A gestão pública de saúde no Brasil é marcada por mudanças constantes. Desde 1982, o tempo médio de permanência dos ministros da Saúde foi de apenas 21 meses. No nível estadual e municipal, a dança das cadeiras não é diferente: novos gestores assumem e, com eles, vêm novas diretrizes, prioridades e, muitas vezes, rupturas de projetos que estavam em andamento.

Descontinuidade, cancelamentos, mudanças de rota? Sim, isso acontece. Mas existe um superpoder pouco explorado: a capacidade de repactuar e se reapresentar.

Quem trabalha com gestão pública precisa entender que a chegada de um novo stakeholder (parte interessada/atores) não significa, necessariamente, um fim – mas um reinício estratégico. Projetos que foram engavetados podem ser resgatados, iniciativas que perderam fôlego podem ganhar tração novamente. O segredo está em saber como se posicionar.

A chave para lidar com a mudança de stakeholders públicos e garantir a continuidade de projetos está na estratégia. Antes de reapresentar qualquer iniciativa, é essencial entender a nova agenda, conhecer os tomadores de decisão e mapear suas pautas e desafios. Construir conexões rapidamente é determinante para influenciar processos, pois a influência não nasce no dia da reunião decisiva, mas na construção de relacionamento. Além disso, é preciso traduzir impacto para a nova gestão, ajustando a narrativa para que o projeto seja percebido como algo alinhado às prioridades do novo gestor.

A comunicação também precisa ser estratégica: alguns stakeholders são mais técnicos e se baseiam em dados concretos; outros, mais políticos, se conectam com histórias de impacto. Há ainda os que priorizam conexões institucionais e resultados estratégicos. Entender esses perfis facilita a adaptação da mensagem.

A transição de gestão pode ser uma oportunidade para reposicionar o projeto e buscar novas fontes de financiamento e parceiros. Para isso, demonstrar flexibilidade e visão de longo prazo é essencial. Projetos rígidos tendem a ser descartados, enquanto aqueles que demonstram capacidade de adaptação e ganhos sustentáveis têm mais chances de continuidade.

Outro ponto fundamental é a construção de alianças. Identificar e trazer aliados estratégicos para a mesa aumenta as chances de aprovação e implementação do projeto. Além disso, a persistência é um diferencial: muitos projetos só são validados após várias rodadas de conversas e ajustes.

Apresentar entregas rápidas também fortalece a credibilidade do projeto. Estruturar versões menores, que gerem impacto imediato, ajuda a consolidar a confiança do novo gestor e abre portas para expansões futuras. E, acima de tudo, é preciso compreender que reapresentar não é recomeçar do zero – é contar a mesma história de outra forma, com os elementos certos, para o público certo, no momento certo.

Com mais de 20 anos de experiência em projetos de impacto social, aprendi que a maturidade profissional, o timing adequado e um repertório diversificado são fundamentais nesse cenário. Saber a hora certa de agir e como adaptar-se às mudanças de stakeholders pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso de uma iniciativa.

Além disso, é crucial olhar para as pessoas que estão atuando no projeto. Mudanças de stakeholders podem gerar insegurança nas equipes, afetando a produtividade e o engajamento. Para mitigar essa insegurança, é essencial manter uma comunicação transparente, envolvendo ativamente a equipe nas discussões sobre adaptações necessárias, oferecendo capacitação e suporte, e reconhecendo e valorizando os esforços da equipe. Essas ações fortalecem a confiança e o compromisso com os objetivos do projeto.

A mudança de stakeholder é uma realidade na gestão pública. Mas aqueles que dominam a arte da repactuação e valorizam as pessoas envolvidas não veem isso como um obstáculo – e sim como uma janela de oportunidade.