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Da inércia à ação: Como novos modelos de acesso a procedimentos cirúrgicos podem ajudar a resolver a crise da saúde no Brasil

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Novos modelos de negócios estão revolucionando o acesso a cuidados cirúrgicos no Brasil, enfrentando desafios críticos e abrindo caminho para um futuro mais acessível e eficiente na saúde.

Não é de hoje que o setor de saúde no Brasil enfrenta um cenário que vem se tornando cada vez mais desafiador, caracterizado por fatores como a alta demanda reprimida para procedimentos cirúrgicos, a concentração dos planos de saúde e dos hospitais, a necessidade de otimização dos custos operacionais e a ampliação do acesso a cuidados cirúrgicos de qualidade, com segurança e custos reduzidos. Em meio a este panorama, novos modelos de negócios surgem, com foco na sustentabilidade financeira para prestadores e fontes pagadoras, e no aumento do acesso a tratamentos de qualidade à população.

Desafios e oportunidades na cirurgia ambulatorial

A cirurgia ambulatorial no Brasil e no mundo tem se mostrado uma alternativa custo-efetiva e vantajosa para enfrentar de frente os problemas mencionados acima. Tanto para médicos quanto para pacientes, este modelo, que dispensa a hospitalização (permanência acima de 24h no hospital), reduz significativamente os custos e permite uma melhor utilização dos recursos disponíveis. Atualmente, existem cerca de 170 milhões de pessoas dependentes exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo que o restante da população conta com algum tipo de acesso à saúde privada. Mesmo estes últimos encontram-se cada vez mais reféns de um sistema privado de saúde restritivo e inacessível, especialmente para atendimentos terciários, como os cirúrgicos.

O gráfico abaixo representa o gasto com saúde como percentual do PIB, mostrando que, ao contrário de todos os outros países analisados e da média da OCDE, o Brasil tem um gasto privado (indicado como “famílias” na legenda), de mais que o dobro da média da OCDE, indicando que os gastos totais com saúde no país são suportados, em sua maioria, pelo setor privado, representando 5,7% do PIB, enquanto o setor público representou apenas 4% das despesas, nos dados referentes a 2021.Imagem1.png

O crescimento das unidades cirúrgicas ambulatoriais por todo o país evidencia a busca por mais independência e controle operacional por parte dos prestadores, que na maioria das vezes fazem parte da composição societária dos empreendimentos. Esse movimento se destaca em comparação aos hospitais gerais, que frequentemente concentram os cuidados cirúrgicos de baixa e média complexidade em estruturas hospitalares de alto custo, planejadas para a alta complexidade. Esses hospitais operam com modelos de negócio que se beneficiam da longa permanência e da hospitalização, rateando custos de tecnologias ultraespecializadas (e caras), juntamente com estruturas de grandes proporções, contribuindo como um dos maiores geradores de custos, especialmente na baixa e média complexidade, para o sistema de saúde como um todo.

Por outro lado, a descentralização proporcionada pelas unidades cirúrgicas ambulatoriais tem apresentado um impacto positivo na eficiência do sistema de saúde, permitindo um atendimento mais rápido e economicamente viável, sem comprometer a qualidade e a segurança dos procedimentos cirúrgicos, uma vez que seus modelos de negócio priorizam a desospitalização, em estruturas mais custo-efetivas e tão seguras quanto um hospital geral, proporcionando uma alternativa para se fazer mais com menos.

Estratégias inovadoras para um novo modelo de negócio

A união das unidades cirúrgicas ambulatoriais junto à SOBRACAM (Sociedade Brasileira de Cirurgia Ambulatorial) tem permitido a interação entre diversos hospitais ambulatoriais espalhados por todo o Brasil, numa espécie de “rede virtual de hospitais ambulatoriais”, trazendo ao mercado capilaridade, conveniência e capacidade operacional.

Como uma de suas atividades principais, a SOBRACAM, junto aos seus parceiros estratégicos, tem fortalecido a padronização de protocolos de segurança e qualidade, incentivando a criação de produtos cirúrgicos eficientes, baseados em uma avaliação rigorosa dos custos operacionais e resultados assistenciais, criando uma solução poderosa para atender à demanda reprimida de casos cirúrgicos no país, entregando às unidades associadas novas possibilidades de receita e atuação nos mercados regionais onde estão inseridas. Esta abordagem não apenas otimiza os recursos das unidades cirúrgicas ambulatoriais, mas também amplia o acesso para pacientes que não possuem plano de saúde ou possuem planos de saúde restritivos e que até então não tinham acesso a produtos cirúrgicos viáveis, transparentes e seguros.

