De US$ 67 bilhões em 2024, o mercado global de GenAI deve chegar a exponenciais US$ 967 bilhões até 2032 (fonte: Fortune Insights). Trata-se de um setor que deve subir anualmente expressivos 15,8% durante o período 2024-2030, sendo que em algumas regiões do mundo, como a Ásia, esse crescimento anual supera 20%.

No relatório “Generative AI in Asia Pacific: Young employees lead as employers play catch-up”, publicado em maio/2024, a Deloitte divulgou o impressionante crescimento das GenAIs na Índia: 93% dos alunos e 83% dos funcionários se envolvem ativamente com essa tecnologia (chamados de “Generation AI”). Pesquisando 11.900 indivíduos na Ásia-Pacífico, o relatório posiciona a Índia como líder entre 13 países dessa região na adoção de GenAI. Essa legião de adopters está mudando o caminho da economia indiana, reduzindo horas de trabalho, criando e desenvolvendo novas habilidades e aumentando a produtividade. O otimismo da força de trabalho na Índia ecoa em todo o país: 75% dos indianos acham que o potencial das GenAIs para elevar o papel da Ásia-Pacífico na economia global (e estudo destaca que mais de 11 bilhões de horas semanais de trabalho em toda a Ásia-Pacífico sejam impactadas pelas generativas).

Pelo que os sinos dobram na Índia

A Índia é a nação que mais cresce no mundo, já sendo a 5ª. Economia global (ultrapassando o Reino Unido). Mas, como o Brasil, sua desigualdade social é um entrave socioeconômico: quase metade da população vive com menos de US$ 3,10 por dia (linha de pobreza do Banco Mundial). Em meio à euforia econômica que atravessa (nos últimos 3 meses o país cresceu 8,4%), ele também luta para reduzir seu “gap clínico-assistencial”. Grandes esforços foram feitos nos últimos 10 anos, mas ainda há muito trabalho a fazer. Na última década, a principal escolha do país na Saúde foi investir pesadamente em tecnologia digital. O mercado geral de Saúde indiano foi de US$ 180 bilhões em 2023, devendo crescer perto de 12% ao ano, atingindo US$ 320 bilhões em 2028. Desse montante, a inovação digital em cuidados de saúde representa cerca de 15% (US$ 30 bilhões). Em outras palavras, a inovação em Digital Health do país quase duplicou nos últimos três anos.

Mas o salto cambriano está sendo propelido com a chegada das Inteligências Artificiais Generativas (GenAIs). O país engoliu seco, assumiu riscos e percebeu que aí estava uma enorme oportunidade para “reduzir seu gap de acesso à Saúde” (o Brasil ainda não percebeu, seja no setor privado ou público). O relatório da PwC India, publicado em 2024 (“Understand the impact of GenAI on Indian healthcare”), mostra como as Generativas estão alterando o cenário da Saúde no país, “melhorando o atendimento e o tratamento dos pacientes por meio de dados eficientes e análise de imagens, podendo transformar completamente o setor farmacêutico e permitir que profissionais médicos tomem medidas preventivas na saúde”. Em 2023, o Governo anunciou subsídios fiscais para incentivar a implantação das GenAIs no país (“Faça IA na Índia, e faça ela funcionar para a Índia”, foi o bordão usado pelo Estado).

No rastro desse esforço sanitário, a iniciativa privada tem um papel fulcral. O setor público oferece cuidados básicos por meio de Centros de Saúde Primários (PHCs) em áreas rurais, tendo alguns hospitais secundários e terciários em grandes metrópoles. A maioria dos hospitais, médicos e leitos hospitalares pertence ao setor privado, com 58% do parque hospitalar do país (responsável por 29% dos leitos e 81% dos médicos). Em 2024, o setor de saúde indiano já emprega mais de 7,5 milhões de pessoas, com pesquisas mostrando que a integração da Inteligência Artificial (IA) no setor criará quase 3 milhões de novos empregos até 2028 (em 2023, o número de faculdades de medicina na Índia era de 706).

