A tecnologia 5G tem o potencial de revolucionar a saúde, viabilizando desde atendimentos remotos com baixa latência até procedimentos médicos mais precisos e conectados. No entanto, sua implementação no setor enfrenta desafios complexos, que vão desde barreiras financeiras e estruturais até entraves regulatórios e de segurança.

Embora a cobertura do 5G no Brasil tenha avançado, sua adoção plena na saúde ainda depende de investimentos, modernização da infraestrutura hospitalar e estratégias para garantir a proteção de dados dos pacientes. O caminho para essa transformação já começou, mas exige um esforço coordenado entre o setor público e privado.

Atualmente, segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), 62,98% dos moradores do Brasil estão cobertos pelo 5G. Esse percentual é distribuído entre 73,09% dos moradores em áreas urbanas, e 8,18% em áreas rurais. A expectativa é de que, para os próximos anos, a tecnologia, especificamente na área de saúde, possa entregar o que se espera, como velocidade e tempo de latência reduzido em prol de melhor acesso à saúde. Porém, existem vários obstáculos a serem vencidos.

Desafios estruturais

A expansão do 5G no Brasil enfrenta dificuldades estruturais expressivas, incluindo a necessidade de instalação de novas antenas e equipamentos, principalmente em regiões remotas e de difícil acesso. Além da conectividade limitada, há problemas adicionais, como a falta de fornecimento contínuo de energia elétrica e a substituição de equipamentos obsoletos que não suportam a nova tecnologia.

“Ao mesmo tempo, a segurança cibernética surge como um fator crítico, exigindo medidas rigorosas para proteger a integridade da rede e dos dispositivos conectados, prevenindo ataques e acessos não autorizados que poderiam comprometer dados e serviços essenciais”, analisa Sérgio Portugal, professor da Pós-Graduação em Gestão de Negócios da Saúde da Fundação Dom Cabral (FDC).

Uma das características do 5G é a latência muito baixa, o que favorece a utilização para aplicações classificadas como missão crítica, ou seja, onde não pode haver falhas. Isso implica em densificação da rede com mais antenas e pequenos sites (small cells), o que demanda investimentos e adaptação da infraestrutura hospitalar para suportar essa conectividade.

“Muitos hospitais não possuem estrutura adequada para receber novos equipamentos de telecomunicação. Em locais de menos concentração populacional e mais afastados, o desafio reside na capilaridade da rede de fibra óptica, o que dificulta ainda mais a adoção da tecnologia”, aponta Matheus Rodrigues, sócio líder de Tecnologia, Mídia e Telecomunicações na Deloitte Brasil.

Custos: uma das grandes barreiras

Segundo Donizetti Louro, consultor especialista da Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos (Abimo), embora existam alguns mecanismos financeiros, não há incentivos diretos de financiamento para a adoção do 5G na saúde. Programas, como os do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), fornecem apoio financeiro para a transformação digital, mas o apoio específico para iniciativas de saúde 5G é limitado.

Nos hospitais, os custos são um desafio ainda mais complexo de ser vencido, na análise de Rodrigues, principalmente naqueles de pequeno porte, com uma infraestrutura tecnológica menor e geralmente orçamentos reduzidos. A tecnologia ainda tem um alto custo para implementação, principalmente onde a infraestrutura é mais antiga.

“A implementação do 5G em hospitais de menor porte é dificultada pelo alto custo de infraestrutura e pela falta de incentivos financeiros específicos”, diz Louro. Contudo, há soluções tecnológicas que podem tornar a implantação mais barata e também ações que podem gerar a obtenção de incentivos fiscais, o que varia conforme município e estado.

O especialista destaca que quem investe em inovação em saúde relacionada ao 5G pode se qualificar para incentivos fiscais sob a Lei 11.196/2005 (Lei do Bem), mas o processo é lento e burocrático. “Por outro lado, temos as Parcerias Público-Privadas (PPPs) com iniciativas de universidades, centros de pesquisa e hospitais privados que conseguem financiamento privado para programas-piloto 5G, porém as instituições públicas de saúde lutam para obter recursos comparáveis e funcionais.”

