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Confira entrevista com José Luiz do Amaral

Article-Confira entrevista com José Luiz do Amaral

Presidente da Associação Médica Mundial fala sobre os desafios à frente do cargo, Emenda 29, reivindicações médicas, combate a desigualdades sociais, doenças crônicas, entre outros

José Luiz Gomes do Amaral assumiu a presidência da Associação Médica Mundial (WMA) no último mês de outubro, tornando-se o terceiro brasileiro a ocupar o cargo máximo da entidade, antes presidida pelo neurocirurgião tailandês Wonchat Subhachaturas. Ampliar a representatividade da Associação que, hoje, conta com 100 países membros e cerca de nove milhões de médicos, é um dos desafios de Amaral.  
Para criar políticas convergentes diante de distintos cenários, o presidente acredita na união e na troca de experiências entre líderes e profissionais do setor. Violência trabalhista e o papel dos médicos em relação às determinantes sociais são outros aspectos em pauta sob sua gestão.
A eleição para o cargo ocorreu no dia 16 de outubro de 2010 durante a Assembleia Geral da WMA, realizada em Vancouver, no Canadá. O recém-eleito foi presidente da Associação Médica Brasileira (AMB) de 2008 a 2011 e da Associação Paulista de Medicina no período de 1999 a 2005. Médico especialista em Anestesiologia e Medicina Intensiva, Amaral é um grande defensor da dignidade profissional do médico; com projetos de lei para regulamentar o exercício da profissão e implementar um plano de carreira para a categoria.
Sob coordenação do médico, a AMB foi palco de importantes discussões como a revisão da Declaração de Helsinki, incluindo o uso de placebo em pesquisa médica; resiliência médica; má distribuição de médicos no País devido a condições inadequadas de trabalho; organização da atenção médica em situações de desastres; entre outros.
Com tamanha propriedade das questões de saúde no Brasil e no mundo, Amaral conversou com a FH sobre as próximas ações à frente da WMA, reivindicações médicas, condições atuais do País, Emenda 29 e modelos de gestão.

FH: Quais são os principais desafios da Associação Médica Mundial? Já possui um cronograma de ações ou plano de continuidade?

José Luiz Gomes do Amaral:Do ponto de vista das questões internas da Associação Médica Mundial já existe uma meta de ampliar a sua representatividade. Hoje temos 100 países, 100 associações médicas, que representam todos os continentes e reúnem cerca de nove milhões de médicos. É uma representatividade grande, mas ainda temos países da comunidade árabe, por exemplo, da África e da América Latina que não fazem parte da WMA. E nosso objetivo é tê-los conosco para que possamos, cada vez melhor, representar os diferentes pontos de vista.
Além disso, já começamos um trabalho intenso durante a Conferência Mundial sobre Determinantes Sociais de Saúde, ocorrida no Rio de Janeiro, onde discutimos de que forma os médicos podem trabalhar nesse campo.
Outro assunto que vai ser objeto do meu trabalho trata-se da violência em relação aos profissionais de saúde. No mundo inteiro nós vemos profissionais sendo vítimas de conflitos armados. Muitas vezes eles são atacados ou penalizados por atenderem pacientes considerados da oposição. É o caso Bahrein, onde cerca de 20 médicos foram condenados a penas de 5 a 15 anos de prisão porque atenderam feridos sob repressão do governo daquele país. Teremos uma reunião no México agora em novembro para discutir especificamente este assunto. Lá houve também, em função dos conflitos associados ao tráfico de drogas, muitos profissionais de saúde que acabaram sendo seqüestrados, executados e torturados.

FH: Como ter uma política global convergente já que existem muitas disparidades de saúde no mundo?

Amaral: Eu acho que conciliar as diferenças e fazer com que haja convergência para pontos comuns é muito importante. Isso se consegue unindo as pessoas. Quando se cria um organismo como a Associação Mundial que permite a todos exprimirem suas ideias, nós vamos acabar percebendo que temos mais pontos de convergência do que diferenças.
 
FH: Existe algum modelo de remuneração médica em algum outro país que poderia ser replicado de modo geral? A WMA entra nesses pormenores?

