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2024: o que podemos esperar para o setor de saúde?

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Velhos desafios ainda precisarão ser superados, mas existem saídas que podem ajudar o setor no processo rumo à sustentabilidade

No início de 2023, o relatório “Setor de Saúde no Brasil – Perspectiva 2023 Fitch Ratings” apontava que a recuperação das margens operacionais das companhias do setor de saúde deveria ocorrer de forma mais lenta que o inicialmente esperado, devido a um ambiente duro de negociações de preços e a uma base de custos acima dos níveis pré-pandemia. Em relação aos movimentos de fusões e aquisições, os dados previam uma desaceleração, uma vez que as empresas seguiam uma tendência de buscar equilibrar seus balanços e recuperar suas margens.

Agora, com o ano chegando ao fim e especialistas analisando como foi o desempenho do setor, essas previsões têm se mostrado acertadas. E para 2024 o cenário deve seguir na mesma linha, com os sistemas de saúde público e privado ainda enfrentando dificuldades quando se analisa o aspecto econômico.

“Avaliando o ano que está se encerrando sob três perspectivas – pacientes, prestadores de serviços e pagadores -, observamos que 2023 foi um ano complexo. Vimos um crescimento no número de reclamações por parte dos pacientes e um aumento no número de fraudes e desperdícios – o que levou a uma maior burocracia no atendimento e nas autorizações. Também observamos que os pacientes passaram a procurar os serviços de saúde com doenças em estágios mais avançados (o que pode ser reflexo de uma demanda reprimida pós-Covid-19). Além disso, houve um aumento no número de beneficiários na assistência privada”, comenta Luís Fernando Joaquim, sócio-líder para a indústria de life sciences & health care da Deloitte Brasil.

Pelo lado das fontes pagadoras, 2023 já pode ser considerado um ano em que a sinistralidade se mantém alta, seguindo os mesmos patamares dos anos anteriores (87% em 2021 e 89% em 2022). Segundo José Cechin, superintendente executivo do Instituto de Estudos em Saúde Suplementar (IESS), o ano deve fechar em cerca de R$ 8 bilhões negativos em termos de resultados operacionais para o setor.

Cenário econômico no Brasil e no mundo

Segundo dados do relatório “Cenário Macroeconômico Global e Brasil 2024”, elaborado por Gilmar de Melo Mendes, professor associado da Fundação Dom Cabral (FDC), a economia global deve desacelerar em 2024, com crescimento de 3%. Os Estados Unidos, a China e a Zona do Euro devem registrar crescimentos de 2,2%, 5% e 2%, respectivamente. Na economia brasileira, as perspectivas são positivas, com expectativa de crescimento por volta dos 2,2% em 2024, impulsionado por investimentos, geração de emprego e queda da taxa de desemprego.

Esse é um cenário que se mostra favorável para a retomada do crescimento do setor de saúde, que tem seu desempenho atrelado à economia. Para Lucca Generali Marquezini, analista do Itaú BBA, 2024 ainda deve ser um ano marcado por reajustes fortes por parte das operadoras, mas com a expectativa de queda dos juros deve haver um aumento do consumo e da atividade econômica. “As operadoras ainda registram uma alta sinistralidade em 2023, e apenas um ciclo de altos reajustes, como os que vimos em 2023, não será suficiente para uma recuperação do setor. Assim, reajustes na casa dos 20% a 30% devem se repetir.”

Cechin espera que, em 2024, o setor volte a apresentar um resultado operacional positivo, mas para isso é preciso aumentar as receitas, o que é possível de duas maneiras: aumentando o número de beneficiários ou reajustando as mensalidades em valores mais elevados.

“O desafio é conseguir um reajuste suficiente para equilibrar as contas. A única margem de manobra é o reajuste das mensalidades, pois não devemos ter um aumento considerável no número de beneficiários. Mas isso é factível? A resposta depende do cenário econômico. Se a economia vai bem, haverá mais espaço para a empresa contratante pagar o reajuste mais próximo ao que a operadora demandar.”

