Em dezembro de 2024, Paulo Rebello, então diretor-presidente da Associação Nacional de Saúde Suplementar (ANS), encerrou seu mandato à frente da instituição. A expectativa, desde então, é de que Wadih Damous, indicado do Governo para assumir a posição, seja sabatinado pelo Senado Federal, mas a data para que isso aconteça ainda não está definida. Por enquanto, quem está tocando as demandas como diretora-presidente interina é Carla Soares, diretora-adjunta na Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos.

Durante sua administração, Carla, segundo nota enviada pela ANS, segue desempenhando as competências regimentais do cargo, que são, essencialmente: supervisionar o funcionamento geral da ANS, cumprir os compromissos de representação institucional, presidir as reuniões da Diretoria Colegiada, assinar instrumentos legais de interesse da agência, ordenar despesas e praticar atos de gestão de recursos orçamentários e financeiros e de administração.

Nos últimos meses, a ANS tem sido foco de atenção de diversos setores da saúde suplementar devido ao debate que envolve propostas como a criação de planos de saúde ambulatoriais, novas regras de coparticipação e reativação dos planos individuais, entre outras, e como estas demandas estão sendo direcionadas pela gestão interina.

A agência, ainda por meio de nota, explica que os processos de trabalho têm fluxos bem definidos e esses fluxos são respeitados, independentemente de quem estiver à frente da instituição. Dessa forma, a proposta de realização de um sandbox regulatório para a criação de um produto de acesso à saúde com cobertura apenas para consultas e exames, por exemplo, passou por uma consulta pública, que foi finalizada no dia 4 de abril. As contribuições recebidas serão analisadas e a diretoria responsável pelo tema irá elaborar uma proposta de resolução normativa para submeter à aprovação da Diretoria Colegiada. 
    
Em outra frente, a ANS está trabalhando na reformulação da sua Política de Preços e Reajustes, da qual fazem parte definições para os mecanismos financeiros de regulação (coparticipação e franquia) e a revisão técnica de preços de planos individuais/familiares, dentre outros eixos. Ambas as propostas estão sendo estudadas e desenvolvidas normalmente pela agência, percorrendo seus fluxos processuais. 

“Independentemente de a gestão ser interina ou titular do mandato, a responsabilidade é a mesma, pois as competências previstas no artigo 4º da lei 9.961/2000 (Lei que cria a ANS) não fazem diferença entre as responsabilidades dos gestores. Assim, de modo a servir aos preceitos legais e constitucionais, deve-se primar por aquilo que efetivamente faz-se cumprir a sustentabilidade da saúde suplementar, com o fito de ampliar aos melhores resultados para os pacientes”, analisa Filipe Venturini, diretor executivo do Instituto Ética Saúde.

Venturini pontua ainda que, pautando-se nestas propostas citadas, a gestão interina deverá sedimentar o caminho para que, quando o titular assumir, tenha as diretrizes já bem delineadas.

Expectativas do setor

De um lado, somam-se avanços já implementados e, de outro, discussões ainda em maturação, como os mecanismos de regulação financeira, o modelo de reajuste e o novo modelo de fiscalização, que abrange alterações nas normas de procedimentos, bem como na aplicação de penalidades.  

“Apesar do avanço por parte da agência quanto aos temas pautados dentro da Agenda Regulatória 2023-2025, outras demandas, que não são recentes, continuam ecoando no mercado, a exemplo da garantia de atendimento de terapias com métodos e técnicas para o público neurodivergente. Ainda há ausência de diretrizes clínicas específicas e critérios objetivos de cobertura para terapias como ABA (Análise do Comportamento Aplicada), o que fragiliza a relação contratual e multiplica a judicialização”, analisa Paula Laís Santana, advogada, consultora regulatória da Regulamentar Saúde Assessoria Regulatória em Saúde.

Segundo a advogada, as operadoras ainda buscam um ponto de equilíbrio entre a RN 539/2022 e a Lei 14.454/2022, que reconheceu a taxatividade do rol de coberturas mínimas.

“A ausência de definições claras continua sendo um vetor de judicializações, principalmente quando está atrelada à cobrança de coparticipações. Esse é um tema que demanda continuidade do debate iniciado, mas ainda não consolidado, assim como as discussões inerentes aos preços e reajustes, cuja participação social ao longo da Audiência Pública nº 50 não foi suficiente para atingirmos todo o potencial das mudanças sugeridas pela agência e que pode gerar um impacto para o mercado”, diz.

Para Paula, talvez a atual gestão interina não tenha tempo para executar grandes projetos. Mas pode, com a autoridade de quem conhece os bastidores, pavimentar caminhos e garantir que os principais temas não esfriem na gaveta.

