A busca por sustentabilidade e responsabilidade social é um diferencial competitivo essencial para instituições de saúde no Brasil. As certificações ESG (Environmental, Social and Governance – Ambiental, Social e Governança) não apenas reforçam o compromisso das organizações com boas práticas ambientais e sociais, mas também garantem maior transparência e governança, impactando positivamente a reputação e a eficiência financeira do setor.
Além de atender às crescentes demandas regulatórias e de mercado, hospitais e redes de saúde certificados conquistam maior confiança de pacientes, investidores e parceiros, ao demonstrar um compromisso real com a sustentabilidade e a qualidade assistencial.
“Além da reputação, essas certificações impulsionam a adoção de processos mais íntegros e eficientes, como a gestão sustentável de resíduos, o uso racional de energia e a otimização de recursos naturais. A implementação dessas práticas pode também gerar redução de custos operacionais e minimizar riscos ambientais e regulatórios, aumentando a eficiência financeira da instituição”, explica Giovani Saavedra, assessor jurídico do Instituto Ética Saúde:
Dentre as certificações reconhecidas internacionalmente que ajudam a validar as iniciativas ESG destacam-se o QualIES, do Instituto Ética Saúde; a Leadership in Energy and Environmental Design (LEED), para construções sustentáveis; a ISO 14001, para gestão ambiental, e a Global Reporting Initiative (GRI), para relatórios de sustentabilidade. No Brasil, instituições também podem adotar os critérios do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3, demonstrando compromisso com os padrões ESG exigidos pelo mercado.
O QualiES avalia os requisitos aplicáveis ao setor da saúde de maneira geral, enquanto programas como a certificação LEED consideram a infraestrutura sustentável dos hospitais, e a ISO 14001 avalia a implementação de sistemas eficazes de gestão ambiental para reduzir impactos negativos.
“No âmbito social, as certificações avaliam aspectos como a equidade no atendimento, as condições de trabalho dos profissionais da saúde e as políticas de inclusão e diversidade, sendo que o QualiES é a única certificação que analisa esses requisitos especificamente na área da saúde. A SA8000, por exemplo, é uma certificação voltada para garantir boas práticas trabalhistas, enquanto a ISO 45001 trata da segurança e saúde ocupacional, garantindo um ambiente mais seguro para os colaboradores”, comenta Saavedra.
Já a governança corporativa é um critério essencial nas certificações ESG, incluindo a transparência na administração, a adoção de códigos de ética e a conformidade com normas regulatórias. O QualiES, a Global Reporting Initiative (GRI) e os padrões do Sustainability Accounting Standards Board (SASB) auxiliam as instituições na criação de relatórios detalhados sobre suas ações sustentáveis, permitindo maior credibilidade e alinhamento com investidores.
Mas há desafios que precisam ser enfrentados para o alcance dessas certificações. Um deles é a adaptação aos critérios ESG, o que exige mudanças significativas nos processos internos das instituições de saúde, incluindo a implementação de novas tecnologias e sistemas de gestão.
Além disso, destaca Saavedra, há também a necessidade de capacitação das equipes para garantir que os novos processos sejam compreendidos e aplicados corretamente. “A implementação das certificações ESG, não raro, pode exigir treinamentos contínuos para garantir que as melhores práticas sejam seguidas de maneira adequada.”
Por fim, é mandatório promover uma mudança cultural dentro da organização, garantindo que os princípios ESG sejam incorporados de maneira genuína na governança corporativa. “Muitas empresas enfrentam resistência inicial dos colaboradores e gestores, o que exige um trabalho contínuo de sensibilização e engajamento para que a sustentabilidade se torne um valor central da instituição”, diz Saavedra.
No entanto, um ponto a se destacar, analisa Ricardo Assumpção, sócio líder de Sustentabilidade e CSO LATAM da Ernest & Young, um grande desafio que é enfrentado quando se fala sobre a agenda ESG diz respeito aos dados.
“Não existem dados precisos nem no que tange aos equipamentos ou aos profissionais de saúde. Com isso, a tendência é focar em temas que são relevantes para o setor, como a questão da eficiência energética, geração de resíduos e impacto social.”
