“A simplicidade é o apogeu da sofisticação.”
(Leonardo da Vinci)
As organizações e os sistemas de saúde são considerados as atividades mais complexas criadas pela humanidade, tão complexos quanto nós, os seres vivos vertebrados. Controle de tráfego aéreo, malhas ferroviárias e usinas nucleares são sistemas complexos, mas possuem certa estabilidade e previsibilidade com um número de variáveis relevantes conhecidas e administráveis até certo ponto, e não possuem a mesma capacidade de adaptação.
Um de nossos problemas com sistemas complexos é que eles se retroalimentam positivamente, ou seja, complexidade produz mais complexidade, em uma espiral crescente. E sistemas complexos demais entram em colapso com facilidade. Eles estão expostos a um maior risco de erros e defeitos, que por suas vezes provocam atrasos e avarias, tornando a operação cada vez mais ineficiente, produzindo mais variação.
Sistemas como muita variabilidade fecham o ciclo: estão mais sujeitos a erros, defeitos, ineficiências e atrasos. Dr. Deming dizia que se ele tivesse de reduzir sua mensagem em uma única frase, ele diria que reduzir a variação é a atividade primordial dos administradores. Ele sabia que sistemas com muita variação colapsam no longo prazo.
Sistemas complexos são capazes de autoajustes e criam regras próprias em busca do equilíbrio, de uma certa estabilidade. Muitas unidades de saúde criam regras locais, burlando regras ou procedimentos de segurança em busca de estabilidade, tudo para evitar o colapso.
Ouvimos muito frases do tipo “Se eu fizer tudo o que é preciso para garantir a segurança, eu nunca darei conta da demanda”. Ou “encontramos uma forma mais fácil de fazer isso, mas não é o procedimento ideal”. As coisas andam no fio da navalha até que algo de errado e grave acontece, e o sistema colapsa, demandando um novo ajuste: investigações, demissões, contratações, promessas etc.
O antídoto para melhorar o desempenho de um sistema complexo é simplificar, buscar novos padrões que sejam simples o suficiente para equilibrar a equação “capacidade versus demanda”, reduzindo o consumo dos recursos disponíveis nas atividades que não agregam valor.
Nós, os administradores desses sistemas, precisamos eliminar esses desperdícios sob todas as formas: movimento, espera, defeito, processamento, superprodução, transporte e estoques. Todos contribuem com crescente risco de erros, ineficiências, avarias e mais variação. É preciso identificar formas de eliminar, reorganizar, combinar e simplificar os processos. Essa é a verdadeira função de uma liderança em qualidade: simplificar o trabalho.
Um outro problema com os sistemas complexos é que eles são contraintuitivos e não lineares. Frequentemente, resultados inesperados emergem após intervenções relativamente simples, consideradas pouco relevantes ou absurdas.
Há quase vinte anos, lidávamos com o fluxo de pacientes de um ambulatório de cirurgia em um hospital público, onde se atendia pacientes novos e de retorno. A lógica utilizada era atender os pacientes de retorno primeiro e os novos ao final da tarde. O atendimento costumava acontecer das 15h até 21h, com muita sobrecarga e fadiga de toda a equipe envolvida.
Ao analisar o processo, ficou evidente que os pacientes novos eram grandes gargalos no fluxo do atendimento: demandavam muito trabalho extra com pedidos de exames, avaliação cardiológica ou de outro especialista e orientações extras, tomando muito tempo de atendimento no balcão, gerando lentidão. Com esses pacientes enfileirados nas últimas horas do dia, o atraso do atendimento crescia exponencialmente. Com certa resistência, – “sempre funcionou assim” –, os cirurgiões concordaram em testar uma agenda com pacientes novos intercalados com pacientes de retorno, em ordem de chegada ou agendamento prévio, mas sem regras extras – uma contramedida muito simples.
Com a mudança, o ritmo de atendimento na recepção melhorou dramaticamente, bem como o giro de pacientes na unidade: para cada paciente novo (complexo e demorado), aproximadamente seis pacientes de retorno eram atendidos, reduzindo o volume de pessoas na sala de espera e diminuindo o tempo médio entre a chegada, o atendimento e a liberação (o tempo médio total do processo) de 170 para 130 minutos.
Mesmo com uma melhora no processo de apenas 20%, a capacidade de atendimento subiu 25%, e o tempo global da operação caiu em duas horas. Os subprodutos de atender os pacientes mais rapidamente foram um ganho de 25% na capacidade, além de conseguir chegar duas horas mais cedo em casa.
Em sistemas complexos, os subprodutos inesperados podem ser tão positivos quanto os objetivos primários da mudança (é possível simular alguns deles usando métodos estatísticos). A faixa azul para motocicletas em São Paulo não só reduziu drasticamente a mortalidade dos motoqueiros, como também melhorou as taxas de engarrafamento na cidade, segundo a prefeitura, um ótimo subproduto que faz com que todos também cheguem mais cedo em casa.
Estudos sobre a adoção de faixas de ciclistas em grandes cidades demonstram que elas não só aumentam a segurança do ciclista no trânsito, como também reduzem o índice global de acidentes e fatalidades: a infraestrutura visível das ciclovias e faixas funciona como um mecanismo calmante, que reduz a velocidade do tráfego em geral, reduzindo acidentes.
Talvez o subproduto mais importante comum a todas as iniciativas de qualidade é que elas aumentam a sensação de dever cumprido entre os envolvidos, aumentando a satisfação e a autoestima ligadas ao trabalho. Ninguém sai de casa e vai ao trabalho para fracassar – todos buscamos um dia de trabalho gratificante. É uma das obrigações de nós, líderes, dar essas oportunidades às nossas equipes.