Liderar uma organização de saúde no epicentro de uma pandemia global exigiu mais do que conhecimento técnico. Exigiu humanidade, coragem e a capacidade de tomar decisões rápidas com informações incompletas. Foi nesse contexto que assumi a liderança do Comitê de Crise do COVID-19 da DASA, a maior empresa de diagnósticos da América Latina.
Recentemente, li um artigo da Harvard Business Review intitulado “5 Pandemic-Era Lessons on Leading Through Drastic Change” (HBR, março de 2025), que sintetiza com precisão os principais aprendizados da pandemia para líderes. Me impressionou perceber como cada uma dessas cinco lições não só fez parte da nossa realidade no momento da crise, como também moldou a forma de liderar até os dias de hoje.
Neste artigo, quero compartilhar essas cinco lições e como elas se manifestaram, na prática, durante o período mais desafiador vivido pela humanidade nos últimos 100 anos.
1. Lide proativamente com a incerteza
“Líderes que prosperaram durante a pandemia foram aqueles que não esperaram pela certeza para agir.” – HBR
No início de 2020, a sensação era de estar navegando em mar aberto sem bússola. O vírus era novo, as informações mudavam diariamente, e o impacto nas operações de saúde era imprevisível.
Entendemos desde o começo que não podíamos esperar ter todas as respostas para agir. Criamos um Comitê de Crise multidisciplinar que se reunia várias vezes ao dia, reunindo especialistas em medicina, logística, tecnologia e comunicação. A cada dia, analisávamos os dados disponíveis, fazíamos projeções e tomávamos decisões com base em cenários – mesmo que provisórios. Apesar de inclompleta, era a melhor informação que dispúnhamos.
Iniciamos um processo robusto de cenarização, nos inspirando em modelos como os utilizados pela ONU e pela McKinsey, para projetar diferentes graus de impacto e definir planos de resposta. Buscamos investir em insumos e equipamentos antes de cada pico de demanda, baseados nas nossas projeções de oferta/demanda. Criamos novas rotas logísticas e redesenhamos o modelo operacional para garantir a segurança dos pacientes e colaboradores.
A lição? A incerteza não é um obstáculo, mas um convite à antecipação estratégica. Aprendemos que, em tempos de crise, não é preciso ter todas as respostas — mas é fundamental ter uma equipe com coragem para fazer boas perguntas e agir com agilidade.
2. Equilibre as necessidades das pessoas e da empresa
“A pandemia mudou para sempre a relação entre empregador e empregado. Hoje, flexibilidade, propósito e empatia são esperados.” – HBR
Durante a pandemia, nossos colaboradores estavam no limite. Médicos, enfermeiros, técnicos etc atuavam na linha de frente com medo e exaustão. As equipes administrativas enfrentavam o desafio do home office, muitas vezes com familiares adoecendo ao redor. Em paralelo, a operação da empresa precisava continuar. O diagnóstico da COVID-19 tornou-se um serviço essencial para todo o país.
Foi necessário equilibrar o cuidado com as pessoas e a sustentabilidade do negócio. Criamos canais internos de escuta ativa, ampliamos o apoio psicológico, flexibilizamos horários e modelos de trabalho. A liderança adotou uma postura de proximidade e empatia, com mensagens semanais, reuniões abertas e uma comunicação transparente sobre os desafios que enfrentávamos.
Mas não bastava empatia: era necessário estrutura. Estabelecemos metas claras, criamos protocolos de segurança rígidos e mantivemos indicadores que mostravam onde podíamos avançar e onde precisávamos recuar.
Assim como o artigo destaca no modelo da Airbnb — que priorizou desempenho ao invés de presença física —, nós também aprendemos que produtividade está diretamente ligada a confiança e propósito, e não ao controle.
O que mais marcou foi perceber que, quando as pessoas se sentem cuidadas, elas entregam mais do que performance: entregam o seu melhor.
3. Teste novas ideias com rapidez
“Empresas de sucesso durante a pandemia foram aquelas que criaram ambientes onde testar e errar rapidamente tornou-se parte da cultura.” – HBR
Na crise, o tempo é escasso e o risco de paralisia é enorme. Percebemos que seria impossível responder aos desafios com a mentalidade tradicional. Precisávamos testar, aprender e ajustar — rápido.
