O Dia da Mamografia, celebrado em 05 de fevereiro, adquiriu um novo significado em 2025, após uma polêmica em torno da Consulta Pública 144 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Realizada entre 10 de dezembro de 2024 e 24 de janeiro de 2025, a consulta teve como objetivo reunir contribuições para o Manual de Boas Práticas em Atenção Oncológica. 

A proposta é que a mamografia seja realizada a cada dois anos para mulheres de 50 a 69 anos, seguindo as recomendações do Instituto Nacional do Câncer (INCA). O principal ponto de discussão é que a frequência proposta é diferente da recomendação atual da ANS, que é de mamografia anual para mulheres de 40 a 69 anos. 

Durante um evento com especialistas, Mauricio Nunes, diretor de Desenvolvimento Setorial da ANS, esclareceu que a proposta busca incentivar um rastreamento organizado, com a convocação ativa de mulheres na faixa etária de 50 a 69 anos. Segundo ele, essa recomendação segue protocolos nacionais e internacionais embasados em evidências científicas. 

No entanto, representantes de entidades médicas contestaram a abordagem e sugeriram a inclusão de mulheres entre 40 e 49 anos no programa de certificação, desde que haja sustentação científica para essa ampliação. Diante da repercussão, a ANS concedeu um prazo adicional de 30 dias para que as instituições apresentem novos estudos e dados técnicos que justifiquem a mudança. 

O debate reacendeu discussões sobre a periodicidade e a idade ideal para a realização da mamografia, mobilizando entidades médicas, governo e sociedade em torno do impacto das mudanças na detecção precoce do câncer de mama. 

Dados sobre a mamografia no Brasil 

De acordo com o Ministério da Saúde, entre janeiro e novembro de 2024, foram realizadas 3.972.603 mamografias pelo Sistema Único de Saúde (SUS), sendo 3.627.061 destinadas ao rastreamento do câncer de mama. Já a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) registrou 1.499.155 mamografias realizadas por seus associados em 2023, representando 5% do total de exames de imagem feitos no país. 

O Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima que 73.610 novos casos de câncer de mama sejam diagnosticados até 2025, com uma taxa de incidência de 66,54 casos a cada 100 mil mulheres e cerca de 18 mil óbitos anuais decorrentes da doença. 

Número de mamografias de rastreamento em mulheres de 50 a 69 anos realizadas no SUS de 2018 a 2022. (Crédito: Coren/MT)

Consulta Pública 144: o que está em jogo? 

A proposta debatida na Consulta Pública 144 sugere alinhar o rastreamento mamográfico na saúde suplementar ao modelo do SUS, que recomenda mamografias bienais para mulheres entre 50 e 69 anos. Atualmente, a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) defende o rastreamento anual a partir dos 40 anos até os 74 anos. 

A Dra. Annamaria Massahud Rodrigues dos Santos, mastologista e secretária-adjunta da SBM, alerta que “caso a recomendação seja alterada, cerca de 40% dos casos de câncer de mama poderiam ser diagnosticados tardiamente, comprometendo as chances de cura”. Ela enfatiza ainda que a população brasileira acometida pelo câncer de mama é mais jovem comparativamente a outros países, o que justifica o início do rastreamento aos 40 anos.  

“Estudos mostram que o rastreamento anual permite a detecção de tumores em estágios iniciais, quando o tratamento é menos invasivo e mais eficaz. Ademais, o que se vê no país é uma baixa adesão das mulheres ao rastreamento mamográfico e um aumento da mortalidade pelo câncer de mama.  Assim, a recomendação seria mais uma forma de reduzir acesso a este exame que salva vidas” – Dra. Annamaria Massahud. 

