faz parte da divisão Informa Markets da Informa PLC

Este site é operado por uma empresa ou empresas de propriedade da Informa PLC e todos os direitos autorais residem com eles. A sede da Informa PLC é 5 Howick Place, Londres SW1P 1WG. Registrado na Inglaterra e no País de Gales. Número 8860726.

Nise Yamagushi busca coerência entre crenças e atitutes

Article-Nise Yamagushi busca coerência entre crenças e atitutes

A oncologista fala sobre pesquisa clínica, futuro do tratamento do câncer no Brasil e a transferência do conhecimento de gestão do privado para o público

Para a oncologista e imunologista Nise Yamaguchi a premissa da força e capacidade das pessoas é utilizada tanto na busca para solucionar os gargalos do sistema de saúde brasileiro como para melhorar os tratamentos de seus pacientes. Ex-assessora de gabinete nas gestões dos ministros da Saúde Alexandre Padilha e José Gomes Temporão, para o Estado de São Paulo, e membro de diversos institutos para a prevenção e pesquisa clínica na área oncológica, ela acredita que as parcerias entre os setores público e privado sejam uma das saídas para a melhoria do sistema. ?Somente com a consciência individual e coletiva é que vamos conseguir mudar?, explica. ,13,Para ela, a força do indivíduo e o engajamento de cada um pode transformar o sistema público de saúde. E é esse paralelo que ela faz ao tratar dos seus pacientes. A especialista acredita que da mesma forma que o Sistema Único de Saúde (SUS) depende do papel de cada indivíduo e, sobretudo, do médico e do gestor em seu exercício de cidadania, pode ajudar a desenvolver a rede de saúde. ?Essa visão de contatos é a mesma da rede capilar do sistema público de saúde, só que voltada para o indivíduo. Por isso que o microcosmo e o macrocosmo são semelhantes - se tratar da célula e do indivíduo se conseguirá uma resposta melhor?, acredita. ,13,E foi com o seu próprio engajamento que Nise chegou ao cargo de assessora de Gabinete do Ministério (SP), onde permaneceu entre 2007 e 2011. Na época do convite, presidia a Associação Paulistana de Pesquisa Clínica Oncológica (SP) e buscou na esfera pública, por meio de manifestações populares, a aprovação, na Câmara e no Senado, da convenção-quadro anti-tabagista da Organização Mundial da Saúde (OMS) . ,13,Depois de deixar oficialmente o cargo, passou a exercer esse papel dentro da Academia. Voltou à universidade para atuar em pesquisa clínica e dirigir um trabalho para o combate ao tabagismo médico. Também preside a Escola Médica de Mulheres, representa o Brasil no The International Prevention Research Institute Cancer, em Lion (França), além de ter feito o curso Clinical Research Learning de Harvard, onde auxiliou a formação do Alumni Club, fórum de discussão de ex-alunos. Mesmo com essas atividades, coordena o Instituto Avanços de Medicina, por onde, em mais de 25 anos, passaram mais de oito mil pacientes. Nise tem uma rotina de 20 horas trabalhadas por dia, expediente aos sábados, domingos e feriados, mas encontrou espaço na agenda para esse bate papo com a FH, em uma manhã ensolarada, em seu consultório. A seguir, você confere os principais trechos da entrevista: ,13,FH: Você realizou vários fóruns. O último, em 2011, com representantes da América Latina, nos Estados Unidos, foi para discutir o que existe em medicina personalizada. Como caminha o modelo?,13,Nise: Estamos em um novo movimento científico, que é o tratamento individualizado do paciente, isto é, o doente incluso do sistema e dentro das características peculiares do seu tumor e o que se pode oferecer para ele. Acredito que o tratamento personalizado é custo- eficiente por determinar uma linha de conduta mais personalizada, ele pode custar menos porque se internará menos, diminui o acesso a cuidados paliativos de dor ou de cirurgias desnecessárias. A tecnologia parece mais cara por um lado, mas diminui o custo na outra ponta, pois ela fica eficiente quando gerencia a saúde do indivíduo de forma correta.,13,FH: Como tornar real o tratamento personalizado com o aumento da incidência de câncer? Como fazer isso em um país com grandes distâncias e dentro do SUS?,13,Nise: O SUS para a área do câncer é um dos mais elaborados do mundo na área pública. Em cada estado temos hospitais de câncer organizados dentro de uma rede, conectadas às normas e protocolos vigentes do