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Em 2003 a ONU estava sob ataque, agora é a OMS

Article-Em 2003 a ONU estava sob ataque, agora é a OMS

OMS

Em 2003, a decisão unilateral do governo dos Estados Unidos de invadir o Iraque e depor o governo de Saddam Hussein, desacatando decisões contrárias do Conselho de Segurança da ONU, levou a principal organização internacional intergovernamental a sua mais grave crise desde sua fundação, no pós Segunda Guerra Mundial.

Naquela ocasião, sob o governo de George W. Bush os EUA anunciaram que invadiriam o Iraque "com ou sem apoio das Nações Unidas". Passados dezessete anos daquela crítica situação - com balanço bastante negativo dos resultados daquela guerra - nos encontramos em nova grave crise internacional, com uma pandemia que já atingiu quase 3 milhões de pessoas no mundo com 200 mil mortes e, com a Organização Mundial da Saúde (OMS) sob ataque e no centro de um debate sobre diplomacia e cooperação internacionais.

Na última semana o presidente dos EUA Donald Trump anunciou a suspensão de contribuições anuais que o país faz à OMS. Em 2019 as contribuições dos EUA somaram US$ 400 milhões, que representa cerca de 10% de todo o orçamento da organização.

O governo Trump acusa a OMS de erros em avaliações de cenários no início da epidemia do covid-19 e de "elogios indevidos" a atuação do governo chinês na crise. Os críticos da decisão de Trump acusam-no de chantagem política tentando trazer a OMS para sua política de confronto com a China, explorando contexto de grave crise de saúde global para fins político-eleitorais, tendo em vista as eleições presidenciais de novembro próximo em que Trump buscará sua reeleição.

Nesse contexto, no último dia 17 a Netflix lançou o filme Sergio, que retrata os últimos anos da vida do brasileiro Sergio Vieira de Mello, diplomata de carreira da Organização das Nações Unidas que morreu em 19 de agosto de 2003, vítima de um atentado suicida contra o centro de operações da ONU em Bagdá, onde desempenhava o cargo de Alto Comissário para os Direitos Humanos da ONU.

O atentado que levou à morte outras 21 pessoas e feriu dezenas de funcionários da organização foi reivindicado por Abu Musab al-Zargawi, um dos líderes da Al Qaeda, que via a ONU como agente dos desígnios norte-americanos de dominação do Iraque.

Sergio Vieira de Mello sabia da importância de dissociar a missão da ONU em Bagdá das ações da coalizão liderada pelos EUA que ocupava o país. Sergio apostava na força do diálogo e na possibilidade de negociação entre os vários grupos políticos, étnicos e religiosos que compunham a sociedade iraquiana.

Embora o filme não dê conta de tratar das várias questões políticas que compunham o contexto da atuação da ONU no Iraque, convida à reflexão sobre o papel da diplomacia e das organizações internacionais na promoção da paz e do desenvolvimento das nações, pondo mais uma vez em foco a atuação e motivação das grandes potências na construção e manutenção da ordem mundial.

O Brasil que desde sua Independência em 1822 veio fazendo uso de uma política exterior como instrumento para seu desenvolvimento nacional e sua afirmação internacional como Estado soberano, em 2003 negou apoio aos EUA para a invasão do Iraque e reafirmou sua autonomia e seus valores de país pacífico e defensor dos princípios do multilateralismo. Sob o atual governo, o país vem endossando acriticamente posições do governo Trump na arena internacional, como os recentes ataques a OMS e confronto com orientações técnicas para o enfrentamento da pandemia de coronavírus, provocando perplexidade na comunidade internacional que, ao longo do tempo, acostumou-se a reconhecer na ação externa brasileira, o predomínio da qualidade de um corpo diplomático experiente e, na grande maioria das vezes, coerente e responsável em seus posicionamentos.

Perto do aniversário de 200 anos de sua independência, hoje o Br asil está sendo visto pelo mundo como integrante de um peculiar grupo de países como a Bielorússia de Alexander Lukashenko, oTurcomenistão de Gurbanguly Berdymukhamedov, e a Nicarágua de Daniel Ortega, apelidado pelo cientista político Oliver Stunkel de "Aliança do Avestruz" e, ironicamente, chamado por outros de "Eixo do Mal", termo cunhado pelo ex-presidente Bush ao se referir em 2003 a países que representavam ameaça à ordem mundial e deveriam ser combatidos.

A vida e a carreira de Sergio foram encerradas sob os escombros do prédio em que a equipe de profissionais da ONU trabalhava, deixando um amargo sabor de derrota para a diplomacia internacional. O que se viu depois no Iraque foi mais violência e opressão além da formação de novos grupos extremistas como o Estado Islâmico (ISIS) e a expansão de ações violentas pelo mundo.

Como em outros momentos críticos vividos pelas nações no século XX, apreensivos hoje nos indagamos sobre que valores se farão mais efetivos na conformação do mundo que teremos pela frente.

Sobre o autor

Arnaldo Francisco Cardoso é professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie - Alphaville.