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Daniel Kraft fala sobre tratamento personalizado x tecnologia

Article-Daniel Kraft fala sobre tratamento personalizado x tecnologia

Com o conhecimento da genética, barateamento do genoma, o futuro da saúde vislumbra oportunidades de tratamentos personalizados. No entanto, antes, é preciso lidar com a privacidade das informações do paciente e a convergência entre os sistemas de tecnologia

Decifra-me ou te devoro. Esse era o desafio da Esfinge de Tebas. Ela eliminava aqueles que se mostrassem incapazes de responder a um enigma. Assim como a charada da mitologia egípcia, a realidade também precisou decodificar grandes questões, a maior deles, na década de 1990, foi o sequenciamento do genoma humano, que, desde então, está cada vez mais acessível. Hoje, já é possível usar a tecnologia de impressão 3D para construção de órgãos e tecidos. Em um futuro breve, o seqüenciamento do genoma de quase todas as pessoas será conhecido e, assim, será usado para prevenção de doenças e tratamentos personalizados. Mas ?há um lado perigoso? e é preciso analisar como a informação será utilizada, é o que adverte o médico e cientista, titular da cadeira de FutureMed, da Singularity University, na Califórnia (EUA), Daniel Kraft. Por outro lado, face ao ?Big Brother Genético? do futuro, pairam questões do presente, como a privacidade das informações do paciente, integração de sistemas e o comportamento do médico. ?Se o médico não for pago para usar uma simples tecnologia como e-mail ou Skype, ele não usará?, afirmou Kraft, que veio à São Paulo para o Executive Program 2012, curso realizado entre a Faculdade de Tecnologia (Fiap) e a Singularity University. À véspera de ministrar a palestra ?O futuro da medicina?, ele recebeu FH para conversar sobre o tema, entre outros assuntos. Veja os principais trechos a seguir:

FH: O sequenciamento do genoma humano já custou US$ 3 bilhões. Você diz que ele custará menos de US$ 1000 em poucos anos. Tendo em vista tal barateamento, quais são as mudanças para a medicina hoje e quais serão as tranformações para a medicina no futuro? Daniel Kraft: Bem, primeiro de tudo, levou sete anos e cerca de US$ 3 bilhões para fazer os primeiros genomas humanos nos Estados Unidos (EUA), e isso foi há cerca de dez anos. E desde então, o preço e a velocidade de fazer uma sequência de um genoma humano completo tem reduzido significativamente. Falamos de como os computadores se tornam mais rápidos a cada 18 meses. E o custo de uma sequência de genomas tem reduzido duas vezes, a cada 6 meses. Há dois anos, o custo era de US$ 100 mil, há um ano US$ 10 mil. Ou seja, a velocidade e a habilidade aumentaram e os preços cairão rapidamente ao ponto que, provavelmente, teremos o genoma de US$ 100 em poucos anos, e quem sabe, em alguns anos, será mais barato que um exame de sangue ou um raio-x, ou até de graça. A genética está relacionada com como contrair certas doenças, pois, às vezes, se tem o gene e se adquire a doença, como fibrose cística ou doença falciforme. Em muitos casos, a sua genética oferece riscos maiores para certa doença, por exemplo, câncer de mama, câncer de cólon, entre outras. Conhecendo bastante a genética, pode-se começar a fazer previsões e ter uma melhor personalização. Por exemplo, suponha-se que uma paciente tenha um gene com alto risco para câncer de mama. É possível mapeá-la desde jovem, e não esperar para quando for mais velha. Certos genes indicam um alto risco para diabetes, então há de se ter atenção com a dieta de alimentar. A prevenção é importante. Na medicina ocidental gasta-se tempo e energia para tratar a doença após o diagnóstico - já em estágio adiantado - como níveis de câncer ou diabetes avançados. O impacto da genética será em múltiplas camadas. Uma das oportunidades iniciais, que já pode ser feita hoje em dia, até antes de ?sequenciar? o paciente, se chama farmacogenética- variabilidade genética dos indivíduos com relação aos medicamentos específicos.

