“A cultura come a estratégia no café da manhã”
Peter Drucker
Muito se fala e se investe em treinamentos corporativos e desenvolvimento profissional com cursos e horas e horas em salas de aula, viagens e consultorias. No entanto, pouco se diz sobre o aprendizado observacional.
Na prática, as pessoas aprendem muito mais pelo que chamamos de aprendizado observacional do que com qualquer outra forma de ensino. Assim como as crianças aprendem imitando adultos, novatos aprendem imitando líderes. Isso nos remete para o modelo de comunicação de Albert Mehrabian, um engenheiro e professor iraniano que diz que daquilo que comunicamos, 7% é sobre o que é dito, 55% é linguagem corporal e 38% é tom de voz.
Ou seja, as pessoas se comunicam muito mais através do que veem e como ouvem, mas não do que especificamente foi falado. E o aprendizado observacional é exatamente assim. São os chamados “3 Vs” da comunicação: Verbal (palavras, frases, gramática e gírias), Vocal (ritmo da fala, volume e entonação) e Visual (linguagem corporal, gestos, atitudes, roupas, acessórios e ambiente). Ou seja, 93% da comunicação entre as pessoas não vem daquilo que é falado.
Os diversos modos de convívio social, como clubes, hospitais, igrejas, associações de bairro, times de futebol ou vôlei, são considerados ambientes complexos adaptativos, ambientes repletos de incertezas e variações, onde poucas regras determinam como esses grupos reagem aos estímulos nesses ambientes. A maioria dessas regras são tácitas, não são explícitas; às vezes, ocultas ou invisíveis.
O grande problema é que, enquanto ensinamos as habilidades técnicas nas salas de aula, as pessoas captam e aprendem no dia a dia as tais regras e as habilidades sociais ocultas de forma sutil e imperceptível, através dos gestos, atitudes, comportamentos e relacionamentos. E essas regras ocultas – chamadas de “regras de poder” dentro dos sistemas complexos – dominam os processos.
Em muitos contextos, regras ocultas determinam o comportamento de toda uma operação, e todo o esforço educacional é em vão. As pessoas farão o que as regras ocultas, aprendidas na comunicação não verbal, dizem sobre o que deve ser feito. Um trejeito, uma torcida de nariz, uma troca de olhares, tudo muito sutil. No entanto, através desses pequenos momentos as regras de poder se estabelecem. E o sistema irá se comportar conforme o que essas regras ditam, mas não sobre o que o treinamento propõe.
Todo sistema responde a algumas poucas regras de poder, e isso funciona de forma hierárquica – fractal na linguagem dos sistemas: aquilo que fazemos na diretoria, é reproduzido na gerência, entre os supervisores, coordenadores, na operação até chegar aos pontos mais remotos da organização: no pessoal da limpeza e da manutenção. Todos os sistemas complexos se comportam dessa forma (deve ser por isso que corrupção no Brasil virou algo naturalizado…).
Quando pensamos estrategicamente, uma regra de poder bem definida e traduzida em atitudes e comportamentos, visíveis através de toda a organização, vale mais do que qualquer consultoria especializada, treinamento, reunião motivacional ou outras formas elegantes de se jogar dinheiro fora.
Quando Paul O’Neill assumiu a Alcoa, ele estabeleceu uma nova regra de poder: “Acidentes não são o preço naturalmente pago para se atingir as metas anuais. Eu quero ZERO acidentes de trabalho na Alcoa”. Seu discurso de posse como CEO para o conselho e investidores foi um fiasco, ele não falou de lucros, dividendos, eficiência, qualidade ou investimentos. Falou de segurança. Queriam sua demissão já nas primeiras horas.
Diz a lenda que, ao disseminar essa ideia por toda a organização, ele também ofereceu o seu telefone para que qualquer trabalhador da Alcoa pudesse relatar a ele alguma preocupação com a segurança. No começo, ninguém acreditou, até que um acidente fatal fez com que seu telefone tocasse no meio da noite. Era um gerente de uma unidade remota comunicando sobre o evento. Em 17 horas, ele estava lá, voou até o local exato do evento e cuidou pessoalmente de todo o processo de análise do problema com os executivos locais. Depois disso o telefone não parou mais. “Se um gerente qualquer numa companhia de 15 mil funcionários espalhados pelo mundo pode ligar para o CEO global e comunicar um evento, eu também posso!” E não eram só problemas, muitas ligações eram sobre boas ideias. Paul O’Neill ignorou completamente a hierarquia funcional e se fez acessível para tratar daquilo que considerava fundamental na Alcoa.