Amaral: É muito difícil falar em remuneração global porque isso varia muito de um país para o outro. Mas é claro que deve se buscar uma remuneração digna que permita ao médico se dedicar à profissão integralmente. Uma remuneração que permita manter-se atualizado, ter tempo para a família. É descabido imaginar uma estrutura de trabalho que obrigue o médico a fazer uma consulta a cada 10 minutos. É necessário proporcionar meios para que possam atender os pacientes com qualidade.
FH: O que poderia ressaltar como legado da Associação Médica Brasileira (AMB). A Declaração de Helsinki, incluindo o placebo em pesquisa médica seriam assuntos de destaque de sua gestão?
Amaral: A AMB trouxe tais assuntos para serem discutidos no Brasil. A Declaração de Helsinki é uma das declarações mais importantes no que tange a orientação ética da pesquisa em seres humanos. E nós tivemos a oportunidade de discuti-la como um todo e também particularmente o capítulo sobre a utilização de placebo na pesquisa clínica. Há opiniões relativamente polarizadas a esse respeito e a proposta tem sido no sentido de buscar harmonia entre elas.  
FH: Alguma outra iniciativa que gostaria de ressaltar?
Amaral: A campanha para a criação de um ambiente melhor de trabalho no sentido de poder fixar profissionais de saúde e melhor distribuí-los nos diferentes países e entre os países. Um outro aspecto importante refere-se à organização da atenção médica em situações de desastres. O trabalho da AMB na área de desastres culminou com a sua adoção por unanimidade e foi incluso na Declaração de Montevidéu sobre resposta em desastres. É a primeira vez que o nome de uma cidade latino-americana aparece na Declaração, que contém 4 propostas importantes: os países devem organizar os seus profissionais de saúde, particularmente os médicos, em corpos de voluntários classificados conforme suas capacidades; buscar maneiras de qualificar esses profissionais em cursos, programas de treinamento específicos para desastres; ter rede de contatos entre os médicos para que, em situações desse tipo, a comunidade possa rapidamente se comunicar e atender as necessidades específicas; cada país deve ter um mapa da sua condição de resposta: hospitais, meios de comunicação, outras facilidades,  condições de saúde das diferentes regiões e assim por diante.
FH: E o Brasil tem feito um trabalho positivo e importante nessa área de desastres?
 
Amaral: O Brasil começou a se envolver nisso um pouco antes do terremoto do Haiti. Tivemos uma participação direta no apoio às vítimas do terremoto na ocasião e, de lá para cá, buscamos junto a diversos outros países tais como EUA, Israel, Japão, Coréia, subsídios para montar um programa para qualificação de respostas a desastres. O País já tem um programa meditado no Brasil e que está à disposição da sociedade.

FH: O quão grave são as doenças crônicas no mundo e o senhor fez parte da delegação brasileirapara oplano de ações estratégicas para o enfrentamento de doenças crônicas não transmissíveis no Brasil?

 
Amaral: Participei da delegação do governo brasileiro, comandada pela presidente Dilma Rousseff e pelo ministro Alexandre Padilha, em Nova Iorque. As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) são responsáveis pela morte de 60 a 70% das pessoas nos diversos países do mundo. O mundo está em uma campanha mundial em prol do controle das doenças crônicas não transmissíveis como o infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, diabetes, câncer e doenças respiratórias crônicas. Essas doenças são o grande problema atual a serem combatidas e o enfrentamento delas passa por uma abordagem multilateral dos determinantes sociais como condições adequadas de trabalho, água disponível, boas condições de habitação e educação.
FH: Os médicos brasileiros têm lutado por melhores condições de trabalho apresentando uma série de propostas. O senhor poderia comentar a questão da remuneração da categoria, de uma carreira de estado, da carência de especialidades e má distribuição pelas regiões do Brasil?
 
Amaral: Uma carreira digna é o ponto central de todos esses aspectos. Para isso, existe a proposição de uma carreira de estado para médicos no sistema público de saúde semelhante a dos juízes. Se você não fizer isso não conseguirá de forma alguma levar atenção médica de qualidade para regiões de difícil acesso.
FH: Como funcionaria essa carreira de estado?
 
Amaral: Uma carreira que contemple a mobilidade e inclui a progressão por merecimento. Ao trabalhar em uma região distante, o médico acumula pontos que o qualifiquem para eventualmente se candidatar a outro posto, em uma região mais desenvolvida. Eventualmente isso pode ser utilizado para que o médico compatibilize a sua carreira com o seu desenvolvimento pessoal. É importante que a gente tenha uma carreira que permita progredir a medida que você vai se qualificando. Ao longo da carreira, que são 40 anos de carreira praticamente, o médico precisa ter uma perspectiva de sobrevivência digna e não é o que vemos hoje. Com o plano de carreira você soluciona a questão das especialidades também. A partir daí a preferência de cada um por aquela área fala mais alto.
FH: Em relação à falta de qualidade de muitas universidades de medicina, como você vê esse quadro?
 
