A presença de palhaços em um ambiente hospitalar pode parecer inusitada, mas para o projeto Doutores da Alegria, essa intervenção artística é uma poderosa ferramenta de humanização, inclusão e terapia. Atuando há 33 anos, a organização leva alegria e leveza a crianças e adolescentes em hospitais públicos de todo o Brasil, transformando a experiência de internação em um momento lúdico.
Como explica Luis Vieira da Rocha, diretor presidente dos Doutores da Alegria, o trabalho dos palhaços vai muito além do riso. “Em longas internações, crianças e adolescentes podem enfrentar uma carga elevada de estresse físico e psicológico, o que pode afetar o apetite, o sono e até o desempenho cognitivo. Brincar é uma maneira de recuperar o bem-estar desses pequenos pacientes”, comenta. Nos encontros semanais, os artistas criam um espaço de “descompressão”, onde as crianças podem brincar e esquecer, ainda que por alguns instantes, a seriedade do ambiente hospitalar.
Uma pesquisa realizada pelo Doutores da Alegria em parceria com o Instituto Fonte mostrou em números a eficácia desse trabalho:
- 96% dos profissionais de saúde afirmam que as crianças se sentem mais à vontade no hospital após as intervenções dos palhaços;
- 95% percebem que elas ficam mais ativas;
- 89% observam que os pequenos se tornam mais colaborativos com a equipe.
“Esses resultados são prova de que o lúdico e a afetividade têm o poder de suavizar o ambiente hospitalar, promovendo uma mudança no comportamento das crianças e das famílias”, afirma Vieira da Rocha.
Arte como mínimo social
Desde 2016, os Doutores da Alegria defendem a arte como um “mínimo social” necessário para a saúde e o bem-estar das crianças hospitalizadas. Segundo Vieira da Rocha, o contato com a arte muitas vezes representa a primeira experiência cultural para essas crianças e seus familiares. “Nós levamos o lúdico para dentro do hospital, e com isso, fortalecemos o ideal de arte e cultura como um direito essencial”, ele observa.
O impacto da arte hospitalar não se limita apenas aos pacientes e familiares, mas também reverbera entre os profissionais de saúde. “Enfermeiros e médicos relatam que se sentem mais leves, o ambiente fica menos hostil, e a presença do palhaço cria uma atmosfera onde é mais fácil lidar com os desafios diários do hospital”, comenta Vieira da Rocha.
Preparação antes da visita dos palhaços
A atuação do Doutores da Alegria nos hospitais depende de uma relação sólida de parceria. “Nós só entramos nos hospitais com a abertura da gestão hospitalar. Cada unidade precisa ser um hospital público de referência, com no mínimo 50 leitos pediátricos e abertura para ações de humanização”, explica o diretor. A preparação envolve um estudo interno e a construção de um roteiro de visita, que inclui até encontros com a equipe médica para adaptar as intervenções às necessidades de cada paciente.
Esse cuidado facilita a aceitação do projeto entre médicos e enfermeiros, que muitas vezes veem as crianças mais receptivas ao tratamento e até as famílias mais confiantes. “O trabalho em conjunto com as equipes dos hospitais é essencial para que a visita dos palhaços seja mais efetiva. Não somos uma ‘atração externa’, mas sim parte da experiência de cuidado”, reforça Vieira da Rocha.
Quanto mais artista melhor
Além das visitas nos hospitais, a organização se expandiu para além das unidades de saúde com a criação da Escola Doutores da Alegria. O Programa de Formação de Palhaço para Jovens (PFPJ) oferece cursos gratuitos para jovens em situação de vulnerabilidade social, preparando-os para o mercado de trabalho artístico. Essa formação, além de capacitar novos artistas, promove a autonomia econômica e fortalece o desenvolvimento social e profissional de dezenas de jovens.
O impacto do programa é mensurável. Uma pesquisa realizada em parceria com o Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS) em 2018 revelou que cada R$1 investido no PFPJ gera R$2,61 em benefícios sociais. “Vimos que 80% dos jovens formados atuam no mercado em áreas como teatro, TV e até em hospitais. A renda mensal média dos estudantes era de R$ 868 antes de ingressarem no programa, chegando a R$ 2.085 ao final do curso. É uma oportunidade de dignidade e de futuro”, destaca o diretor presidente.
Doação é o que mantém o projeto vivo
“Desde o final de 2023, Doutores da Alegria vem sendo rodeada de desafios. O maior deles é na captação de recursos”, explica Luis. Em outubro, a instituição precisou tomar medidas coletivas frente ao número insuficiente de recursos, interrompendo as atividades nos hospitais de Pernambuco e Rio de Janeiro e em 90% das unidades de saúde de São Paulo.
Pela 1ª vez em 33 anos, os palhaços e palhaças não irão visitar crianças e adolescentes internadas. Além disso, outros três projetos serão impactos diretamente com a interrupção das atividades:
- a suspensão das aulas do PFPJ (Programa de Formação de Palhaço para Jovens);
- o adiantamento do fim das aulas do Curso Livre de Palhaçaria para Jovens para novembro – antes previsto para terminar em dezembro;
- e a suspensão do Plateias Hospitalares, projeto itinerante de espetáculos do RJ.
“Em um futuro próximo, se não conseguir reverter a situação, Doutores da Alegria pode não mais existir”, conta.
Como organização da sociedade civil, o Doutores da Alegria depende de doações para manter suas atividades. “Nossa sustentabilidade é possível graças às doações de pessoas físicas e jurídicas, além de incentivos como a Lei de Incentivo à Cultura”, explica Vieira da Rocha. Para quem deseja contribuir, é possível doar por meio de cartão, boleto bancário, pix e até através de milhas e notas fiscais. Acesse o site para saber mais.
Essas contribuições são fundamentais para que a organização continue a expandir seu alcance. Além das visitas hospitalares, os Doutores da Alegria têm um projeto no Rio de Janeiro que leva espetáculos para pessoas internadas, promovendo momentos de alegria e distração para públicos adultos. Em São Paulo, cerca de 20 jovens em situação de vulnerabilidade recebem bolsas de estudos para aprender a arte da palhaçaria.
Hospitalar 2025
O Doutores da Alegria marcará presença na Hospitalar, a principal feira do setor da saúde da América Latina, que acontecerá entre os dias 20 e 23 de maio de 2025, no São Paulo Expo. A organização espera fortalecer laços com parceiros do setor de saúde e captar apoio para a continuidade de suas atividades.
Luis Vieira comentou a importância deste momento: “Nós já conhecíamos a Hospitalar de vários anos, já que muitas das empresas que participam são parceiras nossas, e costumávamos visitá-las. Neste ano, em um formato diferente, esperamos que a associação possa apresentar seu trabalho, criar redes de conexão e relacionamento com as empresas e, assim, poder manter suas atividades.”