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Cannabis, de narcótico a medicamento

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Erva, hemp, kaya, marijuana, haxixe, beck, ganja, prensa, baseado, paranga, diamba, juanita. Em todo o mundo se multiplicaram as formas de se referir à cannabis. Espécies da planta acompanham o ser humano há milhares de anos e ganharam projeção no imaginário popular como símbolo da cultura hippie, entre o final dos anos 1960 e toda a década de 1970. Também já foi commodity por seu amplo potencial industrial e, agora, começa a protagonizar uma revolução na saúde.

A cannabis é originária da Ásia e está entre as primeiras culturas agrícolas da humanidade. É usada na China há, pelo menos, 8.500 anos. O cânhamo chegou à Europa entre os anos 2000 e 1000 a.C.. Desembarcou na América do Sul, trazida por colonizadores espanhóis, em 1545, e foi cultivada, pela primeira vez, em solo norte-americano no início dos anos 1600. Até o início do século 20, a cannabis foi essencial para a economia mundial, devido às fibras usadas na produção de cordas e velas para embarcações. Acabou perdendo espaço após a Revolução Industrial, com a modernização de técnicas e o advento dos navios a vapor.

Posteriormente, ao longo do século 20, foi cultuada por décadas devido ao potencial narcotizante. Entre altos e baixos, esteve no centro de diversas controvérsias e foi alvo de retóricas governamentais ao redor do mundo.

Contudo, os mais de 100 canabinoides identificados na planta, incluindo o canabidiol (CBD) e o tetra-hidrocanabinol (THC), abrem horizontes para a cannabis ser protagonista no século 21. Desta vez, promovendo importante transformação na medicina, representando esperança de melhor qualidade de vida para mais de 1 bilhão de pessoas globalmente. Afinal, todos possuímos um sistema endocanabinoide que age como receptor aos componentes de medicamentos à base de cannabis, em uma conexão de afinidade natural.

Essa finalidade para a cannabis não é nova. No final do século 19, médicos exploravam o potencial medicamentoso das plantas. Agora, a ascensão de marcos regulatórios em vários países está sendo impulsionada pela percepção das pessoas de que a cannabis pode ser um remédio universal. Já são 40 países com regulação para a cannabis medicinal e isso não acontece por acaso.

Evidências científicas crescentes apontam inúmeros benefícios da planta para a medicina, a partir da aplicação terapêutica em casos de esclerose múltipla, transtorno de estresse pós-traumático, dor neuropática crônica, epilepsia e quadros convulsivos. Bons resultados também são registrados no tratamento de sintomas como náusea e vômito induzidos por quimioterapia, distúrbios do sono, ansiedade, perda de peso em pacientes com HIV, além de características ocasionadas por cânceres e doenças do neurônio motor.

Isso significa dizer que as tendências em torno da cannabis medicinal transcendem o mero modismo ou qualquer estilo de vida específico. Canabinoides como CBD, THC ou qualquer outro são princípios para medicamentos fundamentais para pacientes que lutam para melhorar a qualidade de vida. Ou seja, a sociedade precisa se unir em torno do consenso de que essa é, sobretudo, uma questão médica, com demanda cada vez maior por embasamento em dados clínicos e pesquisas científicas. Esse deve ser o norte de qualquer regulação.

Para a cadeia produtiva da cannabis, as constatações científicas não poderiam chegar em momento mais oportuno, pois vivenciamos crescimento exponencial da preocupação da sociedade com a saúde e bem-estar. Primeiramente, a aplicação medicinal da cannabis pode ajudar os sistemas de saúde dos países a reduzir custos. Além disso, no momento de considerar suas prioridades para despesas, empresas e famílias estão investindo mais para manter corpo e mente sadios.

E deixo uma informação para quem ainda pensa que o mercado voltado ao consumo recreativo pode ser mais atrativo. Pessoas que compram flor seca para o uso recreacional gastam, em média, US$ 25 contra um tíquete médio de US$ 250 nas compras de um paciente que recorre a medicamentos à base de cannabis. Lembro ainda que, em muitos casos, essa indicação terapêutica é de uso continuado.

Outro ponto fundamental é o cenário mais favorável para desenvolvimento e evolução das aplicações medicinais da cannabis. E tudo começa pela produção, avançando tanto nos modelos de larga escala quanto na tendência do cultivo em menor escala, projetado para atingir resultados específicos, seja no controle operacional, na adoção de novas técnicas ou em um produto especializado de maior qualidade.

A consequência direta do incremento da produção é a disponibilidade de flores e extratos melhores. Desta forma, temos ampliação do catálogo de canabinoides, indo muito além do CBD E THC. Paralelamente, há melhora gradual no volume de informações sobre como essas substâncias interagem com o sistema endocanabinoide do corpo humano.

O ciclo virtuoso se completa com crescimento significativo do mercado global já a partir de 2020. Esse movimento é impulsionado pelo Canadá, em franca expansão, que já tem na indústria da cannabis seu maior gerador de empregos. Há também os Estados norte-americanos onde já existe regulamentação. Outro exemplo é o mercado alemão, um dos mais rentáveis do mundo, que deve dobrar de tamanho nos próximos 12 meses.

O fato é que diversos países estão em marcha acelerada para a legalização da produção da cannabis e de seu uso para fins medicinais. Obviamente, os países que largarem na frente terão caminho mais fácil para se posicionar bem nesse mercado extremamente promissor.

Considerando apenas o CBD, presente em produtos não psicoativos, a demanda eleva as vendas ao consumidor, totalizando US$ 2,1 bilhões neste ano. O mercado global da cannabis medicinal como um todo não fica atrás e deve movimentar US$ 54,6 bilhões até 2023. Prato cheio para investidores e empresas farmacêuticas.

Com novas fontes de recursos para pesquisas e desenvolvimento de mais produtos para a área medicinal, incluindo doenças crônicas, a aceitação do público acompanhará a evolução do mercado e as projeções podem ficar ainda melhores. E o Brasil? Ah, o Brasil dá seus primeiros passos timidamente na regulação do uso medicinal, mas tem imenso potencial, com oportunidades tanto para o cultivo da cannabis quanto para a criação de polos de pesquisa científica e desenvolvimento de medicamentos, imprescindível para a democratização do acesso aos produtos.

O momento de virar a chave é agora, pois, como dizia a canção: ‘esperar não é saber, quem sabe faz a hora, não espera acontecer’.

Sobre o autor

Marcelo De Vita Grecco é co-fundador e diretor de Desenvolvimento de Negócios da The Green Hub