Nunca se evidenciou tanto, a necessidade de aprimoramento na gestão do Ciclo de Receita, como no cenário atual da saúde suplementar no Brasil. Portanto, a gestão eficiente desse ciclo tornou-se uma preocupação eminente, a qual vem aumentando a cada dia, não somente por parte dos prestadores de saúde, tais como hospitais e clínicas, mas também das operadoras e planos de saúde. Assim sendo, o tema em questão tem apresentado uma visibilidade de extrema relevância na gestão das instituições, com a premissa de tornar o setor mais eficiente.

Segundo a ANAHP (Associação Nacional de Hospitais Privados), o “equilibrar a assistência médica e a saúde financeira dos hospitais tem sido um desafio entre os associados Anahp, especialmente nos últimos anos. O relacionamento entre os diferentes elos da cadeia de saúde se mostra cada vez mais tensionado, com margens mais apertados, prazos mais alongados e uma inedita incidência de glosas e outros obstáculos ao fluxo de Caixa normal de recebimento dos valores devidos pelos servoços prestados”. Ainda segundo os dados publicados no Observatório em 2024 da ANAHP, o prazo médio de recebimento dos hospitais vem aumentando, passando de 68,72 dias em 2020 para 76,38 dias em 2023. A glosa inicial gerencial foi de 11,89% em 2023. Entretanto, o índice de glosa aceito foi de 1,15% em 2020 aumentando para 1,17%* em 2023.

Visualizar o Ciclo de Receita de forma crítica, analisando as áreas e processos que o compõem, bem como os desafios que cada etapa propicia, levam a uma discussão profunda e reflexiva sobre as oportunidades para o alcance de maior eficiência, através da otimização de processos, estrutura, modelo de gestão e tecnologia embarcada, visando contribuir para a uniformização do conhecimento do Ciclo de Receita para todos os envolvidos nessa jornada. 

Este tema trata-se de um processo complexo e multifásico, sujeito a diferentes interpretações quanto ao seu ponto de partida, o qual, com base na experiência e conhecimento adquiridos ao longo de nossa trajetória, na área da saúde, está no desenvolvimento e criação dos produtos. Indiscutivelmente uma etapa fundamental, pois é nela que surge um dos maiores ativos de um serviço de saúde: a tabela de serviços. Essa tabela, que será negociada com o mercado, geralmente abrange cirurgias, exames diagnósticos, procedimentos, terapias, taxas, serviços, materiais de consumo hospitalar, materiais especiais e medicamentos.

Assim sendo, para facilitar a compreensão de nossa visão, apresentamos um fluxo contendo as etapas que compõem o Ciclo de Receita, além das áreas, que regularmente, são responsáveis por cada uma delas.

Fonte: GERA Gestão em Saúde e Produtos Digitais

Na etapa 1 – PRODUTO | criação de produto e gestão do portfólio, são desenvolvidos e precificados os produtos os quais compõem o portfólio da instituição. Tal portfólio corresponde à tabela de procedimentos, que pode incluir cirurgias, exames diagnósticos, procedimentos, terapias, taxas, serviços, materiais de consumo hospitalar, materiais especiais e medicamentos. Certamente o gerenciamento do portfólio desempenha um papel fundamental, pois define quais produtos serão disponibilizados ao mercado.

A etapa 2 – NEGOCIAÇÃO| negociação comercial, é aquela na qual serão negociados com as operadoras e planos de saúde, os serviços prestados e as portas de entrada para prestação de atendimento como Pronto Socorro ou Pronto Atendimento, Internação, Centro Cirúrgico, Ambulatório e Serviço de Apoio Diagnóstico e Terapêutico. Além disso, são definidos os valores, que podem ter como referência as tabelas de mercado ou as tabelas características de cada instituição.

Após a negociação comercial ocorre a etapa 3 – CADASTRO – cadastro comercial e regras de negócios. Nessa fase, as regras contratuais, tais como cobertura, escalonamento e os preços negociados, entre outras, são parametrizados no sistema de informações hospitalares (SIH – Sistema de Informação Hospitalar ou HIS Hospital Management Software). Baseado nos acordos comerciais estabelecidos, são definidas e cadastradas as regras de negócio que irão garantir a sustentabilidade da operação hospitalar, estabelecendo os melhores modelos para o lançamento de insumos e produtos nas contas hospitalares e assim otimizando o trabalho das equipes envolvidas.

Com a conclusão destas fases anteriores, torna-se possível a oferta dos produtos e serviços ao paciente.  O paciente realizará a ESCOLHA do serviço onde deseja ser atendido. Essa escolha costuma ser feita com base na cobertura oferecida pelo plano de saúde, na localização do serviço e facilidade de acesso e na qualidade do atendimento prestado.

Na etapa 4 – AGENDAMENTO | agendamento | orçamento particular, o paciente é direcionado para um atendimento que exige agendamento prévio (eletivo), realizado segundo as coberturas contratadas entre a operadora ou plano de saúde e o hospital, considerando a disponibilidade do serviço solicitado, assim como data e horário. Quando determinado produto não possuir cobertura pela operadora ou plano de saúde, o atendimento deverá ser direcionado à categoria particular, para que então seja elaborado um orçamento ou estimativa de preços.

Quando o procedimento agendado na etapa anterior tiver cobertura pela operadora ou plano de saúde, inicia-se a etapa 5 – AUTORIZAÇÃO | autorização do atendimento, na qual o pedido médico é encaminhado à operadora ou plano de saúde para autorização do atendimento. Essa autorização poderá ser fornecida por meio de uma senha, guia ou token.

