Etimologicamente, a palavra ética vem do grego “ethos” e, dependendo da entonação, pode referir-se à ética ou à moral. A ética é o respeito ao pensamento, à vida e ao relacionamento mútuo, colaborando para a felicidade coletiva, enquanto a moral está mais relacionada aos costumes, porém não é menos importante no que tange ao respeito e à felicidade da humanidade. 

A família exerce um papel fundamental na formação da pessoa, ensinando-a ética e moral. A família deve, por meio de exemplos éticos e morais, demonstrar aos filhos a necessidade de humanidade e de respeito ao próximo, promovendo a felicidade coletiva. O indivíduo depende da felicidade coletiva ou, no mínimo, das pessoas com quem convive mais de perto. 

A escola tem a obrigação de fornecer ao aluno uma educação de qualidade com as melhores evidências, promovendo a inclusão social baseada em princípios éticos e morais. A escola não pode ser tendenciosa nem omissa; deve preparar o aluno para o futuro com conhecimento atualizado e respeito a todas as mudanças sociais, sem discriminações. A escola médica, por sua vez, precisa formar o cidadão-médico dentro dos princípios éticos e morais, para que o profissional tome decisões fundamentadas nas melhores evidências, cuidando das pessoas que o procuram. Vale lembrar que a vida se inicia com a fecundação do óvulo pelo gameta masculino, embora existam divergências sobre isso. 

O Conselho Federal de Medicina tem atualizado rotineiramente o Código de Ética do estudante de medicina e do médico, trazendo mais segurança à coletividade. A medicina tem por princípio assegurar ao indivíduo: bem-estar, benevolência, autonomia, não maleficência e justiça distributiva, independentemente de gênero, orientação sexual, idade, religião, cultura, classe social, origem, cor da pele, doença, etc. O que importa é a proteção do ser humano com igualdade e justiça. Com o avanço da medicina ao longo da história, a tecnologia deve ser usada com parcimônia, estudo rigoroso e esclarecimento ao paciente. Podemos citar aqui a biologia molecular, engenharia genética, reprodução humana, novos medicamentos, transplantes de órgãos, robótica, Inteligência Artificial, próteses, endopróteses, cateteres, fios de sutura aplicados à medicina, entre outros. 

A boa prática médica envolve o entendimento mútuo entre o paciente que busca ajuda e o médico que o atende, sempre com respeito e atenção. A má prática médica é inaceitável, seja pela falta de conhecimento técnico necessário para o exercício da medicina, seja por má-fé. 

O professor de escola médica tem uma importância fundamental na formação técnica do jovem médico, bem como na transmissão de exemplos éticos que contribuam para a construção de um relacionamento humano, respeitoso e justo com o paciente. 

Infelizmente, tivemos muitos casos de professores e pesquisadores que não se comportaram como bons mestres, e isso pode ter atrapalhado o controle ético e moral dos alunos. Cito: Gerhard Henrick Armauer Hansen (1841-1912, Noruega) conhecido pela identificação do Mycobacterium leprae como o agente causador da hanseníase em 1873. Em 1875, Hansen tentou infectar com o mycobacterium leprae pelo menos uma mulher sem consentimento e, embora nenhum dano tenha sido causado, o caso terminou no tribunal e Hansen perdeu seu cargo no hospital de Bergen, porém continuou como médico na Noruega. William Stuart Hasted (1852-1922), foi um cirurgião norte-americano, estabelecido na Universidade Johns Hopkins, Baltimore, que desenvolveu a assepsia, o uso de luvas, a transfusão de sangue, a anestesia e várias técnicas operatórias, inclusive a mastectomia radical, e também a organização da residência médica.  Porém, como era adicto à morfina e cocaína, trouxe também problemas comportamentais para alunos e residentes da Universidade Johns Hopkins.  

Grave também foi a participação de médicos em conflitos, como na Segunda Guerra Mundial, realizando experiências inadmissíveis com seres humanos. Médicos existem para cuidar da vida. 

Outra participação inaceitável de médicos e enfermeiros ocorreu no Instituto Tuskegee, no Alabama, onde 399 homens negros com sífilis, além de outros 201 sem a doença, participaram de um experimento “sem consentimento” com o intuito de tratar uma “doença ruim do sangue”. Esse experimento durou de 1932 a 1972, e, durante esse período, muitas pessoas foram contaminadas e ocorreram diversas mortes. Mesmo que, em 1943, o tratamento padronizado já fosse a penicilina, apenas em 1972 o secretário de Estado de Saúde dos EUA determinou o fim desse experimento. Mais recentemente, em 1997, o presidente Bill Clinton pediu desculpas aos participantes desse terrível acontecimento. 

