O sistema de saúde brasileiro vive desde sempre um momento delicado. Alguns especialistas acreditam, inclusive, que estejamos à beira de um colapso silencioso. A população acima de 60 anos já representa 15% dos brasileiros e deve dobrar até 2050, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse envelhecimento rápido, somado ao aumento das condições crônicas, pressiona hospitais de alta complexidade, que operam constantemente com taxas de ocupação, que segundo o Observatório da ANAHP de 2024 (Associação Nacional dos Hospitais Privados), ultrapassam a casa dos 74%.
Isso reflete a falta de alternativas estruturadas para atender às demandas crescentes, especialmente da população idosa e de casos que não exigem uma estrutura de elevada complexidade. A ausência de uma transição eficiente entre o atendimento hospitalar e o cuidado domiciliar não apenas prolonga a permanência desnecessária em UTIs e leitos especializados, mas também compromete a qualidade do atendimento e eleva os custos para o sistema de saúde.
Nesse cenário, as Unidades de Transição de Cuidados (UTCs) podem aliviar a sobrecarga e otimizar recursos, oferecendo um cuidado mais adequado, eficiente e sustentável. Isso porque o modelo foi concebido para atuar como um elo essencial entre os diferentes níveis de atenção à saúde, garantindo que pacientes em recuperação ou em cuidados paliativos tenham o suporte necessário em um ambiente adequado. Isso reflete diretamente na liberação de leitos hospitalares e colabora para uma gestão mais sustentável dos recursos de saúde. Atualmente, segundo dados de pesquisa realizada recentemente pela ABRAHCT (Associação Brasileira de Hospitais e Clínicas de Transição), esse setor representa um faturamento global anual de mais de meio bilhão de reais no setor da saúde, internando anualmente cerca de 9,2 mil pacientes.
No entanto, sem regulamentação, essas unidades acabam sendo subutilizadas e o custo dessa inércia é pago por todos. Enquanto isso, os hospitais continuam abarrotados, comprometendo tanto a eficiência e qualidade do sistema, como a segurança e a experiência do paciente e de suas famílias. Além disso, a inexistência de diretrizes gera insegurança jurídica, o que, por sua vez, dificulta investimentos e a integração dessas unidades na Rede de Atenção à Saúde.
Imagine um Brasil onde as UTCs tenham critérios claros para infraestrutura, protocolos clínicos e equipes assistenciais, garantindo um padrão de qualidade em qualquer lugar do país. Com isso, não apenas as lacunas no cuidado seriam preenchidas, mas também as desigualdades regionais poderiam ser reduzidas. Regulamentar significa oferecer uma base sólida para que o setor se expanda, chegue a mais regiões e promova mais equidade.
Outro ponto fundamental é a capacitação de equipes. Cuidar da transição entre diferentes níveis de atenção não é simples; requer profissionais treinados, que saibam lidar com reabilitação, cuidados paliativos e o suporte emocional a pacientes e famílias. Diretrizes para programas de treinamento contínuo podem criar uma nova geração de profissionais prontos para atuar nesse setor tão estratégico.
Não estamos falando de uma ideia nova ou experimental. Países como Portugal e Canadá já mostram o impacto positivo das UTCs quando bem integradas ao sistema de saúde. Contudo, no Brasil, precisamos de um modelo adaptado à nossa realidade, que considere as desigualdades e a dependência do Sistema Único de Saúde (SUS) por grande parte da população. A regulamentação pode e deve trazer essa adaptação, com soluções pragmáticas e eficientes.
E há também o impacto econômico. Regulamentando o setor, podemos incentivar modelos híbridos, como parcerias público-privadas, que tornam os serviços acessíveis a diferentes perfis de pacientes sem comprometer a sustentabilidade financeira. É uma forma de garantir que o cuidado de qualidade não seja um privilégio, mas um direito que chegue a todos.
A regulamentação das UTCs é mais do que uma formalidade; é um passo essencial para colaborar com a transformação do sistema de saúde no Brasil. Tanto que desde que assumimos a diretoria da ABRAHCT em 2024, temos atuado fortemente em uma proposta, que tão logo for aprovada por todo setor será trabalhada junto aos órgãos públicos para que a mesma seja validada.
Ou seja, enxergarmos que estamos diante de uma oportunidade para melhorar a experiência dos pacientes, otimizar o uso de recursos e garantir um cuidado mais humanizado e um desfecho clínico mais eficiente. Não se trata somente de uma decisão política ou técnica, mas de uma resposta prática às necessidades de quem mais importa: as pessoas que dependem do sistema de saúde para viver com dignidade.
* Frederico Berardo é presidente da ABRAHCT (Associação Brasileira de Hospitais e Clínicas de Transição), que representa e congrega as Unidades de Transição de Cuidado que atuam no país.