Ministério da Saúde (MS) e pagos por meio de processos de alta complexidade. Às vezes, o paciente tem dificuldades, porque mora no interior de determinado estado, entretanto, ele consegue ser atendido dentro de padrões, consideradors bons até internacionalmente. Mas existe uma carência de fluxo do paciente dentro do sistema e isso é o maior desafio neste momento. Como é que o paciente com a suspeita de câncer conseguirá o diagnóstico rápido? Para isso estão sendo feitas algumas iniciativas dentro do MS com as entidades de alta complexidade e os hospitais de excelência. ,13,Quando trabalhei por este processo, vi que existia uma preocupação, pois eles eram hospitais filantrópicos exercendo um papel mais ativo junto às necessidades do ministério. E fizemos uma parceria para que isso pudesse ocorrer. Dessa forma, o desafio do câncer conta com apoio da rede privada. Por outro lado, o paciente precisa ter uma conexão junto à rede municipal e a saúde da família. A grande saída para o País é o Programa Saúde da Família (PSF), nele existe uma capilaridade social onde o apoio chega à pessoa por meio dos agentes comunitários de saúde. O PSF só recentemente se conectou aos programas de alta complexidade e a área do câncer passou a ser mais bem trabalhada. ,13,
FH: Mas um paciente que mora em Rondônia, por exemplo, chega ao Sírio- Libanês?
,13,Nise: Não e ele não tem de sair de lá. Próximo a sua casa deve existir as estruturas. Esse é outro erro, pois temos que ter a regionalização dos sistemas. O Sírio-Libanês não vai atender o paciente, ele ajudará na educação e gestão do sistema. O sistema deve ser dividido em: assistencial, gerencial e educacional. Há entidades e universidades que atuarão na educação de médicos de outros estados, na terapia adequada, padronização do tratamento, criação de regulações e regulamentações, realização de teleconferências, leitura por teleradiologia e etc.,13,FH: E qual o papel do gestor? ,13,Nise: Cada gestor de uma entidade filantrópica ou privada deve contribuir. Isto é a gestão do conhecimento. Estamos em um momento em que a gestão do conhecimento tem um valor inestimável para o País. Outra coisa é buscar as oportunidades de ação junto à prefeitura e aos Conselhos Municipais e Estaduais de Saúde. Se tivermos voluntários que trabalhem nesses lugares, vamos ter a chance de que o sistema melhore como um todo.,13,FH: Você disse que é a era da gestão do conhecimento. Os gestores compartilham essas informações? ,13,Nise: É muito raro. Depende de iniciativas pessoais e acredito que essa interface pode ocorrer de forma mais regular. Acho que as secretarias de saúde e a gestão filantrópica precisam, cada vez mais, de parcerias. Acredito que a sinergia de esforços pode contribuir para a melhoria regional. Como é que um país desse tamanho conseguiria ter uma possibilidade de melhoria? Eu acredito que é um trabalho celular que ocorre dentro da própria entidade que o profissional está gerindo. Isso ocorre ampliando para a região que a entidade está em interface com a gestão municipal com os agentes comunitários do bairro. Também é o trabalho por meio das entidades de classes e a relação nos níveis federal, estadual e municipal. Somente com a consciência individual e coletiva é que vamos conseguir mudar o sistema. De cima para baixo, jamais.,13,FH: Por isso você mencionou em um artigo o quanto as estatísticas não consideram a força do indivíduo? ,13,Nise: É muito comum ter determinado tipo de câncer e ali estar escrito seis meses de sobrevida, e não se falar muito com que qualidade de vida o paciente viverá nesse período. Se for para começar um tratamento achando que aquele paciente vai sobreviver seis meses, eu não começo. Quando se fala seis meses de sobrevida média existem aqueles que vivem menos e outros mais. Então, como podemos elencar todos os fatores para ajudar esse paciente a ser aquele que pode viver mais? São múltiplos fatores. O primeiro deles é trazer o melhor de cada um na luta. Ou seja, paciente, família, amigos e o que eles podem contribuir para aquela possibilidade. Fico tocada com a solidariedade das pessoas. A primeira coisa é resgatar a fé do paciente nele mesmo, a capacidade de luta, a vontade de seguir em frente; a segunda, é acreditar na rede social que ele traz junto, no número de pessoas que podem contribuir. ,13,FH: E isso tem impactos no tratamento? ,13,Nise: Tem, só pelo fato dele não se sentir só. Às vezes os amigos pensam ?não vou ligar para não incomodar?, ou ?não vou visitar, pois não quero incomodar?. Dá para fazer coisas muito simples, desde compras no supermercado até cuidar das crianças. Pode-se levar o paciente para fazer exames, quimioterapia, radioterapia. Por isso, eu os organizo dizendo para eles fazerem uma agenda para os amigos. Se a necessidade é radioterapia, cada dia um amigo pode acompanhá-lo na sessão, pois o tratamento dura de 30 a 40 dias. ,13,