“As expectativas são positivas em relação à atuação da atual diretora, que esteve envolvida em muitos projetos relevantes em suas passagens pela Diretoria de Normas e Habilitações dos Produtos (DIPRO) e pela Diretoria de Normas e Habilitação das Operadoras (DIOPE), e deve conduzir com muita tecnicidade os temas.”

Paula diz ainda que vale lembrar que a interinidade não necessariamente engessa decisões estratégicas, sobretudo quando a Agenda Regulatória já está aprovada e em execução. “O conhecimento prévio da casa por parte da diretora interina pode, inclusive, ser um catalisador para decisões mais ágeis e assertivas.”

Rogério Scarabel, sócio do M3BS Advogados e ex-diretor-presidente da ANS, ressalta que, ainda que a gestão seja interina, não há limitação formal de poderes. Portanto, decisões estratégicas podem ser tomadas, desde que respeitados o processo colegiado e os limites normativos.

Em relação às pautas que estão em discussão, Scarabel acredita que, por se tratarem de temas sensíveis, é provável que a gestão interina opte por manter a tramitação técnica dessas propostas, priorizando estudos de impacto regulatório, consultas públicas e análise de risco regulatório — o que já faz parte da cultura da Agência.

“A criação de planos mais simples, por exemplo, exigirá definição clara de coberturas mínimas, limites assistenciais e proteção ao consumidor. Isso não deve ser acelerado, mas sim cuidadosamente estruturado.”

Scarabel lembra que é difícil prever mudanças regulatórias neste momento. “No geral, a estabilidade regulatória e a manutenção dos debates com o setor são os assuntos que prevalecem. Os temas que mais chamam a atenção no momento e que foram apresentados para discussão, que são os econômicos e assistenciais, estão em andamento, no curso adequado do rito.”

Maior transparência e pontos que precisam de atenção

O processo de incorporação de novas coberturas no âmbito da saúde suplementar passou por uma ampliação em 2022, com a mudança no rito de atualização do rol, o que, segundo Paula, garantiu maior transparência também para as decisões de incorporação.

“Entretanto, alguns especialistas vêm tecendo críticas quanto ao modelo de incorporação previsto na Lei 14.307/2022, que determina que, após a recomendação positiva pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) para inclusão no Sistema Único de Saúde (SUS), as tecnologias devem ser incluídas no rol da agência, alegando ausência de transparências por parte daquele órgão em sua tomada de decisões.”

Já em relação a preços e reajustes e à ampliação da concorrência, o fato destes temas terem sido tratados em Consultas Públicas denota, a priori, que que estão endereçados com favorecimento da participação social e transparência. “O que falta é interesse daqueles que compõe o mercado em opinar, quando lhes cabe opinar.”

Para Venturini, a gestão interina da ANS deve ter uma atenção especial à judicialização, que talvez seja o maior desafio de gestão na necessidade de compor um regramento que seja efetivo na garantia do direito de amplo acesso ao paciente, sem que este tenha que recorrer ao Poder Judiciário.

“Uma ação que deverá ser enfrentada com maestria por aqueles que ocuparem a direção da agência é a promoção de regras justas, que não reduzam nenhum direito dos beneficiários e promovam a sustentabilidade da saúde suplementar no Brasil”, destaca Venturini.

Venturini também comenta que a ANS poderia agir com maior solidez na fiscalização e controle em relação às operadoras de saúde, em especial, no que tange às fusões e aquisições entre grandes operadores e hospitais.

“Quando falamos no aspecto concorrência, é preciso observar que a formação de ‘oligopólios’ no setor da saúde tem sido latente e desenfreada. Com isso, sem dúvida, há um achatamento da competitividade, o que diminui enormemente a livre concorrência no mercado, tendo cada vez menos oferta de planos de saúde para a população, pois, com tal concentração, o mercado se fecha e os planos menores não se sustentam.”

Na opinião do executivo, espera-se que ANS aprimore seu sistema de fiscalização, garantindo que este seja conduzido de forma ampla e efetiva, mantendo o controle com máxima transparência e pautado nos acontecimentos reais vivenciados pelos beneficiários e pelos empresários do setor da saúde, buscando indicadores de resultados mais precisos, e, se for o caso, punindo com rigidez aqueles que não conseguem promover uma saúde suplementar digna, bem como a sustentabilidade da cadeia de valor.

  
Apesar da indefinição sobre quem e quando a ANS contará com um novo diretor-presidente, a agência continua a implementar iniciativas que podem beneficiar o setor. No entanto, a ausência de uma liderança permanente pode afetar a continuidade e a eficácia dessas iniciativas. A nomeação de diretores efetivos é crucial para garantir a estabilidade institucional e a capacidade da ANS de enfrentar os desafios do setor de saúde suplementar e atender às necessidades de todo o ecossistema.

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