A expectativa, diz ele, é de que ocorra uma recuperação da economia em 2024, mas ele pontua que é preciso considerar diversos fatores internos e externos, como a questão do ajuste fiscal e das tensões vividas em âmbito mundial. “O cenário internacional é mais um item a levantar preocupações em relação ao ano que entra.”

O impacto das fraudes

Essa é uma preocupação que tem gerado debates no setor. Segundo Cechin, as operadoras têm buscado aperfeiçoar seus métodos de combate às fraudes e desperdícios, mas esse é um processo contínuo e diário.

Em 2022, segundo dados de um estudo recém-divulgado pelo IESS sobre o assunto, estima-se que houve comprometimento negativo da ordem de 12,7% nas receitas das operadoras de planos de saúde. O indicador apontado na análise representa perdas e prejuízos reais para o setor estimados entre R$ 30 e R$ 34 bilhões.

Essas perdas, diz Cechin, afetam a sinistralidade, o desempenho operacional das operadoras e, por fazerem parte dos custos, impactam diretamente as mensalidades dos compradores de planos.

Na opinião de Ana Maria Malik, professora da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP), o aumento no número de fraudes e desperdícios está relacionado à capacidade de gestão e de controle. “Se a empresa que contrata o plano se envolver ativamente na sua gestão, certamente estará trabalhando em parceria com as operadoras e contribuindo para o combate a essas duas questões que afetam toda a sociedade.” Ela ressalta ainda que é preciso controlar a utilização dos produtos e serviços, mas não restringir o uso por parte do beneficiário. “É utilizar de fato o que precisa ser utilizado.”

Fusões e aquisições

Os especialistas no setor acreditam que 2024 será um ano em que haverá menor movimentação em relação a fusões e aquisições. “As empesas que buscaram nas fusões uma alternativa para crescer estão agora focando esforços na integração e rentabilização dos seus negócios, o que deve pautar o próximo ano. O ano de 2023 ainda não se equiparou a 2021, quando evidenciamos um crescimento das fusões, e 2024 não deve ser diferente”, analisa Joaquim.

Segundo Cechin, novas fusões e aquisições ainda não aparecem no radar para 2024, mas ele acredita que elas devem ocorrer, principalmente entre as operadoras de pequeno porte, pois é quase uma necessidade que elas se unam para que seus negócios sobrevivam.

Já Marquezini diz que, com a expectativa de queda de juros para 2024, o que deve diminuir as despesas financeiras, deve-se ter uma retomada dos processos de fusão e aquisição. “Mas dependemos ainda de como a economia vai se comportar. Por enquanto, é prematuro fazermos um diagnóstico mais preciso.”

Operadoras de menor porte e o desafio da sustentabilidade

Se as dificuldades para fechar as contas tem sido uma realidade para as grandes operadoras do mercado, esse desafio se mostra ainda mais complexo para aquelas de menor porte, com menos de 20 mil vidas.

“No futuro, pequenas operadoras não deverão ter muito espaço e a tendência é que sejam adquiridas pelas de maior porte”, diz Joaquim. Ele também pontuou as dificuldades pelas quais as operadoras digitais vêm passando, pois o modelo de negócio diferenciado esbarra na cultura da preferência do consumidor pelo modelo tradicional de saúde.

“São modelos interessantes, mas é preciso haver um aculturamento do usuário; precisamos romper a barreira da atual cultura do uso. É preciso repensar o modelo para que elas possam crescer o que era esperado, o que ainda não aconteceu”, ressalta Joaquim.

Para Vinicius Mariano Figueiredo, analista do Itaú BBA, é inegável que as operadoras menores passam por um momento de dificuldade para conter custos diante de uma inflação médica alta. “Para as menores, a verticalização é muito difícil. No entanto, uma opção é buscar um melhor alinhamento com provedores de serviços. O cenário atual favorece que as grandes continuem ganhando beneficiários.”

