre porque não temos o 5G chamado nativo. O que usamos hoje são várias faixas de outras bandas de frequência que possuem velocidade maior.”
Futuro: o que esperar?
Pedrotti acredita que a popularização do 5G na saúde depende da ampliação da cobertura, da redução de custos dos planos e da adoção de dispositivos compatíveis. Com o avanço do leilão do 5G e as exigências de investimento em infraestrutura, espera-se que a conectividade se torne mais acessível nos próximos anos.
Wen aposta que a tecnologia 5G fará parte do dia a dia dos brasileiros a partir de 2030, quando está prevista a chegada do 6G. “A tecnologia será cada vez mais comum e os dispositivos estarão agregando e internalizando o processo de forma mais fácil, porque o 5G promoverá melhorias na inteligência artificial. Talvez, daqui a cinco anos, com essa possibilidade de acesso, tenhamos o 5G nativo que nos permita fazer aplicações em áreas mais críticas da saúde.”
Na avaliação de Pedrotti, a expectativa do setor é de que o 5G traga maior estabilidade para aplicações como telemedicina, monitoramento remoto e integração de dispositivos médicos em tempo real.
“No entanto, a tendência é que o 5G não substitua totalmente as outras tecnologias, mas sim se torne uma opção complementar para casos específicos, como monitoramento remoto em tempo real e automação de processos médicos.”
Na avaliação do executivo, no curto prazo, o 5G deve avançar principalmente em hospitais de grande porte e centros de inovação, enquanto a adoção em larga escala dependerá de sua competitividade em relação às alternativas já consolidadas. No longo prazo, espera-se que a tecnologia ajude a viabilizar modelos avançados de saúde digital, mas sem representar uma revolução isolada. “A convergência entre diferentes soluções de conectividade será a chave para um futuro mais integrado e eficiente no setor.”
Wen destaca que todo o sistema de saúde se beneficia com o aumento de velocidade das bandas de comunicação, mas elas precisam garantir estabilidade para o profissional de saúde quando este estiver atuando em situações críticas. “Acredito que a tecnologia terá papel relevante na realidade aumentada e na realidade virtual. Nesse sentido, temos agora uma expectativa interessante com o lançamento do Orion (óculos de realidade aumentada), que pode ser usado na saúde para melhorar a precisão de diagnósticos e cirurgias.”
A expectativa é que a adoção do 5G na saúde ganhe tração nos próximos anos. Gierun acredita que, para que a tecnologia avance, é preciso que sejam criadas parcerias entre o setor público e privado, incentivos à digitalização dos hospitais e à integração com tecnologias emergentes como inteligência artificial e IoT. “Com a chegada de modelos mais acessíveis de dispositivos médicos conectados, o impacto será maior, especialmente na telessaúde e no suporte a pacientes em áreas remotas”, finaliza.
Será essencial o alinhamento entre provedores de conectividade, fabricantes de dispositivos e gestores de saúde. A colaboração entre esses agentes possibilitará o desenvolvimento de soluções integradas, capazes de potencializar a qualidade assistencial e garantir a sustentabilidade financeira do setor. Sem dúvidas, é uma peça-chave para promover a equidade no acesso à saúde, ampliação do alcance dos serviços e elevação dos padrões de cuidado em todo o país.