Foi assim que, em poucas semanas, criamos os primeiros drive-thrus. Redesenhamos a experiência do paciente nos postos de coleta, com agendamento digital, triagens automatizadas e novos fluxos físicos para evitar aglomeração. Lançamos novos serviços de telemedicina e criamos o primeiro teste domiciliar de COVID-19.
Um dos momentos mais emblemáticos foi quando conseguimos colocar um novo teste diagnóstico no mercado em tempo recorde — algo que normalmente levaria meses. Como? Criamos uma estrutura de squads ágeis, com autonomia para testar, errar e refinar sem a burocracia habitual.
Essa mentalidade de “aprender fazendo” permanece até hoje. Criamos uma cultura de prototipagem contínua, como o Tryer Center da Starbucks citado na HBR — um laboratório de testes rápidos. O futuro pertence às organizações que têm coragem de errar rápido para acertar melhor.
4. Tome decisões com informações limitadas
“Durante a pandemia, esperar dados completos significava agir tarde demais. Os melhores líderes encontraram formas de decidir com o que sabiam.” – HBR
Essa foi talvez a lição mais dura. Em diversos momentos, tomamos decisões críticas com dados incompletos: fechar ou manter unidades abertas, redirecionar fluxos, investir em novas tecnologias sem saber a real duração da pandemia.
Lembro-me de uma semana crítica em que decidimos realocar recursos humanos e fechar a maioria das unidades de atendimento. Era um movimento arriscado, mas necessário. A falta de certeza foi compensada por valores muito claros: proteger vidas e manter o acesso ao diagnóstico.
O artigo da HBR sugere a criação de modelos de decisão baseados em elementos “pré-determinados” e valores organizacionais. Sem saber o futuro, nos guiamos pelo que era inegociável: segurança, cuidado, agilidade, integridade.
Decidir em tempos de crise é como dirigir no nevoeiro. A estrada nem sempre é visível, mas os faróis— nossos princípios — precisam estar ligados.
5. Comunique com clareza para gerar confiança
“As pessoas confiam mais no que veem do que no que ouvem. A comunicação do líder precisa alinhar palavra, tom e ação.” – HBR
Nunca a comunicação foi tão importante quanto na pandemia. A angústia era coletiva, e as notícias — muitas vezes contraditórias — geravam confusão e medo. Decidimos ser radicais na transparência, mesmo que fosse para comunicar que não tínhamos as respostas.
Gravamos vídeos. Criamos newsletters. Organizamos lives abertas com executivos e especialistas para tirar dúvidas dos colaboradores. Visitamos as operações presencialmente para estar ao lado de quem estava no front.
Líderes não podem se esconder em tempos difíceis. A comunicação precisa ser empática, mas também firme. Precisa mostrar que sabemos o que está acontecendo — mesmo que a resposta seja “ainda não sabemos, mas estamos trabalhando nisso”.
Arne Sorenson, CEO da Marriott, citado na HBR, gravou um vídeo emocionante renunciando ao próprio salário para proteger os empregos da equipe. Ele não apenas falou. Ele mostrou.
A pandemia ensinou que a comunicação mais poderosa é aquela onde o “áudio bate com o vídeo”. Ou seja: coerência entre o que se diz e o que se faz.
O legado da crise: uma nova liderança
A pandemia escancarou o que antes era tendência: a liderança do século XXI precisa ser adaptativa, humana e corajosa.
As cinco lições destacadas pela Harvard Business Review não são teorias bonitas — são princípios testados sob fogo. E posso dizer com humildade: elas funcionam. Foram elas que me ajudaram a liderar uma organização com mais de 25 mil colaboradores no momento mais desafiador da nossa história.
Olhando para frente, o que mudou?
Tudo.
A boa notícia é que, com liderança forte e valores firmes, estaremos sempre prontos para enfrentar crises.
Referência: Ringel, R. & Solomon, L. K. (2025). 5 Pandemic-Era Lessons on Leading Through Drastic Change. Harvard Business Review. Março 2025.