O que deve ganhar destaque em 2024 no setor de saúde

A sustentabilidade do sistema ainda deve ser o foco das atenções em 2024. Telemedicina e inteligência artificial devem continuar ganhando destaque em 2024, com a IA generativa trazendo um novo olhar para o uso de dados, na opinião de Joaquim, da Deloitte.

“O tratamento dos dados em saúde deve ser a tônica em 2024. Já para as fontes pagadoras, a verticalização continua a ser uma aposta, embora seja um processo caro, que exige investimento. A formação de alianças estratégicas, como foi o caso do Grupo Oncoclínicas com a Unimed Nacional, também tem sido uma opção para unir forças e se manter atuante no mercado. É uma verticalização que ocorre por meio de parcerias com as operadoras.”

Marquezini, do Itaú BBA, também aposta na verticalização como um modelo de negócio vencedor. “Com uma rede própria, a operadora consegue ter maior controle de custos e da jornada do paciente no sistema, o que evita o reuso (repetição de exames). Em um modelo não verticalizado não há um alinhamento de interesses, pois de um lado temos os hospitais, que buscam maximizar sua receita, e do outro a operadora, que vê seus custos em uma crescente. Quando a empresa opta por um modelo de negócio verticalizado, há alinhamento de interesses, padronização de procedimentos e redução de custos.”

Outro movimento que Joaquim vislumbra é da criação, por parte dos hospitais, de planos de saúde regionais para fazer frente à verticalização. Ele também destaca o crescimento na procura por tratamentos para o transtorno do espectro autista (TEA) a partir da obrigatoriedade de cobertura para qualquer método ou técnica indicado pelo médico para o tratamento desses pacientes, o  que tem levado as operadoras a criarem centros próprios para assim controlar melhor os custos e padronizar informações.

Para Giovanni Cerri, presidente do Instituto Coalizão Saúde (ICOS), 2024 deve ser um ano pautado também pela incorporação de tecnologias, com saúde digital ganhando espaço nos projetos de expansão tanto na saúde pública quanto na privada. “Destaco também a interoperabilidade, com a discussão sobre como as informações dos pacientes serão disponibilizadas de forma mais ampla nas redes de saúde, e a incorporação da inteligência artificial para além do diagnóstico. Acredito que a regulação sobre o uso da IA vai continuar ao longo do próximo ano.”

Para Cerri, a sustentabilidade dos sistemas de saúde público e privado pode ser alcançada com aumento da eficiência, o que é conseguido com entrega de resultados com menos recurso. “Para isso, precisamos investir na incorporação de tecnologia e estimular a promoção e a prevenção da saúde.”

Caminhos possíveis

Cechin diz que o aumento dos custos em saúde é uma realidade vivida em muitos países e para a qual é difícil fazer frente. “Acredito que uma das saídas está em repensarmos a maneira como utilizamos o sistema de saúde. Será que todos os exames solicitados são realmente necessários? Precisamos ter uma melhor integração de dados para que possamos conhecer a jornada do paciente e assim evitar que exames sejam solicitados sem necessidade. É preciso debater também o custo da incorporação e que as empresas busquem formas de contribuir com a melhor saúde dos seus funcionários, pensando na prevenção e não no tratamento.”

O desafio dos custos, na opinião de Cerri, também está atrelado a duas questões: envelhecimento da população e doenças crônicas. “Essas duas demandas vão exigir uma resposta rápida do setor. Mas eu acredito que a saída está na tecnologia, que pode melhorar o acesso, reduzir a desigualdade e o custo e melhorar a capacitação profissional.”

Da mesma opinião compartilha Camila Martino Parise, sócia do Pinheiro Neto Advogados, ao dizer que a adoção de sistemas de tecnologia pode gerar eficiência para o sistema de saúde como um todo, sobretudo na reorganização dos mecanismos de atendimento e uso eficiente dos recursos.

 

Texto e reportagem: Cristina Balerini