Entraves regulatórios e a proteção de dados

As questões regulatórias são consideradas um dos principais fatores responsáveis pela não adoção do 5G e podem ser observadas na dificuldade de conciliar o avanço da tecnologia com as autorizações de instalação de equipamentos em ambiente hospitalar.

Na avaliação de Louro, os atrasos na alocação e licenciamento de espectro da tecnologia 5G no setor de saúde brasileiro estão atrelados a atrasos regulatórios na liberação de frequência e implementação de infraestrutura, as quais prejudicaram sua aplicabilidade prática na área da saúde.

“Paralelamente, os cuidados com o gerenciamento e a transferência de dados confidenciais de pacientes em redes 5G reiteraram as regras da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o que aumentou consideravelmente as análises de segurança, criptografia e armazenamento. Por outro lado, a certificação de dispositivos médicos habilitados para 5G (como instrumentos de cirurgia remota e diagnósticos alimentados por inteligência artificial) também exigem aprovação regulatória da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), processo demorado e burocrático.”

Existem diversas atividades, tais como a telemedicina, que é regida pela Lei 13.989/2020, mas para a qual não há uma estrutura legal explícita para aplicações 5G, como cirurgia robótica em tempo real e diagnóstico orientado por inteligência artificial.

Para o professor da FDC, são necessárias diretrizes mais claras sobre o uso de dados de pacientes e a obtenção de aprovações para a instalação de infraestrutura. “A LGPD exige uma abordagem rigorosa no manuseio de informações sensíveis, demandando políticas de segurança robustas e mecanismos eficientes de consentimento e auditoria.”

O desenvolvimento de protocolos de segurança, a implementação de criptografia avançada e a criação de sistemas de monitoramento contínuo são passos que se mostram essenciais para garantir a integridade das informações. “Além disso, educar usuários e profissionais de saúde sobre boas práticas de segurança digital pode reduzir riscos e fortalecer a confiança na nova tecnologia”, diz Portugal.

Louro, da Abimo, destaca que a privacidade dos dados é um tema que merece muita atenção, pois o fluxo de dados em tempo real de alta velocidade em redes 5G aumenta a probabilidade de violações de dados por hackers, caso a arquitetura e os mecanismos de segurança forem inadequados.

“Nesta direção, ainda temos os riscos de conformidade para hospitais. Caso essas instituições optem por fatiamento de redes, teremos riscos de segurança com a largura de banda especializada. Se os sistemas da instituição não forem adequadamente protegidos, um ataque cibernético pode prejudicar todo o sistema em operação. Aqui, deve-se refletir sobre a necessidade de uma criptografia segura, pois à medida que a tecnologia 5G melhora, as técnicas de criptografia devem se expandir.”

Caminhos para superar barreiras

A solução para superar esses problemas, na análise de Rodrigues, passa pela combinação de incentivos financeiros, modernização regulatória e parcerias estratégicas atreladas a um plano de desenvolvimento que pode ser elaborado utilizando-se as tecnologias adequadas para cada caso.

“A criação de políticas públicas voltadas para a digitalização da saúde, a flexibilização de normas para instalação de infraestrutura 5G e o desenvolvimento de modelos de negócios para os provedores da tecnologia e hospitais pode acelerar a implementação.”

Para que as barreiras sejam vencidas, a colaboração de todos os stakeholders do setor se faz necessária, na opinião dos especialistas. “É essencial uma colaboração ativa entre governo, setor privado e instituições de ensino, pesquisa e extensão. A criação de um arcabouço regulatório sólido e flexível, o investimento contínuo em infraestrutura e o desenvolvimento de mecanismos de incentivo financeiro são aspectos fundamentais para acelerar a transformação digital das instituições de saúde, de maneira especial com a aplicação da tecnologia 5G”, acredita Rodrigues.