Uma máquina de avaliação das GenAIs na Saúde

Nesse segmento, destaca-se o grupo privado Apollo Hospitals, uma máquina de atendimento à saúde fundada em 1983. Sua rede (primeiro grupo hospitalar na Ásia e segundo do mundo) opera mais de 70 hospitais (12 mil leitos), 4.500 Farmácias, 120 clínicas de Atenção Primária, 700 Centros de Diagnóstico, 500 Centros de Telemedicina e 15 Fundações de Educação e Pesquisa. Trata-se de uma das maiores ‘quadras clínico-assistenciais’ do mundo testando GenAIs. “Já implementamos a tecnologia GenAI e ela está em fase de testes em toda a rede, principalmente no monitoramento. Imagine, uma tecnologia que possa monitorar todos os pacientes. Na maioria dos hospitais Apollo, todos os pacientes serão monitorados”, explica Madhu Sasidhar, Presidente e Diretor Executivo da divisão hospitalar da Apollo. Do diagnóstico à criação de resumos de alta, passando pelos agentes de suporte médico e chegando até monitorização de pacientes (em tempo real), o grupo vem avaliando e explorando as generativas em todas as suas instâncias, como, por exemplo, introduzir um “modelo de negócio partilhando sua tecnologia IA” com pequenos lares de idosos, hospitais e centros regionais de atenção.

A rede Apollo possui seu próprio Registro Pessoal de Saúde (Prism Apollo), que armazena todos os dados e permite ao próprio paciente acessar suas condições médicas diretamente no sistema. Já o Apollo Precision Oncology Centre faz uso intenso de IA em todas as facetas do tratamento oncológico, melhorando o acompanhamento médico de forma a ‘caucionar’ que pacientes com câncer recebam atendimento personalizado (um dos maiores desafios desta primeira metade do século). Por outro lado, a rede testa GenAI-CVD para prevenção de doenças cardiovasculares no programa Apollo ProHealth, que disponibiliza uma plataforma de verificação de sintomas (Apollo Clinical Intelligence Engine), capaz de acelerar o fluxo de trabalho imagiológico e expandir dados diagnósticos para toda a rede (inclusive fora do grupo). O Apollo ProHealth é um hub de saúde personalizado e proativo que objetiva apoiar indivíduos a se cuidarem de forma preventiva e completa. Utilizando máquinas de IA, o programa combina análises preditivas de risco, pacotes personalizados de saúde, diagnósticos periódicos avançados e um plano de bem-estar personalizado. Nada disso sendo possível sem o intenso uso de IA e LLMs.

Em janeiro de 2024, o Apollo 24/7, a maior plataforma digital multicanal de saúde da Índia, passou a desenvolver um Mecanismo de Inteligência Clínica (CIE) projetado para apoiar decisões médicas em cuidados primários, gerenciando as condições do paciente em atendimento domiciliar, com foco no bem-estar (saudabilidade). O principal desafio foi criar um Assistente Clínico Especializado com um profundo conhecimento da base de conhecimento clínico da Apollo. Para essa tarefa, a equipe da Apollo 24/7 fez parceria com o Google para construir vários sistemas, como: (1) gerador gráfico de conhecimento clínico; (2) extrator de identidade clínica e (3) extrator de reconhecimento data/hora. O sistema ajudará a experiência do médico com a plataforma CIE, melhorando a tomada de decisão clínica. A equipe decidiu implementar a solução usando o MedLM, uma família de Modelos de Linguagem de Grande Porte (LLMs) desenvolvidos pelo Google Research especificamente para o setor de saúde.

Mas talvez o maior projeto do grupo Apollo com GenAI seja a parceria com a Augnito, uma plataforma generativa de reconhecimento de voz projetada para profissionais de saúde (converte a fala humana em texto médico estruturado, agilizando a documentação clínica e o fluxo de trabalho médico). A plataforma opera em linguagem natural, permitindo a entrada de dados diretamente nos EMRs (registros médicos eletrônicos) com 99% de precisão. O Augnito está sendo testado em 37 unidades da Apollo, em 25 especialidades médicas, com expansão para as demais unidades da rede dependendo dos resultados obtidos. A Apollo Hospitals optou por uma solução SaaS (Software as a Service) baseada em nuvem, permitindo iniciar o projeto sem qualquer investimento em hardware ou infraestrutura. A solução roda um aplicativo compatível com Windows, Web, extensões de navegador (Google Chrome e Microsoft Edge), assim como aplicativos móveis (iOS e Android). O processo de instalação nas unidades demora menos de 10 minutos, e os médicos começam a usar imediatamente (o Augnito foi desenvolvido para ser 99% preciso em qualquer sotaque indiano falado e qualquer especialidade médica). A maioria dos médicos começou a usar a plataforma em 100% de suas anotações clínicas nas primeiras duas semanas de ativação.