O não comprometimento com a boa ciência faz mal aos novos cientistas e médicos, contamina-os. Pode ser conferido no site  (acessado em 09/09/2024). O “erro médico” é a terceira causa de morte nos Estados Unidos da América, segundo um levantamento da Universidade Johns Hopkins 2016, o gasto anual de 20 bilhões de dólares e a infecção hospitalar consomem entre 35 e 45 bilhões. Os profissionais de saúde podem experimentar efeitos psicológicos profundos (por exemplo, raiva, culpa, inadequação, depressão e ideação suicida) devido a erros reais ou percebidos, que podem ser agravados pela ameaça de ação legal iminente. 

Outro dado que chama a atenção é o suicídio entre médicos, que é mais elevado do que em outros grupos populacionais, sendo ligeiramente mais comum entre as médicas. O suicídio é um problema de saúde pública complexo e multifacetado que afeta indivíduos de todas as esferas da vida, incluindo profissionais de saúde, como médicos. De acordo com pesquisas, os médicos apresentam um risco maior de suicídio em comparação com o restante da população, com uma taxa estimada de suicídio duas a três vezes maior do que entre outros grupos. O suicídio entre médicos pode ter consequências devastadoras, não apenas para o indivíduo, mas também para seus pacientes. 

Os fatores que contribuem para o suicídio entre médicos são numerosos e frequentemente inter-relacionados. Eles enfrentam diversos estressores em suas vidas diárias, como longas jornadas de trabalho, alta carga de trabalho, esgotamento e exposição a eventos traumáticos. Esses fatores podem levar a problemas de saúde mental, como depressão, ansiedade e transtornos por uso de substâncias, que, por sua vez, podem aumentar o risco de suicídio. Além dos estressores relacionados ao trabalho, fatores pessoais, como problemas de relacionamento, estresse financeiro e histórico de problemas de saúde mental, também podem contribuir para esse risco. 

O estigma e a vergonha associados à busca de ajuda para problemas de saúde mental também podem impedir os médicos de procurar tratamento, agravando o problema. Compreender os fatores complexos que contribuem para o suicídio entre médicos é crucial para o desenvolvimento de estratégias eficazes de prevenção. Portanto, é necessário conhecer o comportamento desse fenômeno e os fatores associados ao maior risco de suicídio nessa população. Para um tratamento adequado dos médicos em risco, precisamos entender suas motivações. 

Infelizmente, os presidentes de duas das universidades mais prestigiadas do mundo, Stanford e Harvard, foram obrigados a pedir demissão devido ao roubo de ideias e plágio. Como universidades de excelência permitem que seus professores alcancem o posto máximo sem verificar suas publicações? Lamentáveis exemplos para os mais jovens, que dificultam a compreensão da ética e da moral. O presidente da Universidade de Stanford, Marc Tessier-Lavigne, renunciou em 2023 após a falsificação de dados em artigos acadêmicos vir à tona. Um painel científico descobriu que Marc Tessier-Lavigne não participou diretamente da falsificação, mas não supervisionou adequadamente os membros de seu laboratório. A presidente da Universidade de Harvard, Claudine Gay, teve que renunciar ao cargo em 2024 devido a acusações de antissemitismo e plágio. 

Trago esses exemplos marcantes da literatura médica e acadêmica para alertar pais e professores sobre nossa responsabilidade na formação de cidadãos de bem. Como professor em uma escola médica, sinto-me na obrigação de participar da formação ética do médico. Não posso ignorar a injustiça distributiva de renda, medicamentos e leitos hospitalares, que prejudicam o bom atendimento prestado pelos médicos e por todos os profissionais de saúde aos doentes. 

Por isso, afirmo que a ética médica é essencial para a prática da medicina, fornecendo um guia para a conduta profissional e ajudando a garantir que os cuidados de saúde sejam oferecidos de maneira justa e respeitosa. Os princípios de autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça orientam os médicos em suas decisões e ações, ajudando a enfrentar os dilemas éticos que surgem no cotidiano clínico. A formação contínua e o debate sobre questões éticas são fundamentais para que os profissionais de saúde enfrentem esses desafios com competência e sensibilidade, promovendo um cuidado de saúde que respeite a dignidade e o bem-estar dos cidadãos. 

Também quero chamar a atenção para a importância do cuidado com a saúde mental dos médicos, para que estejam preparados para atender a população, tão necessitada, com respeito e dignidade. 

*Dr. José Carlos Baptista-Silva é angiologista, cirurgião vascular e membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular – Regional São Paulo (SBACV-SP).