O Brasil se prepara para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), evento que será sediado em Belém (PA), em novembro deste ano. Embora os compromissos específicos do setor de saúde para essa conferência ainda não tenham sido formalizados, provavelmente o tema saúde continuará ocupando o centro das discussões.

Nos últimos anos, as pautas relacionadas ao setor nas agendas das COPs focaram na necessidade de fortalecer os sistemas de saúde para responder aos impactos das mudanças climáticas e à promoção de políticas públicas. Esses temas refletem uma realidade inegável: os eventos climáticos extremos agravam enfermidades relacionadas ao calor, às doenças crônicas e às doenças infecciosas, aumentando o risco de infartos, acidente vascular cerebral (AVC) e agravando doenças pulmonares, como a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) e asma.

“Em vista do risco que as mudanças climáticas representam para o setor, é de se admirar que as organizações de saúde de todo o mundo ainda não estejam mais mobilizadas no sentido de que medidas sejam tomadas com a devida urgência para combater essa crise. Sabemos que existem organizações do setor, em diferentes regiões, que já estão se manifestando com base nesse tipo de preocupação – geralmente, grandes grupos de saúde e seguradoras que já antecipam, por meio de suas estatísticas atuariais, a dimensão da crise que se avizinha”, comenta Vital Ribeiro, presidente do Conselho do Projeto Hospitais Saudáveis.

Vital ainda lembra que hospitais em grandes centros ou os de maior capacidade não estão menos expostos ou menos vulneráveis. Com maior intensidade de recursos, também maior é a dependência de insumos e, principalmente, de energia. “Os sistemas de climatização consomem até metade da energia elétrica dos grandes hospitais, os quais muitas vezes não estão fisicamente preparados para operar sem esse recurso.”

Diante desse cenário, algumas instituições têm se movimentado para garantir a resiliência e a sustentabilidade necessárias a essa nova realidade. Guilherme Schettino, diretor de Sustentabilidade e Responsabilidade Social do Hospital Israelita Albert Einstein, conta que já há alguns anos tem observado a mudança na demanda hospitalar decorrente dos eventos relacionados ao clima.

“O aumento das temperaturas tem feito com que doenças como as transmitidas por mosquitos, como a dengue, estejam mais presentes em nosso dia a dia. O calor extremo tanto aumenta a proliferação quanto a área geográfica onde esses mosquitos podem sobreviver e se manifestar”, diz ele.

Medidas adotadas requerem observação atenta do cenário

Diante da maior procura por atendimentos decorrentes dos eventos do clima, o InCor decidiu criar um Comitê de Sustentabilidade para fomentar e adotar estratégias para garantir resiliência e sustentabilidade através dos eixos energia, água, resíduo e educação ambiental.

Além disso, o envolvimento com as equipes de manutenção predial para a manutenção preventiva em todos os equipamentos e infraestrutura fazem parte das atuais estratégias, assim como a realização de simulados de catástrofe, com planos de contingência estabelecidos para resposta rápida a crises climáticas e desastres naturais.

Por lá, a preocupação vai além de adaptações internas. A instituição acredita na importância de assumir seu papel para mitigar os impactos ambientais gerados pela sua atividade, e uma das ações foi aderir ao Dia Mundial sem Carne. “Somos o primeiro hospital do país a substituir semanalmente a carne por proteína vegetal nas dietas de todos os pacientes internados que não tenham contraindicação para tal conduta”, comenta Fábio Kawamura, diretor Executivo do InCor.

No Einstein, Schettino destaca a vigilância ativa do comportamento epidemiológico das doenças que surgem ou se agravam com as variações climáticas como a principal ação para promover as mudanças necessárias em relação ao remanejamento de equipes e checagem de insumos.

O diretor conta que os atendimentos por telemedicina têm sido um marcador importante do que acontecerá nas semanas seguintes em relação ao atendimento físico nas unidades. “Quando observamos um aumento no número de atendimentos a distância por sintomas respiratórios ou de dengue, já esperamos uma procura maior pelo atendimento físico nos dias que virão.”

Assim como as instituições hospitalares têm buscado caminhos para manter o atendimento ao paciente, as operadoras de saúde também se veem às voltas com medidas para mitigar riscos.

Francisco Souto, vice-presidente de Operações da Hapvida, conta que, a partir da coleta de dados da rede em todo o país, foi desenvolvido um painel epidemiológico no qual é possível ver os locais e os períodos em que há alta nos atendimentos de arboviroses, afecções respiratórias, doenças gastrointestinais, entre outras. Dessa forma, torna-se possível monitorar diariamente o crescimento do número de casos e se preparar de maneira mais ágil para atender ao aumento da demanda.

“Como essas doenças atuam na descompensação de pacientes nos dois extremos da idade e naqueles portadores de doenças crônicas, também desenvolvemos o Plano Virose. Todos os anos, aplicamos uma ferramenta de inteligência artificial na análise de dados dos anos anteriores e projetamos as necessidades de cada ano, por cidade, por estado e por região. Com isso, conseguimos antecipar esses períodos e programar as medidas necessárias para atender ao crescimento da demanda com dados precisos que nos permitem uma mobilidade de recursos e atendimento para todos os nossos clientes.”

Outra iniciativa da Hapvida nos períodos de aumento da demanda é o atendimento por telemedicina de urgência, que é reforçado e estimulado, e que pode ser acionado já nos primeiros sintomas, proporcionando uma definição diagnóstica mais rápida e evitando o agravo da doença. Quando há detecção de casos de maior gravidade, o médico sinaliza essas condições e imediatamente recomenda a avaliação presencial.