FH: Com o conhecimento do genoma, quais são os impactos na vida das pessoas? Não poderia haver um efeito negativo? É possível que as pessoas se tornem neuróticas sobre doenças e possam até cometer suicídio? Kraft: Em geral, conhecimento é poder, especialmente o bom conhecimento que é prático. É muito importante o modo como a informação é apresentada para a pessoa. Não se pode querer falar somente que a pessoa tem 90% de chances de ter Alzheimer, é importante contextualizar ou dizer que ela possui o gene específico. É importante ter um conselho genético inteligente sobre a informação, contextualizando a informação, de forma que se possa utilizá-la. É importante considerar a informação correta dada pelo médico ou aconselhada por um especialista, ou sites que te ajudam a entendâ-la. É complexo e estamos ainda aprendendo. É importante compartilhar a informação sobre genética. É importante que as pessoas compartilhem traços de seus fenótipos, de forma voluntária, trocando informação do seu histórico médico, assim como fazem no Facebook, compartilhando amizades e preferências. Faz apenas dez anos que conseguimos mapear a primeira sequência genética, e em dez anos serão mapeados milhões e milhões de sequências, e logo todos serão sequenciados. Há o lado perigoso, que ainda é um desafio. Por exemplo, no filme Gattaca (que sempre recomendamos), em que, no futuro, as pessoas são sequenciadas desde o seu nascimento e direcionadas em suas carreiras e habilidades. É importante não haver discriminação e existirem leis que não permitam esse tipo de discriminação por causa do seu gene. A privacidade é também algo importante. Os sistemas para protegê-la não são perfeitos e sempre existiram riscos. É um desafio em potencial saber da existência desse lado perigoso e saber compartilhar a informação de forma inteligente. Mas haverá casos em que um candidato presidencial pode deixar um copo e o DNA é analisado, e esse candidato tem dez chances de ter Alzheimer ou Parkinson, e isso, futuramente, será usado contra ele. Os pais, hoje em dia, já podem pedir testes de DNA para seus filhos para avaliar que tipo de estrutura física e habilidades eles terão , como correr uma maratona, por exemplo. Existem variadas maneiras em que a informação genética pode ser utilizada.

FH: Como se dá a relação da indústria farmacêutica com o conhecimento do genoma e a famacogenética? Kraft: Hoje, as grandes indústrias farmacêuticas passam por problemas, porque com as informações genéticas estamos aprendendo que os medicamentos não têm apenas um lado. Por exemplo, muitos pacientes não são beneficiados pela aspirina, mas nós receitamos a eles de qualquer forma para prevenir um infarto ou um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Porém se elas carregam certo tipo de gene, podem não só não se beneficiarem, mas também terem efeitos colaterais. Para mim, como médico, é importante saber esse tipo de informação genética para evitar a prescrição de certo tipo de medicamento e receitar outros que irão ajudar. Eu acredito que existem indústrias farmacêuticas que podem criar medicamentos efetivos para determinados perfis de pessoas. Eu não acho que eles possam fazer algo melhor prestando atenção na farmacogenética, e nos genomas em geral, cujo tratamento é feito de forma individual, dando a dose certa, na hora certa para a pessoa certa. No entanto, hoje em dia não fazemos isso, damos o mesmo medicamento para todos e da mesma forma: horário, quantidade, e etc. Muitos pacientes no Brasil e nos EUA sofrem de hipertensão e isso afeta muito o coração, os rins, o cérebro, e prescreve-se um remédio para o sangue, porém, na realidade, baseado na sua genética, seu peso, nas funções renais -, deveria ser escolhido algo mais apropriado. Os médicos precisarão de uma inteligência artificial e programas que juntem todas essas informações para poder escolher o medicamento ideal.

FH: O Registro Médico Eletrônico (EMR) é comum, mas, ao mesmo tempo, ainda falta convergência entre os sistemas e há o desafio de integração com os registros médicos pessoais do paciente. Quando isso se tornará realidade? Qual é a solução para isso?

Kraft: A oportunidade agora é usar esse novo tipo de medicina, onde quase tudo sobre sua saúde pode ser digitalizado, desde a genética até a pressão sanguínea, criando uma ?massa de dados?. O registro médico eletrônico (Eletronic Medical Records / EMR) no nível básico é uma versão digital do quadro que se pode ter. Dessa forma, se o paciente entra em uma sala de emergência, o EMR autoriza a verificar rapidamente a situação clínica do doente. Hoje em dia é mais fácil definir e desenvolver a informação relevante por meio dessa tecnologia, na medida em que ajuda nos diagnósticos de prevenção ou para um tratamento mais efetivo da doença. Um dos desafios também é que muitos desses registros médicos eletrônicos são criados em diferentes línguas: francês, italiano ou português, portanto é importante ter padrões para se comunicarem conjuntamente para que se integrem com os medidores de pressão sanguínea e equipamentos de raios-X. Estamos ainda em um estágio inicial dessa padronização. Nos EUA há somente de 25% a 30% de EMR, porém os equipamentos eletrônicos estão em expansão. Hoje em dia mais de 30% dos médicos usam Ipad nas clínicas. Na Universidade de Stanford (EUA), por exemplo, cada estudante de medicina recebe um Ipad, o que indica que a próxima geração de médicos estará acostumada a usar esses dispositivos e essas informações digitais no seu dia a dia.

