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Diferenças de gênero só se aprofundam na velhice

Article-Diferenças de gênero só se aprofundam na velhice

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Homens e mulheres podem - e devem - ter direitos iguais, mas a chegada da velhice está longe de se submeter ao ideal filosófico de isonomia.

Homens e mulheres podem - e devem - ter direitos iguais, mas sob certos aspectos da cultura e genética a chegada da velhice, entre os gêneros, está longe de se submeter ao ideal filosófico de isonomia e da equidade.

Essa discussão tão necessária sobre como homens e mulheres vivem e se antagonizam no envelhecimento é artigo raro na grande imprensa brasileira, diferente da cobertura estrangeira. Não deveria ser assim, tendo em vista que mais de 26 milhões de brasileiros têm idade igual ou superior a 60 anos, mulheres são a maioria. A estimativa é que até 2050 nossa população madura triplique de tamanho.

O IX Fórum da Longevidade, realizado em São Paulo. foi fundo nessa reflexão. Esse encontro precedeu um evento maior, o II Fórum Internacional da Longevidade, sediado no Rio entre os dias 16 e 17, promovido pelo Centro Internacional de Longevidade (ILC-Brasil) com apoio do WDA Forum (Fórum Mundial de Demografia e Envelhecimento) e Grupo Bradesco.

Um visionário propositivo

Os debates dos eventos paulista e fluminense foram mediados pelo médico e gerontólogo Alexandre Kalache, co-presidente da International Longevity Centre Global Alliance. presidente do ILC-BR e ex-diretor do Departamento de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Kalache é um daqueles visionários propositivos. Com sua “batuta”, há quase uma década ele orquestra, país adentro. encontros que discutem os desafios e oportunidades do rápido envelhecimento da população, colocando os holofotes não só sobre o que a academia e profissionais da área médica têm feito de melhor nos cinco continentes. Escritores, artistas, conselheiros de finanças pessoais entre outros participam desses debates, justamente para que não eles não fiquem confinados aos “recortes’ mais frequentes, os impactos demográfico, epidemiológico e previdenciário do envelhecimento.

Reações diferentes à doença

Maria Victoria Zunzunegui, pesquisadora e professora de Saúde Pública e Envelhecimento da Universidade do Canadá, abriu sua apresentação apontando para a necessidade da quebra de paradigmas.

“Precisamos repensar a construção social do que é ser uma pessoa velha no século 21, pois essas ideias têm impacto direto e diferente sobre a saúde de homens e mulheres. Quando adoece na velhice, o homem torna-se mais frágil, pois acamado ele tende a se sentir sem utilidade. Já a mulher, mesmo doente, continua exercendo seus papeis sociais de mãe, esposa, avó, amiga. Os laços de amizade são um capital fundamental que os homens precisam aprender a cultivar mais, pois fará muita diferença na velhice. A força muscular, trabalhada ao longo de toda a vida, precisa ser estimulada entre os dois gêneros desde a mais tenra idade. Sem esse prévio preparo, não há como usufruir todas as possibilidades de uma vida longa”, destacou Maria Victoria

Elas se adaptam, eles não

Em sua exposição, Claudia Burlá, médica especialista em geriatria pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, ressaltou que a ciência, pelo menos em seu estagio atual, não tem como bloquear o envelhecimento, o que exige de todos maior atenção à saúde.

“Envelhecer é um processo que está acontecendo em todas as partes do mundo, mas não é igual para homens e mulheres. Essa fase da vida é marcada por uma enorme diversidade, que o atual sistema de saúde e o próprio mercado não reconhecem. Outro aspecto ignorado, mas de vital importância, é o crescente número de pessoas que escolhem viver sozinhas e também não têm filhos. Quem cuidará delas na velhice? As mulheres velhas são mais frágeis, mas têm um processo de terminalidade da vida mais longo. Já os homens, mais isolados e solitários na velhice, tendem a morrer mais rápido quando ficam doentes, Frente a limitações em sua mobilidade, como não poder mais andar, as mulheres se adaptam com mais facilidade. Os homens, pelo contrário, não aceitam a dependência”, analisou a geriatra.

4 desafios mundiais

A pesquisadora Sara Arber, da Universidade de Surrey (Reino Unido) mapeou os três recursos mais importantes para a qualidade de vida dos idosos, que transcendem as barreiras do gênero. “Os recursos materiais abrangem renda e outros bens. Os outros dois recursos são a saúde e os de natureza assistencial”.

