Nas últimas semanas, discute-se a necessidade de transparência em relação às emendas parlamentares direcionadas às Organizações Não Governamentais (ONGs) e Organizações Sociais (OS), incluindo, nestas, as Organizações Sociais da Saúde (OSSs). Sem dúvida, medidas que devem se transformar em realidade por meio de normativas emanadas dos Poderes responsáveis, sejam por Decretos Executivos, sejam por Leis emanadas dos Poderes Legislativos.

Em evidência, uma manifestação do Governo do Estado de São Paulo, em que um Decreto do Governador Tarcísio de Freitas está em fase de construção para que entidades beneficiadas por emendas parlamentares divulguem publicamente, em seus sites, os valores recebidos e a forma como esses recursos foram utilizados. Essa exigência se aplicará tanto às emendas impositivas, de liberação obrigatória, quanto às voluntárias, destinadas a entidades indicadas por parlamentares. O decreto também prevê que as entidades apresentem um histórico de transparência referente aos últimos dois anos, além de condicioná-las à continuidade do recebimento de repasses caso cumpram integralmente os critérios estabelecidos.

O objetivo da norma é ampliar a fiscalização social, complementando os mecanismos de controle já realizados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) e outros órgãos de auditoria, permitindo que a sociedade tenha acesso às informações sobre o uso de verbas públicas. Com essa iniciativa, São Paulo antecipa-se às diretrizes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para emendas federais, garantindo que os repasses estaduais sigam o mesmo nível de rigor na prestação de contas.

O despacho, de 12 de janeiro de 2025 do ministro Flávio Dino, aduz que os Órgãos Federais de responsabilidade pelo controle e fiscalização providenciem “no âmbito de suas competências administrativas, a publicação de normas e/ou orientações para que haja aplicação e prestação de contas adequadas quanto às emendas parlamentares federais, com transparência e rastreabilidade”. Determinando que tais medidas sejam aplicadas, “por simetria, aos Estados, os quais devem proceder da mesma maneira, com a finalidade de orientar a aplicação e prestação de contas das emendas parlamentares federais”.

Entendemos como louvável a determinação, bem como a manifestação dos Estados, em particular, do Estado de São Paulo em cumprir tais regras; porém, algumas perguntas devem ser feitas:

Quais serão os critérios e as obrigatoriedades contidas nesses portais de transparência para que seja integral e adequada a verificação da utilização da emenda parlamentar?

Quais serão as formas de acesso para as Cortes de Contas e, mais, a Sociedade Civil de modo integral e concomitante à utilização da emenda?

Qual o modo de apresentação no portal, inclusive o letramento, utilizado para que fiquem claras e objetivas as formas de aplicação dos recursos das emendas parlamentares, em riquezas de detalhes para que os interessados, em maior grau, o povo, verdadeiro “dono do dinheiro” e do Poder, possam entender como estão sendo “gastos” os recursos repassados para estas entidades gestoras e executoras das entregas finais dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal?

A resposta é simples. Os interessados, em especial, por meio da Sociedade Civil Organizada, deverão ser convocados para que essa discussão possa alcançar patamares reais e tangíveis de transparência, e o rastreio das emendas parlamentares repassadas possa garantir o respeito e a confiança legítima daqueles que usufruirão da aplicação destes valores repassados, como uma garantia constitucionalmente observada.

O Instituto Ética Saúde dá ênfase à urgente necessidade da máxima transparência aos recursos direcionados ao setor da saúde, pois, no correr da história, é de notório saber os fatos ocorridos com recursos públicos na tragédia pandemia da COVID-19. Para isso, defendemos a criação de mecanismos de fiscalização e controle dos gastos repassados às Organizações da Sociedade Civil (terceiro setor) que se dispõem a gerir os equipamentos públicos de saúde (hospitais, clínicas, laboratórios, unidades básicas etc.).

Algumas normas já aduzem sobre a necessidade de programas de integridade (conformidade legal), combate à corrupção e obrigatoriedade de transparência para a administração pública e congêneres, bem como para empresas que contratam com estas, a exemplo da Lei anticorrupção (Lei nº 12.846/2023), Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021), Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), Decreto nº 11.129/2022, Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), Portaria Conjunta CGU/SMPE nº 2279/2015, Decreto nº 12.304/2024, dentre outras.

Em âmbito federal, vale destacar o Projeto de Lei 736/22, em tramitação na Câmara dos Deputados, que propõe a criação da Lei de Transparência das ONGs, determinando que as entidades que recebem recursos estrangeiros prestem contas semestralmente sobre suas fontes de financiamento e a destinação desses valores. A proposta prevê, ainda, a criação do Cadastro Nacional de Organizações Não Governamentais (CNO), sob gestão do Ministério da Justiça, para centralizar e padronizar as informações sobre as atividades dessas instituições no país.

É urgente e necessário que estas normativas criem um fluxo de transparência em tempo real, como canal direto dos órgãos de controle e fiscalização e com a população, o que inclui, em potencial, instituições que primam pelo controle social da administração pública, como o Instituto Ética Saúde, que tem suas raízes nos maiores anseios por um setor da saúde, público e privado, livre das mazelas da corrupção, que ferem de morte a dignidade humana e a dignidade empresarial.

O Instituto está fazendo a sua parte e tem um projeto em desenvolvimento chamado Radar da Ética, e que, como ferramenta de controle social, pode servir de modelo para que a máxima transparência seja observada em relação às emendas parlamentares e outros repasses de verbas públicas possam ser acompanhados pela população em geral; porém, para que tenham efetividade, seria importante não apenas a voluntariedade daquelas instituições que se propõem a gerir o erário com seriedade e transparência, mas sim, a obrigatoriedade por meio da imperatividade do Estado, com o apoio de Órgãos de Controle e Fiscalização, bem como dos Poderes Legislativo e Judiciário.

Como uma instituição idônea e independente, que busca o interesse público em primeiro lugar, o Instituto Ética Saúde se coloca à disposição do Governo Federal e de todos os Entes Federados, como o Governo do Estado de São Paulo que está em fase de desenvolvimento desta importante ferramenta, para auxiliar na criação destes protocolos de prestação de contas e transparência como medidas essenciais para a boa gestão pública e, por oportuno, parabeniza os gestores que já estão tomando as providências necessárias para que a transparência seja total, na esperança de um resgate da confiança pelo cidadão na administração pública e nas entidades do terceiro setor que fazem a gestão da saúde pública, na busca de uma sociedade honesta e livre desta nefasta conduta social que é a corrupção.

* Filipe Venturini Signorelli é diretor Executivo do Instituto Ética Saúde.