A promessa de uma revolução na saúde impulsionada pela tecnologia 5G vem acompanhada de expectativas em torno da integração de dispositivos médicos e dados, com celeridade e segurança, em busca de diagnósticos mais rápidos e monitoramento remoto em tempo real. Contudo, velocidade, latência reduzida, conectividade massiva e ampla cobertura, de modo a atingir áreas antes pouco atendidas por redes celulares, são avanços prometidos que ainda não são realidade.

Apesar do potencial para transformar o setor, a adoção do 5G ainda caminha em ritmo lento, esbarrando em desafios como custos elevados, infraestrutura desatualizada e a necessidade de capacitação profissional.

5G do atendimento à gestão

Os hospitais inteligentes, na vanguarda da inovação, integram tecnologias avançadas para revolucionar o atendimento ao paciente e o gerenciamento de suas instalações. Com a proliferação de dispositivos de Internet das Coisas (IoT), inteligência artificial e análise de dados em tempo real, essas instituições estão prontas para oferecer as melhores experiências de saúde. No entanto, todo o potencial dessas inovações só pode ser realizado com a integração perfeita da conectividade de alta velocidade e baixa latência fornecida pelas redes 5G.

Como essa tecnologia pode transformar o gerenciamento e a integração de dados de saúde, incluindo dispositivos conectados, exames e sistemas de monitoramento remoto, é um dos questionamentos que surgem entre o setor. Para Isabela Gaya, gerente da Unidade de Difusão de Tecnologias da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), o 5G tem o potencial de transformar a operação e o modelo de oferta dos serviços, introduzindo avanços significativos na operação do serviço público e privado de saúde e tornando o atendimento centrado no paciente.

“O primeiro impacto é a integração das informações desses sistemas de saúde, o que reduz o custo das ações, otimiza a logística de atendimento, permite um controle mais eficaz de dados administrativos, pessoais e financeiros, contribuindo para a redução de filas de atendimento, otimização de recursos e melhor gestão das equipes de saúde”, destaca ela.

A latência reduzida e a maior largura de banda do 5G possibilitam a transmissão de grandes volumes de dados, permitindo diagnósticos mais rápidos e precisos.

“O 5G tem capacidade para permitir a conexão simultânea de até 1 milhão de dispositivos por quilômetro quadrado, o que é crucial para a integração de dispositivos médicos conectados. Isso possibilita a coleta de dados em tempo real, melhorando a eficiência dos sistemas de monitoramento remoto. Por exemplo, a capacidade de transmitir dados com latência inferior a 1 milissegundo permite que médicos realizem intervenções imediatas em situações críticas, como em cirurgias remotas”, explica José Ronaldo Rocha, sócio e líder de consultoria para Tecnologia, Mídia & Entretenimento e Telecomunicações da EY para a América Latina.

A indústria brasileira da saúde está preparada para o 5G?

A indústria da saúde está evoluindo lentamente quanto a preparação para o uso do 5G, pois a transição para essa tecnologia requer um planejamento estratégico e investimentos significativos, com a necessidade de modernização das redes existentes.

“Enquanto algumas instituições estão investindo em tecnologia e infraestrutura, muitas ainda enfrentam desafios relacionados à conectividade, regulamentação e capacitação profissional. Além disso, a evolução das redes móveis e a necessidade de modernização das infraestruturas existentes são essenciais para garantir que a indústria esteja pronta para adotar plenamente as vantagens do 5G”, analisa Rocha.

Para Isabela, a indústria da saúde tem maturidade digital e prontidão tecnológica para adotar não só a tecnologia 5G, mas todas as demais tecnologias que ela habilita. No entanto, ainda existem desafios culturais a serem superados.

Benefícios são muitos, mas ainda é preciso avançar no 5G para alcançá-los

Áreas de operação e gestão dos serviços de saúde hospitalar, de prestação de serviços e de atendimento básico e especializado podem ser diretamente impactadas pela disponibilidade, segurança e flexibilidade da comunicação 5G. Nelas, a integração de serviços e informações traz ganhos de escala e de eficiência para o atendimento.

“A hiperconectividade oferecida pelas redes de quinta geração suporta o serviço de atendimento, o cuidado individualizado e centrado no paciente, a evolução e melhores desfechos. Quando habilitada pelo 5G e suportada por outras tecnologias, como inteligência artificial e monitoramento contínuo, a jornada do paciente é transformada de forma individualizada para garantir qualidade do atendimento antes, durante e depois do tratamento. O resultado é a melhoria de vida do paciente e redução do tempo de tratamento e recuperação”, diz Isabela.

Desafios e barreiras

A adoção do 5G no ambiente da saúde, em especial de equipamentos médicos, exige planejamento, investimentos em tecnologia e infraestrutura, além de adequação às regulamentações vigentes para garantir a segurança e a eficácia dos serviços de saúde e dos dispositivos médicos.

Um dos desafios é estruturar as empresas para captar e realizar o investimento em inovação contínua e em pesquisa e desenvolvimento para criação de produtos que aproveitem ao máximo a capacidade da tecnologia 5G e habilitar serviços como monitoramento remoto de pacientes e telemedicina.

“Além disto, há a necessidade de atualização de equipamentos e investimento na modernização dos processos de produção para compatibilização com a tecnologia 5G, garantindo a eficiência e a integração dos sistemas legados”, opina Isabela.

Há ainda a necessidade de capacitação profissional e treinamento especializado dos profissionais para operar e manter sistemas que utilizam o 5G, assegurando o uso correto, a manutenção e a operação contínua da infraestrutura de comunicação e dos equipamentos médicos com a tecnologia embarcada.