FH: E quanto à religião?
,13,Nise: As pessoas têm muitos apoios espirituais. Elas buscam e acabam necessitando desse apoio da religião e isso dá sustentação a quem tem esse tipo de filosofia. O trabalho com paciente deve ser de nível físico, mas deve passar pelo lado emocional. Também tem o lado social, porque, às vezes, a pessoa precisa parar de trabalhar e deixar de receber recursos. Essa visão de rede é a mesma da rede capilar do sistema público de saúde só que para o indivíduo. Por isso que o microcosmo e o macrocosmo são semelhantes - se tratar da célula e do indivíduo se conseguirá uma resposta melhor. Escolho pessoalmente os médicos que vão cuidar dos meus pacientes e isso é feito ao longo de 30 anos de atendimento conhecendo esse médico, muito antes da profissão, se cooperava com os outros ou se era egocêntrico, se era competitivo ou colaborativo. Vejo também o desenvolvimento profissional acadêmico. ,13,Temos de ser muito coerentes. Eu diria que meu grande processo é como conquistar a coerência interna entre minhas crenças e minhas atitudes. Não adianta acreditar em uma série de coisas e em um mundo melhor se agir de forma não coerente.,13,FH: O Ministério gasta uma quantia significativa com medicamentos para doenças raras, mas, ao mesmo tempo, a gente tem esse outro lado precisando de recursos. Com fechar essa equação?,13,Nise: Essa conta não fecha nunca. Primeiro, ainda precisamos de mais recursos para a área de saúde. Segundo, estão sendo feito vários mecanismos de gestão e de controle. Está crescendo a percepção de controles das contas, isto é, saber como é que determinado programa é pago, como é realizado. E isso precisará do controle social também. Ou seja, as pessoas têm de ser informadas naquela cidade sobre determinado programa pago pelo Ministério da Saúde e são elas que vão dizer se isso foi feito ou não. ,13,
FH: Qual a sua opinião sobre ortotanásia?
,13, Nise: É um tema muito complexo. O que é a ortotanásia, a distanásia e a eutanásia. Acho que esse ?thanatos? já traz um conceito complicado porque as pessoas misturam esses conceitos. Acredito que passamos por um momento em que a tecnologia permite que nós mantenhamos a vida a qualquer custo e a custos muito elevados. Não só custos econômicos, mas pessoais e com muito sofrimento. Por exemplo, um paciente muito idoso, que tem um câncer grave e precisa fazer diálise e usa outra terapia para o coração e uma terceira para manter o pulmão. Precisa-se discutir qual é o papel de todas essas tecnologias na manutenção da vida. Acho que não temos ainda uma regulação clara dentro do Brasil e fica difícil se alinhar com determinada característica. Posso dizer que sou a favor de buscar menos medidas fúteis e a qualquer custo para manutenção da vida de pacientes que não têm perspectiva terapêutica. ,13,FH: O diagnóstico está melhor que antigamente, mas, às vezes, se tem uma doença e começa a tratá-la sem tanta necessidade, porque a pessoa morreria de outra enfermidade. O super diagnóstico atrapalha?,13,Nise: O excesso traz precocemente para o paciente a impotência e incontinência urinária e, eventualmente, aquele câncer não estaria evoluindo. Agora, ainda é um ponto muito delicado saber quem vai evoluir e quem não vai. Estima-se que haja muitas cirurgias desnecessárias para o câncer de próstata e outras que seriam necessárias, mas como o paciente não tem acesso, não faz. No Brasil, de maneira geral, ainda se diagnostica menos, precisamos trazer mais diagnóstico para rede, antes de ter o superdiagnóstico. Na saúde suplementar, talvez, seja o momento de discutir quando operar e não operar. Por exemplo, um paciente de 80 anos que descobriu um câncer de próstata recentemente e ainda é pequeno. É uma discussão deve ir a um fórum científico, não é do gestor nesse momento.

TAG: Hospital