Com a implementação destes modelos, conectados a serviços de intermediários financeiros que viabilizam o pagamento de acordo com as condições econômicas do paciente, é possível atender um número ainda maior de pessoas, com impacto direto no volume de cirurgias e receita das unidades associadas, bem como na ampliação do acesso ao tratamento cirúrgico para a população. Ao dispensar a necessidade de hospitalização, a cirurgia ambulatorial permite uma significativa redução nos custos globais envolvidos no tratamento cirúrgico. Além disso, a capacidade ociosa das unidades cirúrgicas ambulatoriais pode ser fortemente aproveitada para atender a esta demanda reprimida, desde que se adotem estratégias de criação de produtos cirúrgicos eficientes e seguros.

O relatório de mercado publicado em março de 2024 pela MarketUS aponta que o mercado de centros cirúrgicos ambulatoriais irá apresentar um crescimento consistente até 2033, com uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 6,5%. Este crescimento reforça a demanda crescente por serviços de cirurgia ambulatorial em nível mundial.

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Figura 2: MarketUS - Ambulatory Surgical Center Market Report - O tamanho do mercado global de Centros Cirúrgicos Ambulatoriais deverá valer cerca de 235,3 milhões de dólares até 2033, em comparação com 125,4 milhões de dólares em 2023, crescendo a uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 6,5% durante o período de previsão de 2024 a 2033.

Iniciativas de liderança e comentários de especialistas

Fabrício Galvão, presidente da SOBRACAM, destaca a importância de uma abordagem integradora para superar esses desafios: "O crescimento da base de associados SOBRACAM tem o potencial de criar a maior rede virtual de hospitais do Brasil, com a vantagem de serem unidades leves, de menor custo operacional, maior eficiência e focadas no atendimento cirúrgico ambulatorial. Atualmente, 70% a 80% dos casos cirúrgicos são de baixa e média complexidade, podendo ser realizados em regime ambulatorial, com total qualidade e segurança. O desenvolvimento de produtos cirúrgicos bem definidos e acessíveis é crucial para maximizar a utilização da nossa capacidade instalada e proporcionar um atendimento de qualidade a todos os pacientes, independentemente de sua condição financeira. Isto materializa parte da entrega da SOBRACAM à sociedade, ampliando o acesso à saúde e cuidados cirúrgicos de qualidade, com impacto direto no sistema público e privado de saúde no país." Ainda sobre o assunto, ele complementa: “Quando grupos médicos e de investidores se unirem para desenvolver suas unidades cirúrgicas ambulatoriais, navegando com sucesso neste oceano azul de oportunidades, veremos o crescimento e adoção exponencial do modelo”.

Patrícia Narciso, especialista em desenvolvimento de produtos para o mercado da saúde e CEO da CASH+, complementa: "A análise detalhada dos custos operacionais e a criação de um modelo de financiamento inclusivo são passos fundamentais para garantir que as unidades cirúrgicas ambulatoriais possam operar de maneira sustentável e eficiente, atendendo a um número maior de pacientes com serviços de alta qualidade, ampliando significativamente suas receitas. Além disso, a implementação deste modelo reduz significativamente a concentração de fontes pagadoras, glosas, atrasos nos pagamentos, judicialização e falta de previsibilidade. O sucesso obtido nos locais onde o modelo foi aplicado nos dá a segurança necessária para afirmar que existe um potencial enorme, ainda pouco explorado, para criar um mercado totalmente novo da saúde no Brasil.” Além disso, a executiva reforça a importância da criação de produtos e serviços mais acessíveis para os clientes sem planos de saúde e que precisam de acesso a cirurgias de baixa e média complexidade. Atualmente, existem mais de 1,5 milhão de pessoas aguardando por algum tipo de cirurgia no SUS, sendo que 80% delas são de baixa e média complexidade e podem ser realizadas de forma ambulatorial.

O futuro da cirurgia ambulatorial

No contexto atual, onde a concentração e a verticalização do mercado de operadoras de saúde impõem inúmeras restrições às unidades independentes, a adoção de novos modelos de operação e remuneração pode ser o diferencial necessário para assegurar a sustentabilidade e a competitividade não só para unidades cirúrgicas ambulatoriais, mas também para prestadores. A criação de produtos cirúrgicos acessíveis e a implementação de políticas financeiras inclusivas não são apenas uma resposta à alta demanda reprimida, mas também uma estratégia inteligente, com impacto positivo direto no futuro da saúde no Brasil.

A inovação no modelo de negócios é uma condição inevitável para transformar a realidade das unidades cirúrgicas ambulatoriais e melhorar significativamente o acesso a cuidados cirúrgicos de qualidade para a população, ao mesmo tempo em que promove a eficiência e a sustentabilidade financeira das unidades prestadoras de serviços.

*Artigo produzido por Fabricio Galvão e Patrícia Narciso.

Fabricio Galvão é membro fundador e presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Ambulatorial (SOBRACAM), delegado brasileiro da International Association for Ambulatory Surgery (IAAS), empresário e investidor na área da saúde. Patrícia Narciso é CEO da CASH+, especialista em formação de preços e produtos para área da saúde, com ampla atuação no mercado nacional e mais de 25 anos de experiência na área da saúde.