Depois de mais de uma década sem reajustes significativos, o Ministério da Saúde anunciou a incorporação de R$700,56 milhões ao limite de Média e Alta Complexidade (MAC) de estados e municípios. Embora tardio, esse aumento traz um alívio essencial às entidades filantrópicas, que desempenham um papel vital no atendimento especializado e, por anos, enfrentaram o desafio de operar com valores defasados pela tabela SUS. Essa decisão chega como uma resposta à pressão inflacionária, à variação cambial e ao crescente custo dos materiais médicos, mas não é suficiente para solucionar problemas estruturais mais profundos.
Desde 2013, os preços de órteses, próteses e materiais especiais (OPMEs), especialmente na área de ortopedia, sofreram um aumento acumulado de custos acima de 60% — e, em procedimentos de alta complexidade, essa defasagem foi ainda maior. Nesse período, fatores como a inflação e a variação cambial impactaram significativamente os preços, tornando inválido o modelo de financiamento vigente. O resultado foi uma pressão sobre os fornecedores de materiais e sobre as instituições de saúde, que precisaram lidar com a escassez de recursos sem sacrificar a qualidade e o volume dos procedimentos cirúrgicos.
A atualização anunciada pelo Ministério é uma tentativa de frear o colapso iminente no fornecimento de materiais médicos e garantir a continuidade de atendimentos essenciais. No entanto, devemos enxergar essa medida como um passo inicial, e não como uma solução definitiva.
Há, ainda, duas questões distintas que precisam de atenção imediata, valores defasados na Tabela SUS: embora o reajuste traga algum alívio, ele não elimina a defasagem acumulada ao longo de 11 anos. Isso significa que muitos procedimentos cobertos pela tabela SUS seguem subfinanciados, comprometendo a sustentabilidade das entidades filantrópicas e das unidades de saúde que dependem desses valores.
Falta de cobertura para novas tecnologias: outro ponto crítico é a ausência de previsão na tabela SUS para uma série de procedimentos modernos e avanços tecnológicos, como a navegação cirúrgica — uma ferramenta com mais de 15 anos de existência, que aumenta significativamente a precisão em procedimentos de alta complexidade, mas que não tem cobertura prevista. Esse vácuo evidencia a desconexão entre a evolução médica e os mecanismos de financiamento do SUS.
A maioria dos produtos médicos de alta tecnologia, incluindo próteses cirúrgicas, é importada, o que torna a variação cambial um agravante significativo. Por exemplo, um procedimento que custava um valor específico em 2013 agora enfrenta um aumento considerável apenas devido à desvalorização do real frente ao dólar. Essa situação não só limita o acesso a tecnologias de ponta, mas também afeta a competitividade do Brasil no setor da saúde.
Portanto, enquanto celebramos o reajuste como um movimento necessário, devemos também reforçar a necessidade de uma revisão abrangente da tabela SUS, incorporando aí também as inovações tecnológicas que podem salvar vidas e melhorar a eficiência do sistema.
Como gestor e profissional da área, defendo que o Brasil adote uma postura mais proativa na revisão periódica dos valores e na inclusão de novas tecnologias. Essa é uma condição essencial para garantir que nosso sistema público de saúde continue sendo uma referência mundial em equidade e acesso. O futuro da saúde brasileira depende de soluções sustentáveis e de longo prazo que considerem a realidade econômica e tecnológica do setor.
*Por Michel Goya, CEO da OPME Log e diretor da ABSS (Associação Brasileira de Startups de Saúde e Healthtechs).