Durante palestra na 34ª edição do Congresso Fehosp, Giovanni Guido Cerri, professor titular de Radiologia da Faculdade de Medicina da USP e presidente dos conselhos do InRad e do InovaHC, apresentou um panorama abrangente sobre o impacto da inteligência artificial (IA) na saúde, compartilhando experiências, desafios regulatórios e perspectivas para o futuro da saúde digital no Brasil.
Quatro pilares da atuação hospitalar: assistência, educação, pesquisa e inovação
O Hospital das Clínicas da USP, onde Cerri atua, é um dos maiores complexos hospitalares da América Latina, com cerca de 3 mil leitos e nove institutos especializados. Ali, circulam cerca de 50 mil pessoas por dia e são realizadas mais de 1,5 milhão de consultas laboratoriais anualmente. Cerri destacou que, além dos pilares tradicionais da assistência, da educação e da pesquisa, foi adicionado, há sete anos, o pilar da inovação. “Sem inovação, não conseguimos reter talentos e resolver os desafios institucionais”.
O InovaHC, criado com essa missão, promove a cultura do empreendedorismo científico, a cooperação entre academia, governo, startups e indústria, e busca soluções baseadas em evidências, com foco no paciente. Cerri enfatizou que hoje há um forte interesse dos estudantes de medicina pela inovação. “Eles não querem mais ser apenas médicos convencionais; querem ser empreendedores”.
Inteligência artificial na prática: da pandemia à gestão hospitalar
Durante a pandemia de Covid-19, o InovaHC foi pioneiro na aplicação de IA em diagnósticos por imagem. “Criamos uma plataforma que em três minutos indicava se o paciente tinha suspeita de Covid e qual a extensão da doença, enquanto o exame PCR demorava uma semana”. Mais de 60 hospitais foram conectados à rede, utilizando algoritmos inicialmente importados da China e da Europa, e depois desenvolvidos localmente.
A experiência demonstrou como a IA pode melhorar a eficiência e a segurança do paciente. Um exemplo citado foi a automatização da escala de trabalho em radiologia: “O que antes levava dois dias com dois profissionais, hoje um algoritmo faz em 15 minutos”.
Aplicabilidade ampla: diagnóstico, assistência, gestão e ensino
Cerri demonstrou que a IA está presente em toda a cadeia de valor da saúde. Desde a assistência ao paciente em casa, com algoritmos que evitam quedas de idosos, até o apoio à tomada de decisão na UTI, ao indicar mudanças bruscas nos sinais vitais. Também ressaltou a utilidade da IA na gestão hospitalar, na ocupação de leitos, no controle de compras e no agendamento de consultas.
Na pesquisa, a IA acelera a busca por informações, simula casos clínicos e auxilia no desenvolvimento de medicamentos e dispositivos médicos. Na educação, a IA generativa ajuda a criar materiais didáticos, adaptar linguagens para diferentes públicos e gerar conteúdo clínico de ensino.
IA generativa: um novo patamar
“A IA generativa não é uma ameaça, é uma aliada. A palavra final é sempre do médico”, afirmou Cerri. Ele mostrou como o uso de tecnologias como o ChatGPT pode acelerar diagnósticos, orientar pacientes, gerar relatórios personalizados e reduzir tarefas burocráticas.
Entre os projetos mais recentes do InovaHC, está um novo modelo de laudo radiológico, com versões distintas para pacientes e médicos. “Não é aceitável que, com toda a tecnologia disponível, continuemos emitindo laudos como fazíamos há 30 anos”, afirmou.

Capacitação, validação e regulação: os três grandes desafios
Apesar das possibilidades, Cerri fez um alerta: “Sem capacitação, a IA não alcança seu potencial”. Uma pesquisa feita durante a pandemia mostrou que profissionais de saúde queriam usar tecnologia, mas não se sentiam preparados.
Outro ponto essencial é a validação dos algoritmos. Segundo ele, muitos modelos estrangeiros não funcionaram no Brasil por não considerarem a diversidade da população. “Hoje, gastamos mais tempo validando algoritmos do que desenvolvendo novos”.
Sobre regulação, ele fez críticas à proposta original do projeto de lei da IA, que tramitou no Senado. “Era extremamente restritivo para a saúde. Criava uma nova agência reguladora, encarecia o processo e inibia a inovação”. Ele defendeu uma regulação equilibrada, que garanta segurança e estimule o desenvolvimento nacional.
Uma janela de oportunidade para o Brasil
Cerri encerrou sua palestra com uma mensagem de urgência e esperança. “A tecnologia da transformação digital é uma oportunidade de reduzir desigualdades, aumentar a eficiência e diminuir os custos da saúde”. Com o envelhecimento da população, ele defende que apenas com uso inteligente da tecnologia será possível sustentar o sistema de saúde brasileiro nas próximas décadas.