O setor de saúde suplementar no Brasil encerrou o primeiro semestre de 2024 com resultados financeiros positivos, registrando lucro líquido de R$ 5,6 bilhões — o melhor desempenho desde 2021. Apesar do avanço, especialistas alertam que a sustentabilidade a longo prazo ainda exige cautela e ajustes estratégicos.
Com 51,4 milhões de vidas cobertas, o segmento precisa inovar em produtos e serviços para ampliar o acesso e garantir equilíbrio financeiro. Conheça em detalhes o desempenho do setor, os desafios para 2025 e as estratégias das operadoras para um futuro mais eficiente e inclusivo.
Um respiro nas contas
O lucro líquido de R$ 5,6 bilhões, no primeiro semestre do ano, equivale a aproximadamente 3,27% da receita total acumulada no período, superior a R$ 170 bilhões. Os números são das informações financeiras enviadas pelas operadoras de planos de saúde e pelas administradoras de benefícios à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Desde 2021, esta é a primeira vez que as operadoras tiveram saldo positivo, entre receitas e despesas, no primeiro semestre do ano. Marcus Novais, superintendente executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), diz que ainda é preciso aguardar o balanço total do ano para que se possa ter uma melhor avaliação de como foi o desempenho do setor, apesar do resultado positivo nos seis primeiros meses de 2024.
“O resultado operacional mostra que as receitas estão sendo suficientes para arcar com as despesas, ou seja, é possível pagar as contas, mas ainda não se consegue investir em melhoria de atendimento. Para que possamos atingir a sustentabilidade financeira a longo prazo precisamos avançar muito.”
Segundo Novais, o número de operadoras que apresentou resultado negativo cresceu, comparando com o mesmo período do ano anterior. Os dados apontam que a recuperação financeira foi maior em grupos de maior porte.
Dados da ANS mostram que esse grupo registrou um lucro líquido de R$ 5 bilhões no primeiro semestre de 2024 a mais que no mesmo período do ano anterior. Naquelas de pequeno porte, o aumento do lucro, na mesma comparação, foi de R$ 66,7 milhões.
Já as operadoras de médio porte apuraram uma redução de lucro líquido dos números agregados de R$ 1,4 bilhão, no primeiro semestre de 2024, em relação ao mesmo período de 2023.
Luccas Adib, vice-presidente de Finanças e de Relações com Investidores da Hapvida NotreDame Intermédica, conta que a empresa obteve resultado positivo tanto no primeiro semestre quanto no acumulado dos primeiros nove meses de 2024, superando dificuldades históricas do setor.
O EBITDA (sigla para lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização, em inglês) ajustado foi de R$ 2,7 bilhões no acumulado do ano, o que representa um aumento de quase 40% na comparação com o mesmo período do ano anterior.
“É um resultado que demonstra a resiliência da nossa operação e comprova que estamos no caminho certo de retomada de margem, que tem se aproximado cada vez mais dos níveis históricos”, afirma Adib.
O futuro ainda exige cuidado
Mesmo não sendo o cenário ideal para a saúde suplementar, os bons números trazem ao usuário a expectativa de reajustes menores em 2025. Em nota, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), diz que, do ponto de vista econômico-financeiro, ainda é prematuro projetar percentuais de reajustes para os planos de saúde em 2025.
Porque, por ora, são conhecidos apenas os resultados do primeiro semestre deste ano. Mas os ajustes feitos pelas operadoras para conter custos, a desaceleração da inflação médica e a queda da sinistralidade média do setor indicam reajustes menores.
De acordo com a Federação, essa equação ainda depende da evolução dos custos de saúde, bastante pressionados por fraudes – cujos prejuízos chegam a R$ 34 bilhões por ano – e pela judicialização, que ameaça a sustentabilidade da saúde suplementar.
Na Sami Saúde, Guilherme Berardo, CEO da operadora, comemora o resultado positivo alcançado, mas lembra que a visão de sustentabilidade não se limita ao aspecto financeiro, mas também à transformação do setor de saúde suplementar. Para ele, é preciso buscar modelos mais inclusivos, preventivos e centrados no cuidado assistido e de prevenção ao paciente.
Nos últimos anos, a Sami focou as estratégias no crescimento sustentável por meio de um modelo que se baseia na coordenação de cuidados com a Atenção Primária à Saúde (APS). Ou seja, prevenção e acompanhamento contínuo para evitar atendimentos mais sérios de saúde.
“Ao incluir essa estratégia no negócio, é possível diminuir consideravelmente o sinistro da operadora. Além disso, temos investido em tecnologia para oferecer soluções que integram dados de maneira eficiente, melhorando a experiência tanto para os usuários quanto para os profissionais de saúde, e trazendo mais tempo de qualidade para os nossos atendimentos”, destaca Berardo.