Hoje, a única regulação vigente obrigatória no Brasil se refere às empresas de capital aberto que têm que reportar no International Sustainability Standard Board (ISSB). “Essas devem reportar os impactos de sustentabilidade e de mudanças climáticas como um todo nas demonstrações financeiras. Dessa forma, como o setor não tem tantas empresas de capital aberto, isso ainda não é tão amplo para trazer e refletir um panorama mais robusto do mercado.”
Certificações na busca por investimentos
Organizações de saúde possuem diferentes motivações, públicos e requisitos de divulgação quando se trata de práticas ESG, mas todas têm em comum o atendimento a uma sociedade que está cada vez mais consciente de como devem ser as organizações socialmente responsáveis.
Essas empresas têm investidores que fazem perguntas sobre seus fornecedores, seu impacto climático e sua resposta a determinadas crises, e a obtenção de certificações ESG pode facilitar o acesso a investimentos.
“Instituições certificadas demonstram menor risco financeiro e maior compromisso com práticas sustentáveis. Isso as torna mais atrativas para fundos de investimento especializados, como aqueles alinhados aos Princípios para o Investimento Responsável (PRI), da Organização das Nações Unidas (ONU), que direcionam capital para empresas comprometidas com a sustentabilidade”, destaca Saavedra.
Além disso, bancos e instituições financeiras no Brasil passaram a ser obrigadas, pelo Banco Central, a incluir nas suas avaliações de crédito fatores de risco ambiental, climático e social. Em função disso, essas instituições estão começando a ser estimuladas a oferecer melhores condições de crédito para organizações certificadas, reconhecendo que essas empresas tendem a ser mais resilientes e lucrativas a longo prazo. Linhas de financiamento verde, como as promovidas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), priorizam empresas que adotam práticas ESG comprovadas, garantindo taxas mais competitivas e maior disponibilidade de crédito.
Saavedra destaca também a crescente exigência de investidores e acionistas por transparência em relatórios financeiros e operacionais. “Empresas que seguem padrões como o QualiES, o Sustainability Accounting Standards Board ou o Global Reporting Initiative conseguem demonstrar, de forma clara, seu compromisso com a sustentabilidade, atraindo novos investidores e fortalecendo sua posição no mercado.”
Um levantamento realizado pelo ESG Radar 2023, conduzido pela Infosys com mais de 2.500 executivos e gerentes de empresas ao redor do mundo com faturamento acima de US$ 500 milhões por ano, trouxe alguns dados que corroboram os impactos financeiros das práticas ESG:
- Para 90% dos executivos entrevistados, adotar práticas ESG dentro das organizações traz retorno financeiro positivo;
- Para 29% houve crescimento significativo nos lucros da companhia;
- Para 61%, houve uma evolução moderada;
- Apenas 10% não notaram diferença.
Dentre as razões para melhorias no resultado financeiro, destacam-se a governança corporativa bem executada e a diversidade em cargos de liderança.
Iniciativas ESG mudam a dinâmica das instituições
Atento a esse movimento, o Hospital Moinhos de Vento adota uma abordagem integrada para ESG, alinhando sustentabilidade ambiental, responsabilidade social e governança corporativa em sua estratégia institucional. As ações implementadas têm rendido à instituição, além de certificações e prêmios, vários outros benefícios.
O CEO do Moinhos de Vento, Mohamed Parrini, cita alguns deles, como a melhor eficiência energética e hídrica, otimização na gestão de resíduos e redução da pegada de carbono, no âmbito ambiental; reconhecimento e credibilidade no setor da saúde, o que contribuiu para o fortalecimento da reputação do hospital, que hoje é referência em sustentabilidade ambiental na área da saúde, e o maior engajamento de colaboradores e parceiros com a criação de uma cultura organizacional voltada para a sustentabilidade, atraindo novas parcerias estratégicas e ampliando o impacto das ações ambientais.
