Um estudo realizado pelo Núcleo de Saúde do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper, com financiamento da Fundação José Luiz Setúbal (FJLS), analisou o perfil das ações judiciais relacionadas aos tratamentos para crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) na saúde suplementar. A pesquisa foi coordenada pela professora Vanessa Boarati, pesquisadora do Núcleo de Economia do Direito do Insper, e desenvolvida por uma equipe de especialistas da instituição. 

Segundo dados da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), os custos com tratamentos para pacientes com TEA e outros Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) superaram os gastos com tratamentos oncológicos, tradicionalmente a principal despesa das operadoras. Em 2023, os tratamentos para TEA e TGD representaram 9% do custo médico total, enquanto os gastos com oncologia corresponderam a 8,7%. 

“A cobertura de tratamentos para TEA é um dos principais temas de debate no setor de saúde suplementar, o que motivou a realização deste estudo. Os resultados indicam tendências importantes no acesso a terapias especializadas e nos desafios enfrentados pelas famílias para obter cobertura dos planos de saúde”, afirma Boarati. 

Os pesquisadores destacam a relevância social, econômica e jurídica da judicialização desses tratamentos, apontando que a via judicial tem sido um recurso utilizado por muitas famílias para garantir acesso às terapias necessárias. O estudo também sugere a necessidade de aprofundamento nas discussões sobre a regulação da cobertura desses tratamentos na saúde suplementar. 

“O objetivo da FJLS é estimular pesquisas baseadas em rigor científico que possam disseminar informações e influenciar políticas públicas voltadas à promoção da saúde infantil. Os dados mostram que a judicialização, em muitos casos, se torna um caminho necessário para assegurar o tratamento adequado”, afirma José Luiz E. Setúbal, presidente da FJLS. 

Principais achados do estudo 
  • A média de idade dos pacientes envolvidos nos processos judiciais foi de seis anos, com mediana de quatro anos e dez meses. 
  • Os tratamentos mais solicitados foram consultas com fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e psicólogos. 
  • Em 66% dos casos, houve solicitação para que a terapia seguisse a técnica ABA (Análise do Comportamento Aplicada). 
  • As operadoras de planos de saúde argumentaram, principalmente, sobre a obrigatoriedade da cobertura dos tratamentos solicitados. 
  • As decisões judiciais foram fundamentadas na jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), no Código de Defesa do Consumidor e em súmulas do tribunal, com o entendimento predominante de que nem o Judiciário nem a operadora poderiam revisar a prescrição médica. 
  • A taxa de sucesso das ações foi de 92%, considerando concessões totais ou parciais dos pedidos. 
  • As solicitações com maior índice de deferimento foram para Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional, Psicologia, Psicoterapia e Equoterapia (acima de 94%). 
  • Os menores índices de sucesso foram observados em pedidos de Musicoterapia (83,3%), acompanhante terapêutico (70,6%), Psicopedagogia (76,7%), Hidroterapia (87,5%), medicamentos à base de canabidiol (81,8%) e nutricionista (80,0%). 

“Esta é a primeira vez que a literatura acadêmica quantifica os tratamentos mais demandados, os argumentos mais utilizados e a taxa de sucesso de cada tipo de pedido na judicialização do TEA na saúde suplementar. Além disso, o estudo traz dados sobre a prevalência da técnica ABA, que tem gerado controvérsias jurídicas e regulatórias”, destaca Boarati. 

Metodologia e próximos passos 

A pesquisa foi baseada na análise de decisões judiciais do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) entre 2021 e 2023. Foram coletadas automaticamente 14.482 sentenças contendo os termos “autismo” ou “autista”. Por meio do algoritmo k-means, os temas foram agrupados até a obtenção de um modelo consolidado. 

Como resultado, 4.149 decisões foram classificadas como casos de negativa de cobertura assistencial, sendo 1.588 apenas em 2023. Para análise detalhada, foi selecionada uma amostra aleatória de 310 casos, garantindo um nível de confiança de 95% e margem de erro de 5%. Desses, 212 foram considerados pertinentes à pesquisa. 

A equipe do estudo pretende promover debates com associações de pacientes, representantes do setor de planos de saúde e operadores do Direito para aprofundar a discussão sobre os resultados. Além disso, os achados serão submetidos para publicação em periódicos acadêmicos. 

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