Paul O’Neill sabia de algumas coisas importantes, todas elas representadas graficamente como pirâmides. Todas elas contribuíram para que uma única ideia pudesse ser estrategicamente desdobrada por toda a organização, através de diversos países e continentes.
Primeiro, Paul sabia que não há qualidade sem um ambiente seguro, físico ou psicológico. É a espinha dorsal de um sistema de qualidade que, intencionalmente, envolve autoestima e realização pessoal. Na pirâmide da hierarquia das necessidades de Maslow, a segurança é base para os relacionamentos, para o reconhecimento e a para a realização profissional. Sem segurança não há qualidade.
Na outra pirâmide, agora a de Bird, sobre segurança ocupacional, Paul sabia que cada lesão grave ou morte “corresponde” a outras 10 lesões leves, 30 eventos sem lesões, mas com danos materiais, e 600 incidentes ou quase acidentes. Ou seja, para cada evento grave evitado, 640 outros também não ocorreram, todos com impactos relevantes sobre o desempenho operacional. Todo evento tem impacto financeiro e na qualidade. Se limitado a isso, é um prejuízo menor. Porém, tudo é defeito e desperdício, com custos incrementais associados. Não produzir defeitos e eliminar desperdício são a formula de sucesso nas iniciativas de transformação lean.
A terceira pirâmide de Paul O’Neill era a sua própria pirâmide hierárquica. Como transformar uma cultura? Eu posso dizer que não quero acidentes e posso fazer uma campanha global, com panfletos, quadros, vídeos, treinamentos e um monte de ações. No entanto, como as pessoas vão saber que estou mesmo preocupado com isso? Não é o que digo. É o que faço, como faço e que tipo de comportamento tenho diante de um evento real. Na pirâmide hierárquica da Alcoa, ele era o CEO, inatingível a milhares de quilômetros de distância, sentado em um escritório elegante e luxuoso. Como um mineiro no meio do nada poderia tratar disso com o CEO? Ele deu a resposta: ligue para mim. E quando ligaram, ele foi lá. Uma única atitude foi capaz de desdobrar uma estratégia através de uma organização com unidades em 17 países e 15.000 colaboradores.
Depois desse terrível acidente e a atitude de Paul, o clima mudou, e novos comportamentos e hábitos foram sendo cultivados através de toda a corporação. Durante a gestão de Paul O’Neill, o faturamento da Alcoa cresceu 5 vezes, o lucro, 6 vezes. Quem investiu um milhão de dólares na Alcoa no início de sua gestão, recebeu outro milhão apenas em dividendos até que ele se tornasse Secretário de Estado do Governo Americano. Enquanto isso, o número de eventos de segurança despencou: os dias de trabalho perdidos estavam próximos à zero, os eventos relevantes de segurança despencaram 88%, 82% das unidades não tinham um dia sequer de trabalho perdido por evento de segurança e 44% delas sequer reportavam qualquer evento.
Ficou claro que o aumento da segurança produziu alguns subprodutos muito relevantes: um ambiente com uma ergonomia invejavelmente segura, reduzindo os desperdícios associados às operações. Esse ambiente produziu um brutal aumento na qualidade da produção como um todo. A Alcoa é um case global de qualidade e de um sistema de gestão lean. Ao eliminar defeitos e os custos associados aos desperdícios, o lucro cresceu na razão inversa.
Sistemas complexos são tão inesperados e assustadores quanto admiráveis. Como uma simples atitude como essa do CEO da Alcoa, aparentemente banal, foi capaz de deflagrar uma transformação cultural e um resultado tão robusto? Como pode o foco na segurança ter um impacto tão relevante no desempenho financeiro? Quais serão as regras ocultas que regem nossos sistemas de saúde? Teria esse mesmo foco na segurança um impacto similar nos sistemas de saúde?