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Um bom médico pode perder espaço por causa de marketing?

Article-Um bom médico pode perder espaço por causa de marketing?

Fui entrevistado pelo Jornal da Febasgo para uma matéria sobre marketing médico. A íntegra de minha entrevista você encontra aqui.

Jornal da Febrasgo - Um bom médico pode perder espaço para um profissional de menos qualidade em razão do marketing médico?

Mario Persona - Creio que sim. Hoje já não basta você ser competente, é preciso que as pessoas saibam disso. Alguém que tenha dedicado uma vida ao estudo e à prática da profissão de forma anônima e circulando pelos bastidores certamente estará em desvantagem em relação ao profissional que investe em uma maior exposição.

Porém a exposição sem um alicerce sólido pode se transformar em desastre. Em uma época quando qualquer pessoa tem poder para se comunicar com milhares de outras espalhadas por blogs, comunidades, fóruns e listas de e-mail na Internet, o profissional incompetente, mas com grande exposição, ficará rapidamente conhecido por sua incompetência. Isso pode ser irreversível.

Portanto, as duas coisas são necessárias: competência e exposição no mercado. Antes de pensar em se expor, o profissional precisa pensar em avaliar seus pontos fortes e fracos e fazer um planejamento para sua carreira, o que é o cerne do marketing pessoal.

Embora estejamos acostumados a chamar de "marketing" qualquer ação de propaganda ou publicidade, o marketing pessoal começa com um diagnóstico do mercado, das competências de um profissional e também das competências de seus competidores, passando pelo desenvolvimento de seu "produto", que é aquilo que ele pretende oferecer aos seus clientes, após estes terem sido claramente identificados. As ações de publicidade e propaganda vêm depois que ele tiver a certeza de possuir um "produto" sem falhas, pois fazer propaganda de algo ruim só amplia o número de pessoas que ficarão cientes disso.

Jornal da Febrasgo - Com a preocupação na imagem, o médico não perde o foco do trabalho?

Mario Persona - Ao contrário, ele passará a se preocupar com sua profissão de forma holística, colocando no mesmo patamar de importância de sua prática profissional questões como saúde pessoal, aparência, aprendizado contínuo, atualizações constantes, aprimoramento técnico, adequação do ambiente de trabalho, comunicação com o cliente e tantas outras coisas que fazem parte do planejamento de marketing de qualquer produto ou serviço.

O grande erro está em pensar que marketing pessoal seja apenas uma preocupação com o exterior, com a imagem e a autopromoção profissional. Uma verdadeira abordagem de marketing envolve tudo, desde pesquisa de mercado, planejamento de um produto ou serviço, até seu desenvolvimento e avaliação da satisfação de seus clientes ou usuários.

O planejamento de marketing de, digamos, um sabão em pó, começa com uma avaliação do mercado, das pessoas que irão utilizá-lo, de suas necessidades e anseios, passando pelo laboratório de desenvolvimento do produto, pela análise de viabilidade financeira, identificação de pontos fortes e fracos do produto e de seus concorrentes, e seguindo um longo caminho até chegar à embalagem, que será a comunicação ou interface externa do produto que causará impacto no consumidor.

Todos nós sabemos que dentro daquela caixa deve existir muita tecnologia, trabalho e investimento, caso contrário o produto será um fracasso e jamais as pessoas voltarão a comprá-lo. Use isto como uma analogia para o profissional de saúde e você terá a visão correta do verdadeiro papel do marketing na prática da função profissional.

Jornal da Febrasgo - Quais as vantagens dessa transformação para o paciente que está sendo atendido por esse profissional?

Mario Persona - Como todo trabalho de marketing deve necessariamente começar pelo cliente, este será o primeiro beneficiado da melhoria nos serviços que irá receber. Um dermatologista, ao fazer seu planejamento de marketing, descobre, por exemplo, que existe uma grande preocupação do público com a relação entre o banho de sol e o câncer de pele. Ele passa a estudar com afinco a questão e se torna um especialista nisso.

A partir daí, passará a direcionar sua carreira mantendo o foco nesse cliente específico, equipando seu consultório para sua função, participando de simpósios, entrevistas e debates sobre o tema na mídia e se transformando em uma autoridade no assunto. Enquanto essa interação com seu público estará ajudando muita gente a se manter informada dos cuidados que devem ser tomados em relação ao banho de sol, o médico passará a ganhar exposição e respeito em seu segmento de mercado, o que o obrigará a se manter cada vez mais informado. A responsabilidade de quem se expõe é sempre maior do que a do profissional que exerce suas funções nos bastidores. É um processo de aperfeiçoamento contínuo que acabará se transformando em benefícios para seus clientes.

