A representatividade feminina no setor de saúde tem crescido. Sob o olhar das líderes, a saúde pode tomar novos rumos, seja em inovação, seja em humanização. De acordo com o Atlas CBEXS, levantamento realizado pelo Colégio Brasileiro de Executivos de Saúde (CBEXS), a representatividade feminina na gestão em saúde apresentou um crescimento significativo nos últimos anos.
Enquanto os dados de 2021 (1ª edição) indicavam que apenas 44% das mulheres ocupavam altos postos nas empresas, o levantamento de 2023 revelou um aumento para 51%, evidenciando um avanço na equidade de gênero no setor. Elas podem ser vistas em postos de direção, gerência, presidência, supervisão ou coordenação de hospitais, clínicas, consultorias, operadoras de planos de saúde e outras empresas do segmento dos setores público e privado.
“Na saúde, 70% dos cargos são ocupados por mão de obra feminina, mas alcançar posições de liderança na área é um desafio adicional. Para apenas 30% de mulheres isso é realidade em 2024, segundo relatório da ONG Women in Global Health Brazil”, comenta Tacyra Valois, diretora-executiva do CBEXS.
Os desafios para galgar essas posições são muitos, segundo ela. A começar pelos estereótipos de gênero, onde o cuidado é associado à mulher e o liderar às figuras masculinas, o que afeta o investimento, desenvolvimento e a percepção da capacidade das mulheres em cargos de liderança.
A sub-representação de mulheres em posições de liderança cria ainda um ciclo vicioso, onde a ausência de modelos femininos de referência torna mais difícil para as mulheres aspirarem e alcançarem essas posições.
Equilíbrio entre vida profissional e pessoal, acesso a oportunidades de networking e mentoria e discriminação direta ou um ambiente organizacional que não é favorável à igualdade de gênero podem dificultar o progresso feminino aos cargos de liderança, especialmente na alta liderança e em espaços de poder e entidades representativas.
Por fim, tem-se a disparidade salarial entre homens e mulheres, o que pode desestimular as mulheres a buscar ou permanecer em cargos de alta gestão, uma vez que sentem que suas contribuições não são reconhecidas de maneira adequada.
“Abordar esses desafios requer mudanças estruturais nas organizações, bem como iniciativas voltadas à promoção da diversidade e inclusão em todos os níveis da liderança no setor de saúde, especialmente na alta liderança e nas entidades representativas na saúde”, diz Tacyra.
Métricas ESG e seus impactos na inclusão
Segundo especialistas, as métricas ESG (Environmental, Social and Governance; em português, Ambiental, Social e Governança) podem ajudar a acelerar a mudança estrutural necessária para que mais mulheres alcancem posições de liderança no setor da saúde. Com as empresas sendo avaliadas por suas ações de inclusão, uma porta se abre para que iniciativas comecem a surgir com mais força.

Denise Santos, CEO da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, acredita que as instituições de saúde que trabalham o ESG de forma estruturada tendem a fazer diagnósticos precisos sobre diversidade e inclusão, permitindo a identificação de necessidades reais e a construção de estratégias sustentáveis.
“Ao analisar esses indicadores, ampliamos os espaços de diálogo, estruturamos ações mais elaboradas e garantimos que nossos compromissos sejam acompanhados de metas concretas. Para se obter resultados efetivos, a perenidade é um fator decisivo. Por isso, temos assumido compromissos públicos que envolvem o atingimento das metas e a continuidade das ações estratégicas para avançarmos constantemente em nossas práticas”, complementa ela.
Para Sônia Poloni, CEO da Associação Brasileira CIO Saúde (ABCIS), ter uma agenda que promova maior diversidade e inclusão é obrigatório nas instituições. “Nos dias de hoje, não há mais espaço na sociedade para misoginia como discriminação, preconceito, propagação do ódio ou aversão praticados contra mulheres por razões da condição de sexo feminino, sobretudo no ambiente de trabalho”.
Segundo ela, um grupo multidisciplinar formado tanto por homens quanto por mulheres certamente teria perspectivas muito mais ricas e amplas acerca de temas relacionados a Gestão e Governança Corporativa.
Exemplos de estratégias
O setor de saúde, avalia Sônia, é bastante conservador, mas é preciso que as empresas enxerguem nos programas formais de promoção de mudança de mindset um caminho para corrigir uma imagem equivocada e ilusória de superioridade do sexo oposto. Mas ela destaca:

“Não podemos nos vitimizar e esquecer do senso de autorresponsabilidade. Com certeza, é preciso que as mulheres estejam preparadas para ocupar posições de liderança. É preciso estudar e assumir novos desafios como forma de desenvolver novas competências, e não se deixar abater ou se diminuir pela falta de oportunidades em ocupar posições destacadas. Até porque, liderança é algo que não requer cargo para exercer.”
Denise conta que, atualmente, as mulheres compõem 72% do quadro de colaboradores da BP e 66% das posições de liderança. A representatividade feminina na área de Pesquisa da instituição, por exemplo, é de 77%. “Recentemente, nomeamos uma nova diretora executiva Médica e de Desenvolvimento Técnico que atua há 12 anos na BP e que agora, na nova posição, lidera um corpo clínico de mais de 6,3 mil médicos em 52 especialidades nos 26 Estados brasileiros e no Distrito Federal. Além disso, contamos com outras mulheres na diretoria.”
Assim como elas, a BP tem, em seu hub de saúde, outros destaques de protagonismo feminino que, ao lado de times cada vez mais diversos, atuam promovendo um ambiente mais inclusivo e atento às necessidades das mulheres.
“Do ponto de vista institucional, uma das próximas iniciativas é aprofundar a análise de dados sobre as principais ocorrências com mulheres, para desenvolver ações que impactem positivamente o público feminino da BP. Além disso, estabelecemos a meta de alcançar 50% de pessoas negras, indígenas, quilombolas e outros grupos em cargos de liderança até 2030, por meio de vagas afirmativas e de um programa de Mentoria para Futuros Líderes Negros. Essas iniciativas, que se somam às de equidade de gênero, garantem um ambiente cada vez mais inclusivo.”

Denise comenta ainda sobre iniciativas como os Princípios de Empoderamento das Mulheres (WEP), da ONU Mulheres, e o movimento Elas Lideram, do Pacto Global da ONU, das quais a BP faz parte, têm sido importantes para impulsionar a pauta da igualdade de gênero nas agendas. “Essas ações têm como objetivo impedir retrocessos, monitorar avanços, incentivar projetos inovadores e colaborar na construção de uma cultura corporativa mais diversa e inclusiva, da forma mais acelerada possível.”
O impacto das lideranças femininas no setor
A Escola de Saúde Pública da Universidade Johns Hopkins publicou uma pesquisa na BMJ Global Health mostrando que mulheres em cargos de liderança podem contribuir de forma positiva para várias áreas de uma organização.
A revisão analisou 137 artigos, entre os anos 2000 e 2024, que mapeavam a liderança feminina em organizações de saúde em países de baixa e média renda. O resultado demonstrou que 87% dos estudos apontaram resultados positivos e estatisticamente significativos quando mulheres ocupavam cargos de liderança.
A presença de mulheres em postos-chave nas instituições de saúde pode ter um impacto significativo nas políticas e práticas de várias maneiras. “Mulheres líderes podem trazer novas perspectivas e abordagens para a tomada de decisões, considerando aspectos que possam ter sido negligenciados em ambientes predominantemente masculinos, como a saúde materna e infantil, equidade de gênero e necessidades de pacientes”, pontua Tacyra.
Pesquisas sugerem que as mulheres tendem a ter um estilo de liderança mais colaborativo e relacional, o que pode promover uma cultura de cuidados integrados, priorizando a comunicação, a empatia e a colaboração entre equipes de saúde.
A liderança feminina pode impulsionar a implementação de políticas que visem à equidade de gênero e diversidade, criando um ambiente de trabalho mais inclusivo e que valorize todas as vozes e experiências.
Tacyra lembra ainda que líderes femininas tendem a ser mentoras e defensoras de outras mulheres, promovendo um ambiente onde mais mulheres possam avançar em suas carreiras. “Isso não apenas aumenta a diversidade na liderança, mas também melhora a retenção de talentos na instituição.”
Além disso, destaca a executiva, as mulheres costumam olhar e valorizar mais a saúde mental e o bem-estar dos funcionários. Com isso, elas podem implementar práticas que promovam um ambiente de trabalho saudável, aumentando a satisfação e a produtividade da equipe.
“A presença de mulheres na liderança também pode estimular a inovação nas práticas de saúde, permitindo a introdução de novas ideias e soluções que são mais sensíveis às necessidades da população atendida”, destaca Tacyra.
Outro dado, dessa vez apontado pelo relatório “Woman in Business 2024”, da consultoria Grant Thornton International, aponta que 33,5% dos cargos de liderança no mercado global são ocupados por mulheres, o que representa um aumento de 1,1% em comparação ao ano anterior.
“No setor da saúde, isso significa um olhar mais abrangente e sensível às necessidades de diferentes perfis de clientes, tornando os cuidados mais humanizados e acessíveis”, acredita Denise.
Para a executiva, o ambiente corporativo diverso tende a ser mais acolhedor, inclusivo, criativo, resiliente e potente para identificar pontos de atenção, inaugurar novas abordagens e criar soluções para os objetivos de negócios e os desafios da sociedade. “Essa lógica é válida tanto para a diversidade de gênero quanto para outras dimensões da inclusão, como a da igualdade racial, acessibilidade para pessoas com deficiência e tantas outras pautas urgentes.”
Esses fatores mostram como a diversidade na liderança traz maiores oportunidades, amplitude de visão e assertividade, podendo não apenas beneficiar a estrutura organizacional, mas também impactar diretamente a qualidade do atendimento prestado aos pacientes e a dinâmica e cultura dentro das instituições de saúde.