Dados levantados pela equipe da Apollo, mostraram que: (1) os médicos economizam, em média, 44 horas (2 dias) por mês em tarefas administrativas. Alguns agora conseguem preencher 46% mais relatórios no mesmo tempo; (2) 89,5% deles concordaram que o Agente-GenAI-Médico os ajudou a melhorar a qualidade dos relatórios; e (3) 24,6% acreditam que há um impacto positivo na qualidade das interações com os pacientes.

Aferição de Custos com a implementação das GenAIs

Ganhos financeiros e custos operacionais com GenAI podem ser estimados, com apoio, por exemplo, de relatórios como o da EY India Research (“Is Generative AI beginning to deliver on its promise in India? AIdea of India update”), publicado em maio/2024; uma peça descritiva sobre os avanços de IA na Índia, contendo métricas interessantes para avaliação dos custos envolvidos nos projetos. O estudo mostra que 35% das empresas indianas já utilizam GenAI como assistentes inteligentes para tarefas pontuais; 25% a utilizam para automação de marketing; 18% como “inteligência documentacional” (resumo de documentos, gestão de conhecimento, pesquisa, etc.); 11% para chatbots de comunicação com os clientes; 9% para suporte à codificação e 2% para automação de processos.

Todavia, o mais interessante do estudo é a sua avaliação de custeio da GenAI. Vale para a Índia, mas pode valer também para outros países (ou regiões), como o Brasil (guardadas as devidas cautelas quanto ao custo de mão de obra, que varia entre as nações). A figura ‘Cost of running different operations using GenAI based on file type’ do relatório (pág. 14), por exemplo, apresenta custos estimados para executar operações usando GenAI. Como os assistentes-médicos-virtuais são uma das principais aplicações das GenAIs, podemos utilizar as métricas do relatório para alguma avaliação de custeio. Um hospital com 200 médicos, por exemplo, onde cada um atende 10 pacientes por dia, gastando 15 minutos na consulta e mais 15 minutos em sua documentação, totaliza um tempo gasto nessa ‘atividade manuscritiva’ de 50 horas diárias (transcrição dos principais eixos da consulta, inserção no EHR, prescrições, avaliação histórico-pretérita do paciente, etc.).

A utilização de um Assistente GenAI-Médico para realizar esse “trabalho documentacional-orientativo” poderia liberar um tempo valioso para os médicos, permitindo que se concentrem nas conversas ambulatoriais ou em outras atividades importantes. Utilizando os dados do relatório da EY India Research, podemos estimar o custo dessa solução. Considerando que cada ‘sumário de consulta’ (realizado pela generativa) tem, por exemplo, 6.000 caracteres, e que o custo por 1.000 tokens de entrada é de US$0,01, o custo de entrada por consulta seria de aproximadamente US$0,08. Se assumirmos que o custo de saída é de US$0,06, o custo total estimado (entrada + saída) seria de US$0,14 por consulta médica. Para 200 médicos realizando 10 consultas diárias cada, o custo mensal total do Assistente-GenAI seria de aproximadamente US$8.400,00 para o hospital (incluindo o valor cobrado pela provedora de GenAI para uso da sua API). Esse valor pode subir de 40% a 60% no Brasil devido ao ‘custo-brasil”.

Algumas unidades hospitalares na Índia contratam assistentes (humanos) para essa tarefa. Assim, ter 200 Assistentes para realizar a mesma tarefa, com um salário base de US$500,00, obrigaria a um desembolso de US$100.000,00 por mês. Portanto, ainda que signifique algum desencaixe para o hospital, trata-se de uma alternativa significativamente interessante. Além do impacto econômico, a GenAI oferece o benefício de liberar 2,5 horas por dia para cada médico, que poderiam ser dedicadas ao atendimento de mais pacientes, ou ao estudo, à pesquisa, à revisão de prontuários, a reuniões e outras atividades que agregam valor ao hospital e aos pacientes. Também vale salientar que o assistente-inteligente-virtual pode ser também um importante conselheiro, aliado e pesquisador pontual para cada tomada de decisão médica. Um med-copilot pode realizar uma varredura no EHR de um paciente, com 15 anos de registros digitais, em segundos, sugerindo observações clínicas a todas as perguntas do médico.

Todas essas considerações estão hoje no escopo das redes hospitalares da Índia, como a Apollo Hospitals, que pesquisam, avaliam, fazem ensaios e promovem estudos de caso com GenAI. Não é diferente em quase todos os sistemas de saúde do mundo, sejam públicos ou privados.