Marcos Queiroz, líder do Comitê de Imagem da Abramed, afirmou que a Associação também é contrária à proposta. “Cerca de 40% dos cânceres são detectados em pacientes com menos de 50 anos, isso é um dado mundial sobre detecção precoce. Por isso, somos contra a recomendação de iniciar o rastreio apenas aos 50 anos. Além disso, a proposta de encerrar o rastreio aos 69 anos também não é adequada. Seguindo as diretrizes que adotamos, o rastreio deve ir até os 74 anos” 

Ele explicou que a recomendação leva em consideração a crescente expectativa de vida da população, destacando que, após essa idade, a decisão sobre a continuidade do rastreio deve ser feita de forma individualizada, avaliando fatores como a saúde geral e a longevidade de cada paciente, uma vez que muitas pessoas têm uma expectativa de vida que ultrapassa os 90 anos. 

Posicionamento do INCA 

Por outro lado, o INCA sustenta que o rastreamento entre 50 e 69 anos se baseia nas melhores evidências científicas disponíveis.  

Em seu posicionamento oficial, assinado pelo diretor geral Roberto Gil, o Instituto Nacional de Câncer explicou que em 2015, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) decidiu não expandir o rastreamento para mulheres abaixo de 50 anos ou acima de 70, uma vez que as evidências não apontaram benefícios claros

Em 2024, novas análises reforçaram essa posição, mostrando que o rastreamento em idades fora da faixa recomendada não apresenta benefícios consistentes e pode acarretar riscos, como exames desnecessários e aumento da ansiedade

Futuro do rastreamento do câncer de mama 

A discussão ainda evidenciou a importância de diagnósticos precisos entre a população brasileira. A evolução da mamografia digital e da tomossíntese tem melhorado significativamente esse quadro, reduzindo falsos positivos e a necessidade de exames complementares ou biópsias desnecessárias. 

Dr. Luciano Chala, radiologista de Diagnóstico por Imagem da Mama do Fleury Medicina e Saúde, explica que “a tomossíntese reduz as chances de falsos positivos e falsos negativos, melhorando a precisão na identificação de lesões suspeitas”.  

Segundo Chala, a mamografia 3D, realizada por meio da tomossíntese, permite uma visualização mais detalhada da mama, reduzindo a possibilidade de uma lesão passar despercebida. “Enquanto a mamografia 2D gera imagens bidimensionais, a tomossíntese captura várias imagens em finos cortes, permitindo uma análise mais precisa, semelhante a uma tomografia”. 

Tomossíntese mamária aumenta a detecção do câncer de mama em 30% em relação à mamografia, segundo dados do Hcor.

Inteligência Artificial (IA) e biomarcadores 

A inteligência artificial também vem sendo incorporada ao diagnóstico por imagem, aprimorando a interpretação dos exames e reduzindo a ocorrência de erros.  

“A IA auxilia na detecção de nódulos, microcalcificações e lesões suspeitas, além de ajudar a priorizar exames, destacando aqueles com maior risco de câncer. Além disso, conseguimos integrar dados clínicos, genéticos e epidemiológicos para identificar pacientes com maior risco de desenvolver a doença e definir um acompanhamento mais personalizado”, afirma Marcos Queiroz. 

Para Chalala, que também já utiliza IA para detecção de tumores, o ideal é sempre a combinação entre a análise humana e a automação, “pois a IA pode tanto identificar tumores que passariam despercebidos quanto falhar em detectar casos evidentes”, afirma. 

Outro avanço promissor para o rastreamento do câncer de mama é o uso de biomarcadores, com destaque para a biópsia líquida. Essa técnica, que envolve a coleta de sangue para a análise de DNA tumoral, pode, no futuro, reduzir a dependência das mamografias.  

“Embora ainda seja pouco acessível, a biópsia líquida possibilita identificar pacientes com maior probabilidade de ter um tumor, permitindo um direcionamento mais preciso dos exames de imagem. Com a popularização dessa tecnologia, seria possível realizar o rastreamento de forma mais personalizada, com intervalos menores ou iniciando o exame mais cedo para as mulheres com maior risco, tornando o processo mais eficiente e direcionado”, explicou Marcos Queiroz.  

Apesar dos avanços, o debate sobre a faixa etária e a frequência da mamografia continua a dividir o setor de saúde. Embora as tecnologias melhorem a precisão dos exames, a falta de consenso reflete a dificuldade de equilibrar a universalização do acesso com a personalização do cuidado.