Amaral: O Brasil sobrepôs a oferta de universidades de medicina ao incentivo de melhores condições para a prática clínica e à valorização do profissional. A partir daí criou-se uma situação legal que facilita a abertura de faculdades de medicina. Não há nenhum controle efetivo sobre a qualidade dessas instituições. Atualmente existem cerca de 17 mil médicos formados por ano, e mais da metade possui qualidade absolutamente insuficiente, aquém dos padrões internacionalmente aceitos nos países desenvolvidos.

FH: O senhor sempre se posicionou a favor da regulamentação da Emenda Constitucional 29. O que a regulamentação deste ano representa para a Saúde, apesar da falta de resolução sobre a fonte para o financiamento?

 
Amaral: A regulamentação da Emenda 29 é um passo importante. Não é o caminho inteiro, mas ela é um passo. Ela mostra que a sociedade brasileira entende que é necessário investir em saúde. A Emenda 29 não será suficiente para nos posicionar em um patamar de país desenvolvido. Mas é um caminho na direção do desenvolvimento. Quando você olha todos os países europeus, Canadá e alguns sul-americanos, nota que nenhum deles investe menos que 10% do PIB em saúde.
Precisamos aumentar e intensificar o investimento, sobretudo, no sistema público. A descentralização do SUS e a distribuição das responsabilidades em nível federal, estadual e municipal terminam sendo um jogo de empurra-empurra. A descentralização por um lado é bom, mas por outro é necessário que cada setor assuma a sua responsabilidade e não fique se apoiando um no outro. Além disso, é preciso definir o que é investimento em saúde, porque merenda escolar faz bem para a saúde das crianças, mas não pode ser entendido como investimento em saúde, assim como outros gastos.
Recentemente, o Registro brasileiro de ensaios clínicos (Rebec) passou a fazer parte de um seleto grupo composto por 13 registros primários, espalhados pelo mundo, que compõem a rede da Plataforma Internacional de Registro de Ensaios Clínicos da OMS. Isso é um avanço para o Brasil em termos de pesquisa clínica?  
Amaral: A pesquisa clínica é muito importante na qualificação do sistema de saúde, mas isso depende da descentralização e da agilização dos processos de aprovação e fiscalização dos ensaios clínicos. Há uma excessiva centralização na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), com uma série de comitês de ética e pesquisa distribuídos no país, que deveriam ser coordenados e fiscalizados pela CONEP. Mas a Comissão retira desses centros muitas das suas responsabilidades e assume para si uma série de decisões, o que retarda a aprovação e a realização de projetos de pesquisa no Brasil. Estamos pouco competitivos nessa área. Outro aspecto é que existe uma ideia preconceituosa de que todo o projeto de pesquisa que vem do exterior está associado à exploração do povo brasileiro. Porém a pesquisa multinacional é absolutamente necessária e desejável. A participação na comunidade global é algo que deve ser feito com a cabeça erguida e não na defensiva.

O ministério da Saúde anunciou há pouco tempo que o acesso a medicamentos foi ampliado em 239% no País por meio do programa Saúde Não tem Preço (hipertensão e diabetes). Este exemplo foi uma política de acesso assertiva?

Amaral: O Brasil amplia a atenção por meio de uma política firme na área de medicamentos. O País tem mostrado uma evolução muito favorável de reduzir as desigualdades. No entanto, ainda existe um grande número de brasileiros que dispõe de poucos recursos para comprar medicamentos, portanto, ampliar o acesso aos medicamentos para essa faixa de brasileiros que não consegue se tratar adequadamente é absolutamente essencial.
FH: As Parcerias Público Privadas (PPPs) e as Organizações Sociais (OSs) podem ser consideradas avanços do setor e tendências de administração? 
 
Amaral: Eu acho que isso é muito interessante e nós temos visto muitos sinais de que é possível aumentar a eficiência da atenção à saúde a partir de modelos como as PPPs e OSs. O Brasil não deve se ater a uma só alternativa. Devemos experimentar as diversas possibilidades e encontrar aquilo que melhor se adapta a essa ou aquela região.