Jornal da Febrasgo - O que significa exatamente tratar o paciente como cliente?

Mario Persona - O trabalho do médico é um trabalho, como outro qualquer. Embora exija uma grande dose de dedicação e vocação, não deixa de ser sua forma de garantir sua subsistência. É claro que o fato de exercer uma profissão com um impacto direto sobre a vida e a saúde das pessoas o coloca em uma classe especial de profissionais, mas continua existindo a relação entre um cliente e um prestador de serviços. Ele deve satisfazer seus clientes se quiser ser reconhecido como um bom profissional e aumentar seus ganhos, os quais lhe permitirão investir mais na própria profissão melhorando os serviços que presta a seus clientes.

Médicos que não se preocupam com isso geralmente são logo identificados por sua falta de atualização, pelo consultório caindo aos pedaços e até mesmo pela insatisfação que tudo isso gera em sua clientela. Os clientes exigem que ele trabalhe nessa nova relação de quem deve satisfazer aqueles que garantem sua existência como profissional.

Considerando que a medicina está ficando cada vez mais distante do antigo médico, que precisava apenas de um estetoscópio e um termômetro para fazer seus diagnósticos, fica claro que aqueles que não se profissionalizarem no atendimento ao cliente não terão condições de se valer da infra-estrutura de atendimento cada vez mais cara que a medicina moderna exige.

O cliente de hoje está acostumado a um novo padrão de atendimento, a ser bem atendido em outros segmentos que oferecem uma infra-estrutura moderna e atendentes treinadas. Ele não ficará satisfeito com as velhas práticas. Além disso, a própria medicina está mudando na concepção e percepção do público.

Se antigamente o médico era visto como alguém a quem recorrer na hora da doença, hoje ele já é visto pelas sociedades mais sofisticadas como alguém a quem recorrer para não ficar doente, para manter a saúde, garantir o bem estar e a longevidade, e aprimorar a beleza estética e a qualidade de vida. É claro que pessoas assim não querem ser tratadas como pacientes, vítimas de alguma enfermidade, mas como clientes em busca de uma vida mais plena.

Jornal da Febrasgo - O marketing médico é um marketing pessoal? O que o diferencia do direcionado a outras profissões?

Mario Persona - Ele é as duas coisas, um marketing pessoal, por ser essencialmente um marketing de serviços envolvendo uma figura humana, mas também um marketing institucional e de produto, já que a prática da profissão exige hoje tecnologias e ambientes cada vez mais complexos e sofisticados. Isso faz com que o marketing médico assuma características que o diferenciem do marketing puramente de serviços, como acontece com o trabalho exercido por um arquiteto ou um advogado, que não precisam de equipamentos complexos ou ambientes dedicados à prática dessas profissões.

Jornal da Febrasgo - Existem casos de grande reviravolta na carreira do médico e outros de pouca alteração?

Mario Persona - Creio que, de modo geral, toda a medicina está sofrendo uma grande reviravolta, perdendo aquela imagem de curar doenças e passando mais a ser vista como uma prática de prevenção e bem estar. Até os hospitais hoje são encarados dentro de uma concepção hoteleira e você encontra países do Oriente investindo em um novo segmento, o do turismo médico, para atrair clientes de grande poder aquisitivo que, sem abrir mão da melhor prática e tecnologia na área, queiram passar o período de convalescença em um hotel cinco estrelas em uma praia paradisíaca.

Outra mudança importante também está ocorrendo. Antigamente o médico trabalhava só ou interagia apenas com outros médicos e profissionais de saúde. Com a exigência cada vez maior de tecnologias complexas, o médico passa a interagir cada vez mais com profissionais de outras áreas, antes distantes da medicina. Hoje você encontra médicos trabalhando com físicos e analistas de sistemas e, sem eles, já não poderia exercer algumas variantes de sua profissão que exigem conhecimentos tecnológicos específicos.

Se, por um lado, isso pode diminuir um pouco o brilho da profissão do médico, como o único responsável pela saúde de seus clientes, por outro lado ele passará a enxergar sua profissão mais como uma atividade semelhante às outras, o que exigirá que também adote uma visão comercial e de marketing para sua carreira.