Sara Arber concentrou sua apresentação nos recursos assistenciais, destacando quatro aspectos que tendem a fragilizar os idosos. Essa situação vai exigir atenção redobrada dos formuladores de políticas públicas, mas pode mobilizar empreendedores com foco em  negócios de alto impacto social.

“O primeiro desafio aos recursos assistenciais é o aspecto demográfico, uma vez que a população mundial vem envelhecendo rapidamente, sobretudo nas economias emergentes. O segundo aspecto são as mudanças familiares, já que cresce o número de casais sem filhos e de viúvos de ambos os sexos que vivem sozinhos. O terceiro fator é o maior emprego da mão de obra feminina. As mulheres não ficam mais em casa para cuidar dos mais vulneráveis, crianças e velhos. Em compensação, neste século 21 elas terão a garantia de uma renda quando se aposentarem, em alguns casos maior que a dos homens.”

O quarto e último aspecto enumerado por Sara Arber são as migrações, “que também implicam em escassez de adultos para cuidar dos idosos nas regiões e países de origem. Todos esses fatores afetam a disponibilidade de recursos para a atenção aos idosos, principalmente nas classes mais baixas. As sociedades terão de encontrar soluções para todos esses desafios”, alertou.

Envelhecer com dignidade

O holandês Willem Adema, economista-sênior da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), afirmou que em todas as partes do mundo há muito por fazer para que a longevidade seja um bônus todos.

“Nos países da OCDE, graças ao crescente nível de instrução, as mulheres têm conquistado salários cada vez maiores, o que resultará em aposentadorias melhores. Nas várias partes do mundo, o acesso à educação e salários sem discriminação por gênero terão de ser alcançados também para que as mulheres não sofram mais ônus do que bônus em suas velhices em comparação com os homens.”

Adema afrmou que tem crescido, na OCDE, o número de países onde é possível para o casal escolher quem vai deixar de trabalhar para cuidar dos filhos pequenos, com a possibilidade de remuneração pelo Estado ao cônjuge que fica no lar.

Infelizmente, nem nos paises mais ricos essa solução tem sido implementada para beneficiar quem escolhe deixar de trabalhar para cuidar dos parentes mais idosos. Também novas políticas públicas, em áreas como habitação e cuidados de longa duração, terão de ser colocadas em prática para garantir a todos os idosos um envelhecimento digno”, defendeu Adema.

Reinventar-se para quebrar estereótipos

Com o habitual humor, o escritor e jornalista Zuenir Ventura, 83 anos, deu um depoimento sobre como tem vivido a experiência de envelhecer.

“A essa altura da vida posso dizer, com absoluta certeza, que a juventude é muito mitificada. Não tenho a menor nostalgia dessa fase da minha vida. Era um rapaz muito inseguro, mais feio do que sou hoje e pior, não arrumava namorada. Se soubesse que seria tão bom ficar velho, teria me adiantado no tempo. Mas tem coisas ruins, como não conseguir viver da minha aposentadoria. Fazer palestras e escrever colunas me dão muito prazer, mas sem esses trabalhos não teria como manter minha casa. Outra coisa ruim, mas essa eu driblo, é a perda dos amigos da minha geração. Então hoje tenho amigos mais jovens. Nós nos nutrimos mutuamente e também quebramos juntos os estereótipos da velhice. Para manter vivas essas amizades, eu me reinvente todo dia”, afirmou Zuenir.

Sociedade ageless ou das belas velhices

Para a escritora e pesquisadora Mirian Goldenberg, a longevidade que hoje acontece em escala global exige o descarte das ideias do passado sobre velhice e ser velho.“As pessoas precisam entrar em contato com a ‘bela velhice’ ou a melhor fase de suas vidas. Envolver desde já as crianças e jovens nessa mudança de cultura é fundamental, pois o objetivo é que as sociedades sejam ageless, livres do preconceito de idade.”

Mirian destacou que é o preconceito de idade que faz as pessoas que amadurecem se “aposentarem” de si mesmas e se conformarem com os tabus do passado sobre velhice e ser velho.

“Todos vamos viver mais. Isso exige que ao longo de todo o curso de nossas vidas sejamos pessoas criativas, que buscam sempre coisas que dão perspectiva de futuro. Essa postura faz a gente construir um projeto de vida baseado nas pequenas e grandes escolhas do cotidiano que dão força ao eu melhor e tiram de cena nosso eu pior. Também é preciso aprender a ver o tempo como uma riqueza, uma poupança que na velhice podemos gastar com os amigos, filhos, netos, em uma atividade útil ou que nos dá muito prazer. Essa é a bela velhice. Supera todas as diferenças de gênero”, concluiu Mirian.