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Ainda temos que discutir a importância da ciência no combate à pandemia?

Article-Ainda temos que discutir a importância da ciência no combate à pandemia?

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Esse foi o questionamento coletivo na fala de abertura dos palestrantes Rebecca Cooney, Jorge Kalil, Luciano Azevedo e do moderador José Henrique Salvador no painel “O papel da ciência e tecnologia no combate à pandemia” no Conahp 2020. “[Normalmente] estes não seriam aspectos controversos no enfrentamento de uma pandemia, mas a ciência e a tecnologia se tornaram politizados pelos governos de todo o mundo”, disse Rebecca, que é Editora Executiva da América do Norte da The Lancet/Elsevier.

Jorge Kalil, Professor Titular da Faculdade de Medicina da USP, destacou que é estranho que exista esta questão, afinal, o que poderia ser feito para solucionar uma pandemia que não utilizando ciência? Segundo ele, temos pessoas no ambiente político que não compreendem o tema e aproveitam a fragilidade do cenário para transmitir ideologias que claramente não são suportadas por dados. “A ciência é implacável [na utilização de dados para tomada de decisões], pois ela prevê e mostra o caminho independente de qualquer colocação, de qualquer pessoa.”

A ciência e tecnologia são imprescindíveis para o avanço da medicina e por consequência no combate a pandemia. O conceito de supervalorização destes temas e confiança no conhecimento empírico dos governantes que questionam o papel da ciência são extremamente perigosos, chegando a ser um retrocesso, de acordo com José Henrique Salvador, moderador do debate e Diretor de Operações da Rede Mater Dei de Saúde. Como Vice-Presidente da Comissão Científica do Conahp 2020, ele comenta que as instituições da Anahp estão sendo fundamentais neste momento para entenderem em conjunto como efetivamente cuidar dos pacientes afetados pela Covid-19. As ações vão desde projetos de desenvolvimento de respiradores nacionais a telemedicina, passando por uso massivo de estatísticas e inteligência artificial.

No debate foram abordados três principais pontos sobre o tema: a literatura médica sobre a pandemia, o processo de desenvolvimento de vacinas e o papel colaborativo das instituições de saúde.

Especialistas e cientistas de todo o mundo se mobilizaram, resultando em mais de 72 mil publicações sobre a Covid-19. Um aumento de 250% no fluxo de atividade de estudos, diz Rebecca. Especialmente, a categoria de “Fast Track”, no qual revisores tem apenas 48h para avaliar a submissão, demonstrou um crescimento significativo dada a relevância das descobertas. Em 2019 foram recebidos pouco mais de 200 artigos, enquanto que em 2020 foram mais de 1000, considerando o período de pandemia para comparação. A editora executiva assegurou que o grande volume não comprometeu a qualidade das publicações científica, visto que há um grande rigor na aprovação, também apoiada por tecnologia.

Reconhecida pelo engajamento em equidade de gênero e racial, a The Lancet, enfatiza que já é possível perceber como a pandemia está afetando desproporcionalmente mulheres e negros. “Essas carreiras serão afetadas a longo prazo, o que terá um grande impacto no sistema médico e científico de pesquisas e publicações.” Uma das razões mais explícitas é o peso dos cuidados domésticos e familiares enraizados, que privilegia homens brancos.

Há robusta evidência de vieses dentro da ciência, medicina e saúde de forma global. Existe uma necessidade clara de ação e responsabilidade dos líderes institucionais para enfrentar os preconceitos de gênero, melhorar a diversidade e a inclusividade, e impulsionar mudanças. A equidade na ciência não é um assunto puramente de justiça, mas é crucial para produzir melhores pesquisas e consequentemente, melhor cuidado aos pacientes.

Além de professor da USP, Jorge Kalil também é diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (InCor) e está diretamente envolvido no desenvolvimento de uma vacina para o coronavírus. “Hoje existem muitos lugares nos quais a doença está descontrolada, com um novo pico nos Estados Unidos e Europa, por que durante o período das férias as pessoas não conseguiram fazer o isolamento social, o que que era previsto pela ciência, caso as pessoas não utilizassem máscara”, disse Jorge.

