As Unidades Cirúrgicas Ambulatoriais (UCAs), representam uma revolução global na assistência à saúde, atuando como protagonistas na redefinição dos sistemas de saúde e da experiência do paciente, com conveniência e custo-efetividade. No Brasil, especificamente, esse modelo aparece como uma das maiores oportunidades no setor de saúde, tanto do ponto de vista socioeconômico como estratégico. A combinação de envelhecimento populacional, aumento da demanda por procedimentos cirúrgicos especializados e a limitação de recursos nos sistemas de saúde tradicionais, evidenciam o impacto positivo que as UCAs podem ter no Brasil, chamando a atenção de stakeholders e líderes da área.

O Crescimento das UCAs no Brasil e no mundo

Os avanços tecnológicos e o crescente reconhecimento de modelos mais acessíveis e eficientes colocam as UCAs em uma posição privilegiada na saúde global. No Brasil, a demanda reprimida por cirurgias eletivas nos hospitais, agravada pela pandemia, trouxe à tona a necessidade de mudança estrutural no setor. As UCAs oferecem a solução ideal ao possibilitarem cirurgias em alto volume, com segurança e custo-efetividade, além de desafogarem a sobrecarga de hospitais gerais tradicionais, tanto nos sistemas públicos, quanto privados de saúde1,2,3.

Sabemos que o mercado de cirurgias ambulatoriais no Brasil, apesar dos avanços recentes, ainda opera com menos intensidade do que em outros países, mas a tendência global de migração de procedimentos para o ambiente ambulatorial já é sentida e torna-se cada vez mais evidente por aqui. Exemplos práticos podem ser vistos em áreas como oftalmologia, ortopedia e gastroenterologia, especialidades amplamente atendidas pelas UCAs existentes no país. Esse movimento ganha ainda mais força com a integração de novas tecnologias e dispositivos médicos, que melhoram os resultados clínicos e reduzem tempos de recuperação, contribuindo coma migração ainda maior de casos para o regime ambulatorial.

Com uma população brasileira que envelhece rapidamente, aumentando a pressão sobre o sistema de saúde público e privado, e com a necessidade de reduzir custos e otimizar resultados, as UCAs surgem como uma resposta inovadora para atender a crescente demanda por eficiência no atendimento cirúrgico, onde se concentra uma proporção substancial dos gastos do setor.

Oportunidades no mercado brasileiro

1. Maior adoção da cirurgia ambulatorial

No Brasil, a acessibilidade financeira é um fator crucial para o sucesso das UCAs. Comparado às internações hospitalares, os custos são significativamente menores nos centros cirúrgicos ambulatoriais, uma característica importante em um país onde boa parte da população depende do Sistema Único de Saúde (SUS) ou de planos de saúde de menor abrangência. As UCAs têm potencial de atender tanto ao mercado privado quanto às necessidades do SUS, principalmente em parcerias público-privadas. Atualmente estima-se uma fila de espera de mais de 1,5 milhão de cirurgias, com prazos que ultrapassam 10 anos para realização dos procedimentos no sistema público.

Para Newton Quadros, Presidente eleito da SOBRACAM (Sociedade Brasileira de Cirurgia Ambulatorial), “O Brasil ainda não percebeu as vantagens de migração de procedimentos cirúrgicos para o ambiente ambulatorial como estratégia para reduzir filas cirúrgicas e custos assistenciais e ampliar o acesso ao cuidado. O Governo Federal poderia investir no modelo de Unidade Cirúrgica Ambulatorial (UCA) e aumentar muito o rol de procedimentos cirúrgicos ambulatoriais, atualmente realizados nas AMEs e UPAs, além de reduzir a ocupação dos hospitais públicos com demanda cirúrgica de baixa e média complexidade, abrindo vagas para os pacientes de alta complexidade. O mesmo serve para o setor privado, que ainda opera na conservadora mentalidade hospitalocêntrica, na contramão do que vemos nos países mais ricos e desenvolvidos do mundo”.

Além disso, o mercado de saúde suplementar continua a crescer no Brasil, impulsionando a possibilidade de migração de procedimentos para essas instalações, acelerando o processo de consolidação do segmento. Planos de saúde privados e grupos de private equity já demonstram interesse em formar parcerias ou desenvolver seus próprios centros, atraídos pelos modelo de negócios promissor, custo-efetividade e tempos de internação minimizados, fatores que favorecem investidores, operadoras e beneficiários.

2. Investimento em alta tecnologia e procedimentos de maior complexidade

No Brasil, os avanços em cirurgias minimamente invasivas estão colocando no radar das unidades cirúrgicas ambulatoriais procedimentos mais complexos, como ortopedia e cirurgias cardiovasculares. O uso de tecnologias inovadoras, como inteligência artificial e dispositivos avançados de monitoramento, possibilita que esses centros tenham resultados superiores, enquanto mantêm custos competitivos, entregando valor ao mercado.

Uma das áreas que mais se beneficia com essa mudança no Brasil é a ortopedia, especialmente procedimentos como artroscopias e artroplastias de joelho e quadril, tradicionalmente realizados em hospitais gerais. Com protocolos pós-operatórios simplificados, a recuperação em casa torna-se viável, reduzindo as complicações e melhorando a experiência dos pacientes. Vale lembrar que nada disto é experimental ou ainda carente de comprovação científica ou de quesitos como custo-efetividade, segurança e satisfação do paciente. Diversos estudos, realizados em diferentes países, apontam resultados sólidos e validam o modelo ambulatorial.4,5

3. Um oceano azul na saúde brasileira

As UCAs estão sendo cada vez mais vistos como uma oportunidade inexplorada, especialmente em regiões metropolitanas e áreas interioranas com pouca oferta especializada. Investidores e operadores do setor percebem nas unidades ambulatoriais uma oportunidade de atuação no que se considera um dos últimos oceanos azuis da área da saúde no Brasil, um mercado com enorme potencial de crescimento, na sua fase inicial de desenvolvimento.6

Com a população cada dia mais exigente em termos de qualidade e agilidade no atendimento médico, bem como maior transparência nos custos dos serviços, as UCAs têm uma oportunidade única de se destacar na saúde pública, privada e principalmente no crescente mercado “out-of-pocket”.