Além disso, a troca de experiências com outros países e a realização de projetos-piloto podem oferecer insights e impulsionar a adoção segura e eficiente da tecnologia. “As iniciativas devem ser tratadas como projetos de inovação dentro de um contexto de transformação digital. Caso contrário, parte do investimento realizado corre o risco de se perder pela falta de foco estratégico na adoção da tecnologia”, alerta ele.

Louro aposta também que, para virar o jogo do 5G no Brasil, é preciso iniciativas para acelerar a adoção da tecnologia na área da saúde, com foco nas estratégias da Anatel e da Anvisa, que devem estabelecer programas contínuos de certificação para dispositivos médicos habilitados para 5G e simplificar os procedimentos de licenciamento para implantações de redes hospitalares.

“Os setores de saúde e telecomunicações devem trabalhar juntos para implementar soluções de saúde 5G, principalmente em unidades de saúde pública. Minimizar barreiras com incentivos financeiros direcionados, os quais poderiam introduzir incentivos fiscais, subsídios ou fundos de investimento dedicados para ajudar na implantação do 5G em hospitais, instalações de pesquisa e projetos de saúde digital são fundamentais.”

Soluções viáveis a curto e médio prazo

A tecnologia 5G chegou prometendo uma revolução na saúde, mas ainda não deslanchou como se esperava e seus benefícios ainda não são claros para muitos gestores. Os desafios são muitos e requerem, principalmente, investimentos financeiros. Mas, a curto e médio prazo, o que pode ser feito?

“No curto prazo, soluções viáveis incluem a implementação de redes 5G privadas em hospitais e clínicas, a aquisição de equipamentos compatíveis e a realização de testes lean para validar os benefícios da conectividade avançada”, diz Portugal.

Nesse sentido, Rodrigues comenta que a adoção de redes privativas pode ser realizada através do desenvolvimento da solução e posteriormente implementação com algum provedor.

Para Louro, algumas iniciativas também envolvem a implantação de redes híbridas 4G-5G massivamente com integração gradual de redes 5G não autônomas (NSA) na infraestrutura 4G LTE existente, o que tornaria a iniciativa mais econômica.

“A Anatel também pode desenvolver iniciativas que permitam que os hospitais testem aplicativos médicos baseados em 5G em ambientes regulatórios, acelerando assim a acurácia sistêmica e validação tecnológica.”

No médio prazo, a ampliação da infraestrutura de fibra óptica e o desenvolvimento de ecossistemas de tecnologias e conectividade em conjunto com a criação de políticas de financiamento específicas podem acelerar a adoção do 5G, beneficiando o público que vive em regiões menos favorecidas tecnologicamente e procedimentos que podem ser realizados de forma remota.

Portugal destaca, por fim, que na lista de prioridades das empresas do setor de saúde devem constar investimentos na capacitação de profissionais para que estes estejam preparados para lidar com novas ferramentas e processos tecnológicos em uma realidade de transformação digital do setor de saúde.

Segundo informações da Anatel, a expectativa é de que a tendência de crescimento do 5G permaneça no ano de 2025. A popularização dos dispositivos NB-IoT (sigla em inglês para Narrowband Internet of Things) poderá impulsionar o uso de dispositivos de automação, sensores industriais, vestíveis e muitos outros. Essa tecnologia permite implementar redes de grande alcance com baixo consumo de energia, além de reduzir o custo dos próprios dispositivos, viabilizando diversos modelos de negócio.

Embora o 5G tenha o potencial de alterar o setor de saúde do Brasil, atrasos em pesquisa, desenvolvimento e inovação; dificuldades de regulamentação; deficiências de infraestrutura; restrições financeiras e preocupações com implantação de sistemas cognitivos artificiais continuam sendo obstáculos significativos. Investimentos direcionados, reformas legislativas e colaboração do setor podem acelerar consideravelmente a formação de profissionais e a adoção plena da tecnologia.