O executivo diz ainda que, em 2024, a empresa avançou na oferta de diferentes tipos de planos, como coparticipação e planos verticalizados, o que permitiu à operadora chegar a mais usuários e regiões.
Perspectivas e desafios para 2025
Embora tenha alcançado o recorde de vidas este ano, com 51,4 milhões de usuários, a saúde suplementar no país não cresceu na última década. Em 2014, eram 50,5 milhões de indivíduos cobertos. Mesmo os números financeiros tendo mostrado uma recuperação no primeiro semestre, Novais diz que o setor não avançará, se não houver um aumento no número de vidas para a casa dos 70 a 80 milhões de beneficiários.
“Para isso, precisamos oferecer um leque de produtos que atenda às mais diferentes necessidades. Vejo como uma tendência a microrregionalização como estratégia de administração e organização dos serviços de saúde, oferecendo ao beneficiário aquilo que ele necessita e que é viável a ele em termos de custo.”
A viabilização de planos ambulatoriais é outro formato de contrato que as operadoras têm pleiteado oferecer aos usuários, buscando reduzir custos e aumentar o acesso da população à saúde.
Segundo o CEO da Abramge, essa é uma demanda da população, que está comprando esse serviço, só que ainda como um produto sem regulamentação, onde não há compromisso de entrega. “Precisamos trazer esse modelo para o mercado regulado para que possamos alavancar a sustentabilidade do setor.”
Entre as operadoras, a Hapvida tem a expectativa de continuar ampliando e fortalecendo a sua rede própria, com investimentos direcionados ao aumento do número de leitos e à requalificação e modernização de suas unidades assistenciais em todas as regiões brasileiras.
A empresa também planeja avançar na digitalização de suas jornadas, com foco em inteligência artificial, visando melhorar a qualidade assistencial e a experiência do cliente. “A ciência de dados vem sendo fundamental nesse processo, permitindo o desenvolvimento de soluções de prevenção e tratamento, além de contribuir para a melhoria contínua dos serviços”, destaca Adib.
Investimentos que garantam a integração entre tecnologia e cuidado humanizado também estão na pauta da Sami Saúde. Para 2025, Berardo acredita que a tendência de planos verticalizados será cada vez mais forte no setor.
“Esse modelo permite oferecer valores mais acessíveis, graças ao uso de uma rede local eficiente, sem comprometer a excelência no cuidado. Para o próximo ano, continuaremos focando nessa frente e na ampliação de iniciativas como o Plano Essencial Zona Leste. Queremos levar esse modelo para outras regiões de São Paulo.”
O CEO da Sami acredita que o caminho que está cada vez mais claro para o futuro da saúde suplementar no Brasil é o crescimento dos planos com coparticipação.
“Esse modelo incentiva uma utilização mais responsável dos serviços, já que os usuários compartilham parte dos custos, o que naturalmente os leva a refletir sobre a real necessidade de cada atendimento ou procedimento”, explica Berardo.
Ele diz que, ao combinar a coparticipação com a Atenção Primária à Saúde, é possível reduzir custos desnecessários e aumentar a eficiência do cuidado, criando um ciclo onde o envolvimento financeiro dos usuários estimula decisões mais assertivas, enquanto a APS garante um acompanhamento eficiente e humanizado.
Na opinião de Adib, o futuro da saúde continuará sendo pautado por uma rede própria eficiente, sustentada por pesquisas contínuas, foco na prevenção, inovação tecnológica e acolhimento.
Ano novo, velhos desafios
Um dos principais desafios para a saúde suplementar gira em torno da judicialização, que tem impactado o setor de forma significativa. Na Hapvida, conta Adib, tem-se trabalhado para lidar com essa questão tanto em frentes institucionais quanto internas.
“De uma forma geral, é fundamental encontrarmos alternativas que atendam às necessidades da população, promovam a previsibilidade de custos e garantam a sustentabilidade do setor. Além disso, é necessária uma maior segurança jurídica, a fim de garantir um modelo mais equilibrado e sustentável para o acesso à saúde”, pontua.
Já Berardo aponta fraudes no setor como um dos pontos críticos que ainda necessitam de atenção. “Esses desvios prejudicam a sustentabilidade do sistema e desviam recursos que poderiam ser utilizados para o cuidado adequado dos beneficiários. Para combater esse quadro, investimos em soluções tecnológicas de monitoramento e inteligência de dados, garantindo mais segurança e eficiência no uso dos serviços”, explica.
Outro problema que ainda precisa ser resolvido, segundo ele, é a percepção cultural ainda enraizada de que plano de saúde bom é aquele que pode ser usado sempre, independentemente da necessidade ou não. Por fim, Berardo cita também a inflação médica elevada, que segue como um desafio significativo para a sustentabilidade do setor.