“As certificações ESG fortalecem a imagem institucional, demonstrando compromisso com práticas sustentáveis e responsáveis. Isso gera impactos positivos, como maior confiança por parte de investidores, que enxergam a gestão ambiental e social como fatores estratégicos para a perenidade da instituição; atração e fidelização de pacientes e a diferenciação no setor da saúde, consolidando o hospital como referência em sustentabilidade e inovação.”
Para medir os impactos ESG e garantir a evolução contínua das práticas sustentáveis, o hospital elencou alguns indicadores, como o que aponta a quantidade de resíduo infectante por paciente-dia, permitindo um controle rigoroso da gestão de resíduos hospitalares; o inventário de emissões de gases de efeito estufa (GEE), monitorando a pegada de carbono conforme os padrões do GHG Protocol, e as certificações e auditorias externas, incluindo a Joint Commission International (JCI) e as ISOs 9001, 14001 e 14064.
Na Rede D’Or, a temática da sustentabilidade vem sendo trabalhada desde 2015 de maneira corporativa. No entanto, nos últimos três anos, a instituição começou a se dedicar mais fortemente à pauta climática.
“Atualmente, temos um total de 133 unidades de negócios com suas emissões de gases de efeito estufa mapeadas (inventários realizados e auditados). Esse mapeamento nos permitiu desenhar de forma mais assertiva uma estratégia corporativa para a redução das nossas emissões de GEE, principalmente as emissões diretas”, explica Ingrid Cicca, gerente de Sustentabilidade e Meio Ambiente da Rede D’Or.
Com isso, várias unidades da Rede D’Or têm desenvolvido ações com foco na redução de emissão de gases de efeito estufa, em especial o óxido nitroso, reconhecido por seu elevado potencial de aquecimento global, sendo aproximadamente 278 vezes mais impactante que o dióxido de carbono (CO2).
Os resultados conquistados são medidos por sistemas que permitem coletar, monitorar e acompanhar sistematicamente a performance dos indicadores ESG. “Cada hospital possui um usuário cadastrado na ferramenta que dispomos e, mensalmente eles nos reportam os dados. Posteriormente, minha equipe consolida estes dados e procede à análise crítica, executando todos os desdobramentos necessários, como, por exemplo, se há necessidade de treinamentos, campanhas, ações ou iniciativas que visem corroborar com a boa performance do indicador”, explica Ingrid.
No São Luiz Itaim, os resultados do projeto mostraram uma redução de 71,4% na taxa de utilização do ácido nitroso. Em termos de impacto ambiental, a mediana das emissões de CO₂ equivalente por anestesia caiu de 44 kg para 7,8 kg, representando uma redução de 82%. Financeiramente, observou-se uma diminuição de 50% nos custos mensais.
Já no Hospital São Luiz Osasco, as intervenções possibilitaram uma redução de 61,53% no consumo do gás. “Essa diminuição não apenas contribuiu para a mitigação dos impactos ambientais, mas também gerou economia financeira significativa. A economia estimada foi de cerca de R$ 300 mil em cinco anos.”
“Hoje, nossa principal ferramenta de transparência para as práticas ESG é o Relatório Anual de Sustentabilidade. Nosso último relatório publicado, relativo ao ano base de 2023, foi reconhecido como Melhor Relatório Anual na 26ª. Edição do Prêmio Abrasca, que tem como objetivo incentivar o aprimoramento da elaboração de relatórios com maior clareza, transparência, qualidade e quantidade de informações e caráter inovador”, destaca Ingrid.
Ela comenta, ainda, sobre os cuidados com a escolha de parceiros e fornecedores. “Quando um fornecedor ou um parceiro dispõe de certificação ESG fica evidente para nós que há um processo estruturado de gestão, há controles e processos bem estabelecidos.”
As certificações ESG têm um impacto significativo em diversas áreas, em especial no setor de saúde, proporcionando desde a melhoria da qualidade dos serviços até o aumento da atratividade para investimentos, abrindo espaço para um ambiente viável financeiramente para um setor que encontra dificuldades em manter-se sustentável. Elas ajudam a estruturar processos sustentáveis, sociais e de governança, beneficiando assim todo o ecossistema de saúde.