“Por que as GenAIs podem ser de extrema relevância na decisão médica?”

Vale analisar os dois polos em que essas máquinas atuam: conteúdo e contexto. Conteúdo refere-se à informação ou aquilo que é transmitido ou apresentado (dados, fatos, conceitos, ideias, histórias e qualquer outro tipo de informação comunicada). Já o contexto é o ‘conjunto de circunstâncias ou ambientes em que o conteúdo está inserido’, influenciando a sua interpretação e a compreensão. Dominar o contexto requer uma compreensão diferenciada das complexidades que cercam cada dado (pistas estruturais, relevância temporal, dependências relacionais, etc.). Essa compreensão contextual faz parte do DNA das GenAIs, sendo fundamental para análises, inferências e tomadas de decisões clínicas mais precisas.

O dado clínico de um paciente, por exemplo, incluso em seu histórico médico, é um conteúdo (frio, isolado de seu perfil, centrado nas circunstâncias temporais em que foi extraído). O contexto é o pano de fundo que dá sentido ao dado, ajudando o médico a interpretar e compreender a informação. Uma GenAI é capaz de juntar ambas as ‘representações’ em uma única análise. Seu potencial é de não só revelar o dado, mas buscar a conjuntura que o paciente disponibiliza, ou aquela em que seu ambiente lhe atribui como causa do sintoma (ter estado febril no outono de 2020 pode não significar nada, mas quando sabemos que era o pico da Covid-19, o dado muda de importância). Nenhum médico pode prescindir desse contexto na tomada de decisão.

A revista “Psychology Today” de junho/2024, em seu artigo “Thinking at a Distance in the Age of AI”, escrito por John Nosta, oferece pistas sobre as possibilidades artificiais de melhorar a decisão humana: “Para as inteligências biológicas, reunir e sintetizar conhecimento sempre foi um esforço inerentemente serializado. Nossos processos de cognição são frequentemente ligados por vias lineares de aquisição de informação, memória de trabalho limitada e criação metódica de sentidos. Devemos buscar minuciosamente novos insights, um pedaço de cada vez, por meio da leitura, da educação e das experiências vividas por longos períodos. Os dados são fragmentados em domínios díspares que unificamos gradualmente por meio de trabalho cognitivo concertado ao longo dos anos. Esses constrangimentos fundamentais limitaram o ritmo do progresso intelectual humano. Em contraste, os LLMs exibem um domínio quase instantâneo sobre todo o seu corpus de treinamento. Por meio da paralelização massiva e técnicas estatísticas avançadas, eles podem discernir rapidamente padrões de ordem superior e estabelecer associações intrincadas abrangendo seus vastos conjuntos de dados em paralelo. Para esses intelectos artificiais, “pensar à distância” permite uma ubiquidade funcional – todo o conhecimento codificado é simultaneamente acessível com baixa latência – muitas vezes percebido pelos usuários como funcionalmente instantâneo. Os gargalos tradicionais em torno de informações escassas e limitações computacionais, em muitos casos, se dissolvem”.

O uso do contexto para apoiar o conteúdo, no limite da decisão médica, passará necessariamente pela não-linearidade (paralelização) dos LLMs. Há meses ouvimos a expressão “Médicos não vão desaparecer, mas médicos que não utilizarem IA em suas práticas correm mais risco de desaparecer”. Uma expressão prosaica, de efeito, mas sustentada pelos três parágrafos acima. Profissionais de saúde precisam de ajuda em sua função clínica, mas ela não virá somente da Academia, ou do Estado, ou de todas as instâncias integrantes da Cadeia de Saúde, ela nem mesmo virá do autodidatismo médico. O próximo nível na tomada de decisão clínica está na crença do médico em aceitar a cognição artificial para ajudá-lo no “pensar à distância”.

Médicos serão melhores, mais rápidos e mais assertivos quando deixarem de lado o antropocentrismo que os cerca desde o século XVIII. A Índia está dando sinais de que seguirá pelo caminho da “usabilidade generativa”, ajudando a romper seu ciclo de iniquidade em saúde. Pode haver algum desconforto para sua comunidade médica, mas talvez eles tenham percebido que a partir de agora médico-apoiado-por-IA não é extravagância ou dissipação, mas privilégio.

Guilherme S. Hummel
Scientific Coordinator Hospitalar Hub
Head Mentor – EMI (eHealth Mentor Institute)