Nos últimos anos, operadoras de planos de saúde no Brasil têm adotado a verticalização como estratégia para integrar a gestão de planos à prestação direta de serviços médicos. A prática visa a reduzir custos operacionais e, teoricamente, beneficiar o consumidor. No entanto, essa abordagem também gera desafios significativos, especialmente em razão do descredenciamento de hospitais, clínicas e laboratórios, mudanças que muitos beneficiários percebem como restrições ao acesso.
De fato, a verticalização, marcada pela substituição ou descredenciamento de prestadores, tende a reduzir a diversidade e a acessibilidade da rede assistencial, por vezes prejudicando os beneficiários. A descontinuidade de tratamentos com prestadores de confiança e a natural sobrecarga das estruturas próprias das operadoras podem comprometer a qualidade dos serviços e os prazos no atendimento, sobretudo em regiões com opções limitadas desses prestadores.
Além disso, a centralização dos serviços na operadora tende a enfraquecer o vínculo médico-paciente e a ameaçar a viabilidade econômica de prestadores independentes, isto é, aqueles que não possuem relações contratuais com os planos de saúde, mas que são essenciais para a sustentabilidade do setor. Nesse contexto, é fundamental que os critérios para redução ou substituição da rede assistencial sejam rigorosos e objetivos, garantindo equilíbrio entre eficiência operacional para as operadoras, que já arcam com diversos impactos financeiros relevantes anualmente, e a proteção dos direitos e interesses dos beneficiários e dos prestadores de serviços de apoio à saúde.
Foi nesse cenário que entrou em vigor, em 31 de dezembro de 2024, a Resolução Normativa nº 585 da ANS (“RN 585”), que atualiza as normas vigentes à realidade que se impõe, e regulamenta alterações na rede hospitalar. A nova regra exige comunicação prévia aos beneficiários, assegura a manutenção da qualidade dos serviços e detalha os critérios para substituições e redimensionamentos, procurando equilibrar eficiência operacional e proteção ao consumidor.
A nova resolução obriga o Plano, para o caso de substituição de prestador de serviço credenciado, a comunicar individualmente os clientes, e a pelo menos manter a qualificação do prestador a ser substituído.
Tal obrigação não pode ser encarada como novidade, na medida em que o artigo 17, da Lei Federal 9.656/1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, estabelece como regra geral a manutenção dos prestadores de serviços médicos ao longo da vigência dos contratos, mas admite a substituição do prestador, desde que por outro prestador equivalente e mediante comunicação aos consumidores com 30 (trinta) dias de antecedência. Em caso de redução da rede, cabe esclarecer, em seu parágrafo 4º esse mesmo artigo exige autorização expressa da ANS.
Por outro lado, é importante ressaltar que o conceito de rede ou entidade hospitalar, na linha da jurisprudência hoje existente do Superior Tribunal de Justiça, “…deve ser entendido como gênero, a englobar também clínicas médicas, laboratórios, médicos e demais serviços conveniados”[1].
Para o Superior Tribunal de Justiça, outrossim, o “redimensionamento configura-se pela mera supressão de um estabelecimento hospitalar da rede do produto”[2], e tal entendimento é refletido pelo inciso VI, do artigo 2º, da RN 585.
Não há razão ou fundamento, portanto, para que se defenda que a RN 585 altera o entendimento do Superior Tribunal de Justiça a propósito da supressão de prestador/redução de rede, de modo que a supressão de uma clínica especializada em tratamento renal, ou de uma instituição médica de exames e diagnósticos, para dar alguns exemplos, deva ser precedida de autorização da ANS.
A nova resolução também reflete o entendimento jurisprudencial quanto à obrigatoriedade de comunicação individualizada aos beneficiários (artigo 21), providência que já vinha sendo exigida pelo Poder Judiciário[3].
Outro ponto a destacar da RN 585 é a estipulação dos critérios de equivalência de entidades hospitalares para fins de substituição (artigos 7 a 9), e dos requisitos para o redimensionamento por redução (artigos 10 a 12), incluindo as hipóteses concretas que podem motivar o redimensionamento (artigo 11), e que devem constar no pedido de autorização expressa para a ANS (art. 17, § 4º, inciso IV da Lei n. 9.656/1998).
A nova RN 585 também dispõe, em seu artigo 13, dos critérios objetivos relacionados aos impactos sobre a massa assistida, o que deve tornar a avaliação da ANS mais objetiva, e nesse sentido melhor balizar as operadoras e mitigar eventuais questionamentos face a decisões discricionárias da Agência.
A RN 585, enfim, consolida o entendimento jurisprudencial sobre a substituição e o redimensionamento de sua rede, reforçando a transparência e a objetividade nas mudanças. O sucesso de sua aplicação dependerá da adesão rigorosa das operadoras às exigências normativas e da capacidade da ANS de realizar análises ágeis, técnicas e objetivas, dentro dos limites da lei e da regulamentação, reduzindo a insegurança jurídica que gera impactos negativos às operadoras, aos segurados e aos prestadores de serviços médicos de apoio à saúde.
* Leonardo Ribas é sócio da área de Contencioso, Arbitragem e Mediação do Campos Mello Advogados em cooperação com DLA Piper. Foi eleito um dos advogados mais admirados de 2025 no Setor Econômico de Saúde Edição 2025 (Band 1).
* Giulia Distler é associada da área de Contencioso, Arbitragem e Mediação do Campos Mello Advogados em cooperação com DLA Piper.
* Jaqueline Suryan é sócia da área de Seguros e Resseguros do Campos Mello Advogados em cooperação com DLA Piper. Foi destacada no Leaders League 2024.
[1] REsp 1349385/PR, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 16.12.2014.
[2] STJ – AREsp: 2052953 RJ 2022/0009469-5, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Publicação: DJ 25/04/2022.
[3] A propósito: Ementa: “PLANO DE SAÚDE – Descredenciamento de hospitais e laboratórios- Alegação do plano de que houve somente o redimensionamento da rede credenciada, excluindo os serviços de diagnose eletiva para os estabelecimentos em questão – Descabimento- Possibilidade de alteração da rede conveniada, desde que o prestador descredenciado seja substituído por outro equivalente e que o consumidor e a ANS sejam comunicados com antecedência de 30 dias – Necessidade de comunicação individualizada ao beneficiário Inteligência do art. 17, § 1º, da Lei 9.656/98 – Requisitos não observados no caso- Determinação para recredenciamento- Sentença mantida- Recurso desprovido.”(TJ-SP – Apelação Cível: 1005171-82.2023.8.26.0011 São Paulo, Relator: Moreira Viegas, Data de Julgamento: 20/10/2023, 5ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 20/10/2023)