No dia agendado, é realizada a etapa 6 – CHECK-IN | entrada do paciente no hospital. Nessa etapa, são verificadas as documentações de identificação pessoal, a carteira do plano de saúde e as autorizações emitidas anteriormente, para a realização dos exames e/ou procedimentos. Após a verificação da documentação, o paciente é admitido no serviço e um número de atendimento é então gerado para acompanhá-lo durante toda a sua jornada.

Mediante a admissão no serviço, o paciente é direcionado para a etapa 7 – ATENDIMENTO | atendimento clínico-assistencial | lançamento em conta. A conta hospitalar é constituída durante todo o processo de atendimento clínico-assistencial. O processo de lançamento em conta se dá a partir da execução da prescrição médica ou do registro dos cuidados prestados pelo timeassistencial-multidisciplinar, bem como o consumo de insumos (materiais hospitalares, medicamentos). Esse lançamento pode ser efetuado automaticamente, através de regras previamente parametrizadas no sistema de informação hospitalar, cardápios com códigos de barras ou QRCodes de produtos ou mesmo manualmente. No último caso, as informações fornecidas pelo time clínico-assistencial são inseridas na conta hospitalar por ações de times administrativos ou um outro que a instituição escolha definir.

Ao término do atendimento clínico-assistencial, ocorre a etapa 8 – CHECK-OUT | término do atendimento. Nessa etapa, o paciente recebe as orientações clínico-assistenciais para continuidade do cuidado e ações administrativas são realizadas, quando necessárias.

Antes da finalização da conta do paciente, é importante que a conta hospitalar passe por algumas etapas. Na etapa 9 -PRÉ-FATURAMENTO | análise de contas pacientes externos, as contas dos pacientes atendidos no Pronto Socorro ou Pronto Atendimento, Ambulatório ou Serviços de Apoio Diagnóstico e Terapêutico (SADT) são conferidas e ajustadas de acordo com o consumo/uso de produtos e os insumos para envio à etapa de faturamento.

Na etapa 10 – AUDITORIA | análise de contas pacientes internados, as contas dos pacientes atendidos em regime de internação, também são conferidas e ajustadas. Nesta etapa, o processo de auditoria é também realizado conjuntamente entre o hospital e o plano de saúde para analisar a conta e autorizar procedimentos realizados sem autorização, antes que ela seja faturada, a fim de evitar glosas ou contas particulares.

Após a análise e devidos ajustes nas etapas anteriores, a conta do paciente é encaminhada para a etapa 11 FATURAMENTO | faturamento de conta hospitalar, na qual são gerados os arquivos eletrônicos e emissão das notas fiscais, para envio da conta hospitalar às operadoras e planos de saúde.

A etapa 12 – COBRANÇA | contas a receber, cobrança e caixa, ocorre após o processo de faturamento. Nesta etapa é realizada a conciliação entre os valores faturados pelo hospital e os valores efetivamente pagos pela operadora ou plano de saúde. Os valores não recebidos podem ser decorrentes de pagamentos negociados para datas futuras ou de glosas identificadas no processo.

Quando houver prestação de serviços médicos por meio de contrato, o pagamento aos profissionais, será realizado, como de praxe, após o faturamento da conta hospitalar. Por essa razão, incluímos no Ciclo de Receita a etapa 13 – REPASSE | repasse médico. O pagamento correto dos serviços médicos prestados depende, certamente, do êxito no funcionamento de todas as etapas anteriores.

Após as etapas anteriores, chegamos à etapa 14 – GLOSA | recurso de glosa. Nessa fase é identificado pelo hospital, o não-pagamento dos serviços prestados, por parte das operadoras ou planos de saúde. Esse não-pagamento pode ocorrer por várias razões, como por exemplo, a identificação de divergências no processo do faturamento hospitalar, cobrança de produtos com valores incorretos, procedimentos realizados sem autorização, dentre outras. Quando houver uma discordância ou falha no processo, a operadora ou plano de saúde deverá gerar a glosa, a qual é devolvida ao hospital. Na verdade, o hospital, ao receber essa devolutiva, a analisa e a contesta quando considerar pertinente, e assim, possibilitando a recuperação dos valores financeiros.

Por fim, incluímos no Ciclo de Receita a Etapa 15 – FINANCEIRO | consolidação dos relatórios financeiros. Nessa etapa, são consolidadas as informações do Ciclo de Receita, como o DRE (Demonstrativo de Resultados), Fluxo de Caixa, entre outros, além do monitoramento dos resultados gerados por meio de indicadores ao longo da jornada.

Oportunidades e reflexões

O Ciclo de Receita não é somente um desafio complexo, mas também uma grande oportunidade de transformação. Vamos juntos aprimorar esse processo e garantir a sustentabilidade do setor?

Algumas reflexões:

  1. Sua instituição possui fóruns estratégicos para alinhar as áreas envolvidas no Ciclo de Receita?
  2. Quais indicadores você utiliza para monitorar o desempenho financeiro e operacional?
  3. As ferramentas tecnológicas adotadas são suficientes para otimizar os processos?

Referência Bibliográfica

Observatório Anahp 2024. https://www.anahp.com.br/publicacoes/observatorio-anahp-2024/

*RUTE DE FREITAS é executiva com experiência em gestão EM saúde, com atuação em hospitais de excelência como Einstein, Sírio e setor público. Mestre pela FGV. líder incansável na construção e transformação de problemas em soluções por meio de parcerias e transformação digital.

*ADELMA CRISTINA DA SILVA é executiva com mais de 25 anos na saúde, com passagens por hospitais como Sírio e Sabará. Especialista em gestão de operações, projetos estratégicos, transformação digital,  mapeamento de Produtos Assistenciais para as tabelas de remuneração de mercado, com MBA FGV e x Especializações Lato Sensu em Gestão de Saúde e em Informática.