“Por fim, muitos investimentos em tecnologia para ecossistemas de saúde inteligentes ainda estão em estágios piloto, indicando que há um caminho a percorrer antes que essas soluções sejam amplamente adotadas”, comenta Rocha.

Na opinião de Alex Vieira, coordenador do Grupo de Trabalho Tecnologia e Inovação da Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anahp) e superintendente de TI, Inovação e Transformação Digital do Hcor, uma das maneiras de remover a barreira relacionada ao custo está no papel que deve ser assumido pelas operadoras, para que as instituições de saúde utilizem a tecnologia como serviço, sem a necessidade de investimentos em equipamentos. “Da forma como está estruturado esse modelo, é mais barato manter a infraestrutura de redes internas que já está instalada no meu ambiente.”

Como os hospitais estão se preparando para o uso do 5G?

“Os hospitais, hoje, não estão se preparando para o uso do 5G, até porque não entenderam ainda os reais benefícios que a tecnologia pode trazer. O que temos é uma rede de telefonia 5G para uso do paciente em seus aparelhos celulares. Mas para a área operacional, eu diria que o uso do 5G está aquém do que era esperado e não há previsão de investimentos a longo prazo por parte dos hospitais”, analisa Vieira.

Ele conta que grandes instituições começaram a fazer uso do 5G para entender a tecnologia. “No HCor, por exemplo, nós testamos em nossas ambulâncias, fazendo a conexão tanto do sistema quanto dos equipamentos, para monitoramento remoto. Mas a expectativa do setor como um todo era de poder usá-la de maneira mais ampla, dentro dos hospitais, reduzindo custos, mas isso não aconteceu ainda. As instituições hospitalares ainda não conseguiram alcançar os benefícios da tecnologia.”

Uma das barreiras, certamente, está nos custos para implantação do 5G, que são muitos e altos. Diante desse cenário, para quem pensa em investir e se preparar para ter a tecnologia 5G em sua instituição, Isabela acredita que o caminho ideal é fazer uma transição gradativa dos serviços de comunicação, estabelecendo quais aplicações devem ser transferidas para a rede 5G e quais podem permanecer com as tecnologias já existentes.

Rocha aposta em alguns pontos essenciais, como atualizar redes e sistemas para suportar a conectividade 5G, estabelecer parcerias com provedores de tecnologia e telecomunicações para desenvolver soluções integradas, garantir a proteção de dados e a conformidade com regulamentações e, como falado, focar no treinamento dos profissionais para utilizar novas tecnologias e sistemas.

Apesar do quadro atual traçado por Vieira, ele acredita que, no futuro, o 5G vai gerar benefícios em relação à velocidade de comunicação e trânsito de informação, mas ele não nega que o setor esperava mais. “O trânsito já existe, e o que queremos é uma redução dos nossos custos. As operadoras ainda não desenvolveram uma cultura empresarial em massa para o uso do 5G. Para o que estamos fazendo hoje, o 4G nos atende perfeitamente.”

Os grupos de discussão da Anahp que debatem tecnologias, inclusive o 5G, estão pautados em outras frentes, segundo ele. “Inegavelmente, é uma tecnologia interessante, mas não é prioridade para o setor neste momento.”

Experiência em uma instituição hospitalar

Na BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, a tecnologia tem sido usada nas rotinas médicas, especialmente pela confiabilidade de conexão, redução significativa da latência e alta capacidade de transmissão de dados.

“Esses fatores são essenciais para garantir que informações geradas em exames ou durante procedimentos médicos sejam transmitidas de forma rápida e segura. A baixa latência, em particular, é decisiva para a manipulação em tempo real de imagens e dispositivos médicos, permitindo uma resposta imediata e precisa, o que é fundamental em ambientes de alta complexidade, como cirurgias e monitoramentos à distância”, conta Maria Alice Rocha, diretora executiva de Pessoas, Experiência do Cliente, Marketing, Sustentabilidade e Impacto Social da instituição.

Ela destaca que o 5G possibilita o uso mais eficiente de tecnologias emergentes nas quais a instituição está investindo, como inteligência artificial, robótica, sensores avançados, impressoras 3D, biologia sintética, realidade aumentada e análise massiva de dados.

“A revolução na saúde impulsionada por essas tecnologias avançadas já está acontecendo e provavelmente ocorrerá em etapas, com avanços mais concretos sendo observados em cinco a dez anos, mas que dependem das iniciativas de saúde digital já em curso. Estamos estudando e desenvolvendo muitas dessas funcionalidades na BP, no âmbito de pesquisa e da prática médica.”

A executiva comenta também sobre a formação dos profissionais, dizendo que serão contempladas nos programas de ensino desenvolvidos pela instituição as necessidades de formação e treinamento para uso do 5G e de todos os recursos relacionados a novas práticas nos diagnósticos e tratamentos.

Ela finaliza trazendo um dado da Astute Analytica que revela que 61% dos principais órgãos de acreditação médica, incluindo aqueles na Europa e na Ásia, exigem treinamento especializado em soluções baseadas em 5G para profissionais de saúde recém-licenciados, em um esforço claro para alinhar os padrões de excelência prática com as tecnologias emergentes.

A tecnologia 5G, embora esteja avançando de maneira mais lenta do que muitos esperavam, ainda é uma aposta para melhorar o acesso à saúde, possibilitando tanto o atendimento remoto quanto o uso de dados para oferecer um melhor cuidado na jornada do paciente. No entanto, os atores do ecossistema de saúde e as operadoras precisam unir esforços para que a entrega de resultados seja a esperada.