Desafios do modelo no Brasil

Assim como em qualquer mercado de alto potencial de crescimento, mas em estágio inicial, o crescimento do modelo de atenção cirúrgica ambulatorial e das UCAs no Brasil enfrenta desafios que serão ajustados em paralelo ao seu ganho de maturidade.

  1. Escassez de profissionais qualificados: O país ainda lida com déficits de profissionais especializados em regiões menos desenvolvidas, dificultando a implementação de UCAs em áreas mais remotas, especialmente quando pensamos em profissionais com experiência e atuação especializada em cirurgia ambulatorial.
  2. Burocracia e aspectos regulatórios: A legislação brasileira para o setor de saúde é notoriamente complexa e muitas resoluções, normativas e leis, desatualizadas em relação à práticas mais modernas e evoluções da área da saúde. Aspectos como a simplificação da tributação e do processo regulatório, com definições mais claras e objetivas sobre unidades cirúrgicas ambulatoriais, são essenciais para viabilizar a abertura de mais unidades.
  3. Limitações no SUS: O SUS, embora apresente alto volume de procedimentos eletivos anualmente, ainda opera longe do potencial de utilização deste modelo em equipamentos próprios ou parcerias público-privadas (PPPs). Para expandir o modelo de UCAs no Brasil, é crucial desenvolver incentivos à participação da cirurgia ambulatorial no âmbito público.

Visão de futuro: O papel transformador das Unidades Cirúrgicas Ambulatoriais no Brasil

O avanço das UCAs tem o potencial de transformar o setor de saúde brasileiro de dentro para fora. Recursos tecnológicos, foco na experiência do paciente e modelos custo-efetivos de atenção cirúrgica altamente especializada são apenas alguns dos diferenciais que posicionam as UCAs como uma alternativa atraente em comparação aos hospitais tradicionais.7,8

O mercado brasileiro de cirurgia ambulatorial irá crescer consistentemente nos próximos anos, impulsionado pela inovação e pela necessidade de aumento de eficiência no setor. Para investidores, o Brasil apresenta um contexto dinâmico, com inúmeras oportunidades a serem exploradas.

A movimentação de mercado, com novos projetos surgindo em velocidade acelerada, somada ao crescente interesse de diversos players (médicos e investidores, principalmente) e o trabalho da SOBRACAM (Sociedade Brasileira de Cirurgia Ambulatorial), serão vetores decisivos da consolidação deste mercado e posicionamento do Brasil como um protagonista latino-americano na oferta de cuidados ambulatoriais modernos e integrados.

Redefinindo a assistência cirúrgica no Brasil

As Unidades Cirúrgicas Ambulatoriais são uma resposta viável à constante busca por eficiência, acessibilidade e qualidade na saúde, apresentando resultados de alto impacto positivo em diversos locais onde foi adotada em larga escala. No Brasil, onde desafios históricos e as demandas da nova era colocam uma pressão crescente sobre o sistema, as UCAs representam um ponto de inflexão, chamando atenção de um público cada vez mais amplo.

Ao despertar interesse de investidores, melhorar o acesso ao cuidado de qualidade e reduzir custos, as UCAs não apenas ocupam uma nova posição no setor, como desafiam paradigmas tradicionais. A pergunta que resta é: como diferentes atores da saúde brasileira – públicos e privados – irão agir para maximizar esse potencial, superando so desafios e prosperando neste novo mercado? A resposta a esta pergunta irá transformar a vida de pacientes, profissionais e líderes do setor nos próximos anos.

Referências
  1. SOBRACAM – Sociedade Brasileira de Cirurgia Ambulatorial – https://www.sobracam.com.br – acesso em 3 de fevereiro de 2025.
  2. PROVISTA. Huge Cost Savings and Other Benefits Boost Ambulatory Surgery Center Growth. 2024. Disponível em: https://www.provista.com/blog/blog-listing/huge-cost-savings-and-other-benefits-boost-ambulatory-surgery-center-growth.
  3. NEWITT, P. “4 ASC growth opportunities, according to a Surgical Care Affiliates executive” – Becker’s ASC Review, February 2nd, 2022 – Acesso em 3 de fevereiro de 2025: https://www.beckersasc.com/leadership/4-asc-growth-opportunities-according-to-a-surgical-care-affiliates-exec.html
  4. BORAKATI, Aditya et al. “Day case vs inpatient total shoulder arthroplasty: A retrospective cohort study and cost-effectiveness analysis.” World journal of orthopedics, 2020.
  5. GIBON, Emmanuel et al. “Outpatient total knee arthroplasty: is it economically feasible in the hospital setting?” Arthroplasty today vol. 6,2 231-235. 13 Mar. 2020.
  6. SAÚDE BUSINESS. Um dos últimos oceanos azuis em saúde no Brasil, e por pouco tempo. 2024. Disponível em: https://www.saudebusiness.com/artigos/um-dos-ultimos-oceanos-azuis-em-saude-no-brasil-e-por-pouco-tempo/
  7. AMBULATORY SURGERY CENTER ASSOCIATION. “Reducing Medicare Costs by Migrating Volume from Hospital Outpatient Departments”, 2020.
  8. PSADOCS. Why Choose an ASC Over a Hospital? 2024. Disponível em: https://www.psadocs.com/why-chose-an-asc-over-a-hospital/.