“Para melhor atender o nosso cliente, projetamos e realizamos um aumento nas contratações e ampliações nas nossas unidades, de acordo com a necessidade. Isso é medido diariamente com projeções semanais e mensais. Temos protocolos de atendimento, os quais conferem aos nossos médicos material atualizado com sugestões de trilhas de exames e condutas, proporcionando assim um atendimento ainda mais seguro e eficaz”, destaca o executivo.

Mudanças climáticas: impactos na infraestrutura e também na cadeia de suprimentos

As mudanças climáticas podem afetar a infraestrutura hospitalar de diversas maneiras: interrompendo o fornecimento de água e energia, aumentando a demanda por serviços de saúde, dificultando o acesso à rede hospitalar – seja de pacientes, profissionais de saúde ou de suprimentos -, além dos impactos diretos na estrutura física, pois o calor excessivo pode comprometer materiais de construção e afetar a durabilidade dos edifícios.

Atento a isso, o InCor tem trabalhado para substituir equipamentos mais antigos por aqueles com melhor desempenho energético. “Para mitigar os riscos potenciais e cada vez mais factíveis na cadeia de suprimentos causados pelos eventos climáticos intensos é de suma importância sua mitigação em toda a cadeia (desde a produção até o destino final), mapeando rotas alternativas, insumos alternativos, potenciais fornecedores, adaptabilidade de uso e investimento em alternativas sustentáveis para toda a cadeia”, destaca Kawamura.

Garantir que a operação esteja em pleno funcionamento, mesmo que a unidade esteja sujeita a um evento climático severo, está no radar das equipes do Einstein diariamente.

“Precisamos estar atentos aos nossos riscos reais. Com a queda de energia, por exemplo, preciso me certificar da capacidade dos meus geradores. Vias interditadas impedem a chegada de suprimentos, dos profissionais de saúde e de pacientes. Temos que reforçar nossa resiliência para manter a operação funcionando mesmo em condições climáticas extremas”, explica Schettino. Um exemplo de como os eventos climáticos têm mudado a realidade do Einstein foi a alteração do local de armazenamento de parte dos gases medicinais, que antes ficavam no subsolo, para andares mais altos, devido à possibilidade de enchentes.

Vital lembra que, ainda no campo da logística, as instituições devem considerar não apenas o abastecimento, como também a retirada de resíduos e os serviços de lavanderia. “Cada vez mais os hospitais são dependentes desses serviços externos, mas que são passíveis de interrupções diante da interrupção do acesso ao hospital ou à unidade de serviço.  

A busca por soluções demanda urgência

Para o professor e diretor do Núcleo de Sustentabilidade da Fundação Dom Cabral (FDC), Heiko Spitzeck, as soluções para o futuro da saúde diante dos eventos climáticos passam, primeiro, por ações preventivas e por uma atuação em conjunto com outros atores desse ecossistema, educando e alertando a população sobre riscos de saúde e comportamentos adequados.

“Quanto mais a população souber lidar com as mudanças, menos hospitalizações teremos, menos a infraestrutura chegará ao limite da capacidade. A pandemia já nos mostrou a importância disso. Outro ponto que destaco é aumentar as capacidades e se preparar para a demanda que chegará. Isso deve ser feito em colaboração com outras instituições do setor de saúde e por meio de planos coordenados. Por fim, o setor deve ser figura ativa na articulação com demais atores para colocar a pauta climática nos processos políticos, evitando assim um futuro ainda mais prejudicial para a saúde.”

Spitzeck também destaca o papel da inteligência artificial nesse cenário. “A ferramenta pode contribuir para a avaliação de riscos regionais, para a criação de cenários e simulação de respostas a vários deles. Quanto mais dados disponíveis, melhor. Armados com esses dados e cenários, os hospitais podem colocar planos de ação que permitem à organização estar mais preparada para crises.”

Para Vital, a medida mais efetiva que uma organização de saúde pode tomar para reduzir o risco para a sua sobrevivência é se movimentar para fazer valer, junto aos governantes e aos demais setores produtivos, a mensagem da urgência nas medidas de redução das emissões de gases de efeito estufa e enfrentamento das causas que levam às mudanças climáticas.

No entanto, ele destaca também que cabe avançar em soluções inovadoras, especialmente no campo da energia, como nos sistemas de geração fotovoltaica de alto rendimento e nas novas gerações de bancos de baterias, assim como na transição da geração de emergência abastecida por hidrogênio, que está muito próxima de se viabilizar comercialmente. Em relação à água, sistemas de purificação e de reuso apresentam grande potencial, contribuindo para a resiliência da infraestrutura de saúde.

“Acima de todas as soluções de abastecimento, é fundamental desenvolver a eficiência hídrica e energética, uma revolução que passa por todas as áreas e processos da instituição de saúde e que terá papel decisivo, não apenas nos casos de eventos extremos, como no estabelecimento de novos patamares de operações sustentáveis compatíveis com as necessidades impostas pelas mudanças climáticas”, complementa ele.

Os impactos que as mudanças climáticas têm causado na saúde das populações têm acendido um sinal de alerta nas instituições, que estão buscando formas de se adaptar a essa nova realidade. O cenário atual exige que elas estejam preparadas tanto para atender às vítimas dos eventos, quanto as doenças relacionadas a eles, como aquelas transmitidas pela água contaminada e, por fim, aos pacientes que começam a ter seu quadro de saúde agravado pela falta de acesso aos hospitais. Junte-se tudo isso e chegamos a um resultado: o sistema de saúde tem que ser resiliente e criativo para se manter sustentável no futuro.