No início da pandemia, as farmacêuticas seguiram por dois caminhos. O primeiro desenvolvendo vacinas a partir de vírus inativados, um método mais antigo que não proporciona resposta imunológica de longa duração. O segundo é baseado na proteína da espícula do vírus. Todas as vacinas em fase final de aprovação se basearam neste último método. Os principais requisitos para uma vacina segundo o especialista são: segurança biológica, ampla cobertura, acesso aos brasileiros e longa memória imunológica disponível. Além de logística de armazenamento e meios de adaptação caso exista uma mutação do vírus.

De forma breve, Jorge explicou as particularidades do desenvolvimento da vacina do grupo o qual faz parte. “Nós resolvemos estudar um pouquinho mais a resposta imunológica entendendo qual é a parte da molécula realmente neutralizante. Nós escolhemos fragmentos de todo o genoma do vírus que desencadeassem uma boa resposta CD4+ e CD8+. Então a partir daí nós desenvolvemos a vacina com VLPs (vírus-como partículas) que estão sendo finalizados para testagem em animais. Nós queremos fazer uma vacina que seja intra-nasal permitindo [o alto desenvolvimento de] anticorpo IgA, que são os anticorpos de mucosa. Também [focamos] bastante a resposta local principalmente de linfócitos T locais.”, explicou.

Já sobre o papel colaborativo das instituições de saúde, Luciano Azevedo, que é Professor Livre-Docente de Emergências Clínicas da USP e Médico Pesquisador do Hospital Sírio-Libanês, concluiu o painel abordando a ciência como incorporadora de conhecimento e como meio para termos respostas efetivas. O médico é um dos integrantes do Coalizão Covid-19 Brasil, projeto que reúne desde março, um grupo de hospitais de excelência para identificar a carga que a pandemia traria aos hospitais e desenhar estudos clínicos prospectivos, randomizados e multicêntricos capazes de trazer respostas sobre linhas terapêuticas relacionadas ao tratamento da Covid-19.

Fazem parte do Coalizão Covid-19 Brasil: Hospital Israelita Albert Einstein, Hospital do Coração, Hospital Sírio-Libanês, Hospital Moinhos de Vento, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, A Beneficência Portuguesa de São Paulo, Instituto Brasileiro de Pesquisa Clínica e  Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva.

Os trabalhos incluíram a análise de algumas drogas, em pacientes de quadros leves até desconfortos respiratórios graves, observando também os efeitos de equipamentos, como ventiladores mecânicos, na evolução terapêutica dos pacientes. Os seis primeiros estudos analisaram o comportamento das drogas hidroxicloroquina, azitromicina, dexametazona, anticoagulantes associadas ou não, em pacientes com quadros de Covid-19 específicos. O sétimo estudo, ainda em andamento, busca analisar a Covid-19 crônica, identificando pontos como mortalidade, hospitalização e desfechos desfavoráveis na linha do tempo.

Até o momento já foram publicados três artigos científicos sobre as conclusões encontradas. O primeiro, no New England Journal of Medicine, comparou a hidroxicloroquina, com e sem azitromicina, em paciente com Covid-19 leve a moderado hospitalizados, e mostrou que a hidroxicloroquina não era indicada, servindo para diminuir o seu uso global no tratamento. O segundo, publicado no Lancet, comparou a hidroxicloroquina, com e sem azitromicina, em paciente com Covid-19 no perfil grave, provou que azitromicina não tem eficácia como tratamento destes pacientes e pode ter até efeitos deletérios. O terceiro, publicado no JAMA, comprova a diminuição de dias em que o paciente fica em ventilação mecânica, quando utilizada dexametazona em relação ao cuidado padrão, e serviu como base, junto com 6 outros estudos, para que a Organização Mundial da Saúde mudasse o seu protocolo de tratamento de Covid-19.

“A ciência brasileira está sendo capaz de responder a inúmeras perguntas. Nós precisamos continuar acreditando que só ela será capaz de nos tirar deste momento difícil, não atitudes negacionistas ou baseadas em opiniões.” disse Luciano lembrando que, mesmo com recursos limitados, o Brasil fez estudos de relevância, em revistas de impacto, que foram capazes de orientar e modificar a prática clínica no mundo inteiro.

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