FH: Mas, nos EUA, os sistemas de hospitais ja são integrados com outros? No Brasil, por exemplo, cada hospital usa um tipo de programa e a informação, no fim das contas, permanece apenas com o paciente.

Kraft: Sim, exatamente, como em Stanford, que utiliza um tipo de sistema e se você se afasta alguns quilometros, ele já é outro. Porém, nos EUA o governo está tentando criar um padrão para que as futuras gerações consigam integrar um sistema de comunicação. É como aconteceu com as antigas fitas cassetes, que antigamente existiam dois tipos, mas finalmente se padronizou um tipo só e todo mundo começou a usar apenas esse sistema. Tenho certeza que nos EUA, no Brasil, e em outros países, os médicos nem sempre praticam a medicina baseada em evidências, nem sempre praticam o que está evidenciado no papel. Eles seguem os procedimentos que são pagos para fazer. Se o médico não é pago para usar uma simples tecnologia como e-mail ou Skype, eles não usarão. Mas se as companhias de seguro médico se esforçarem para ter uma melhor comunicação, como e-mail, por exemplo, e se os médicos ganhassem mais para manter o paciente saudável, evitariam tratá-lo quando já estivesse doente. Similarmente com os EMRs, os EUA anunciaram que pagarão US$ 40 mil para colocar os EMRs em sua rotina. Se os hospitais e clínicas no Brasil incentivassem os EMRs, funcionando sobre certas regras de comunicação, isso iria ajudar todo o sistema se tornar mais comunicativo.

FH: Como o uso da impressora 3D ajudará a construir órgãos fora do corpo e como isso será feito?

Uma das novas tecnologias que tem crescido é a impressão em 3D, é a habilidade de aplicar o design no computador e imprimi-la em três dimensões, como imprimir um copo, uma colher ou uma faca ou um pequeno coração. É possível criar muitas coisas complexas, imprimir a mandíbula de um paciente, por exemplo. E a impressora tem se tornado cada vez mais barata, é possível comprar uma básica por US$ 2 mil nos EUA. E creio que em cerca de 10 anos todos estarão usando essa tecnologia até em suas casas. Isso está começando a ser aplicado na medicina. Na medicina regenerativa, por exemplo, se pode ter um uso efetivo nas células-tronco, quando há um tecido ou órgão danificado pela idade, lesão, ou infecção. Está começando a surgir a ideia de unir a engenharia de tecidos com a impressão em 3D. Há mais de 10 anos existe a construção artificial por meio de cultura de células da bexiga, que é um órgão simples. O doutor Anthony Atala, especialista em medicina regenerativa, e sua equipe, desenvolveram uma tecnologia em que se pode cultivar em um tubo de ensaio algumas células e esperar que cresça uma nova bexiga, e isso é feito há 10 anos. Depois se estendeu a órgãos mais complexos, como os rins, fígado ou o coração. No ano passado, colocaram uma traqueia em pacientes que tiveram lesões respiratórias, desde câncer até tuberculose, podendo-se fazer um exame preciso da traqueia reconstruída em 3D. Kraft: Quando se fala em impressão 3D de um órgão complexo como o rim, por exemplo, precisa-se ter informações do sangue e de diferentes tipos de células. Alguns grupos acadêmicos estão nos estágios iniciais desse tipo de tecnologia. Algumas empresas trabalham com um biorreator e um tubo de ensaio para tentar transplantar em pacientes. As coisas estão mudando de forma acelerada. Um dia teremos uma biblioteca de tipos de tecido, que poderá ser idêntico ao do paciente e ser usado para construir seu rim ou coração. Você poderia, por exemplo, pegar o coração do porco, tirar as células dele e ter um esboço de tipos para, depois, quem sabe, colocá-las em um coração humano: criar um coração humano em uma ?armação?, como se você fosse construir uma casa, que primeiro se constrói a estrutura para depois se colocar os tijolos. Portanto, há outras maneiras de se criar órgãos, estudados pela combinação da engenharia de tecidos e impressão 3D e biologia celular.

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