No mundo da Medicina, onde decisões impactam diretamente a vida das pessoas, a liderança sempre foi uma habilidade implícita, ainda que não desenvolvida formalmente durante a formação do médico. Muitos médicos assumem posições de liderança pela própria natureza de sua profissão: somos os responsáveis pelos pacientes, os líderes naturais em uma sala de emergência ou de uma equipe multidisciplinar. No entanto, quando o campo se expande para além do atendimento clínico e entra na gestão de pessoas, processos e negócios, os desafios da liderança se tornam mais complexos. E, para superá-los, o primeiro passo é o autoconhecimento.

Por que o autoconhecimento é essencial para a liderança médica?

Autoconhecimento é a base da liderança efetiva. Saber quem somos, quais são nossos valores, motivações, forças e fraquezas nos permite liderar com autenticidade e propósito. Na prática médica, isso pode parecer secundário, mas a realidade mostra o contrário. Como podemos tomar decisões que impactam nossas equipes, pacientes e negócios se não entendemos como nossos próprios vieses, emoções e comportamentos influenciam essas escolhas?

Aqui, a reflexão de Simon Sinek no livro “Encontre Seu Porquê” é fundamental. Ele introduz o conceito do Golden Circle, uma estrutura composta por três níveis1:

  1. O que fazemos – as ações concretas que realizamos;
  2. Como fazemos – as estratégias e processos que usamos;
  3. Por que fazemos – a razão mais profunda que nos move.

Sinek explica que líderes inspiradores começam pelo centro, pelo porquê. Descobrir o seu porquê é um exercício de autoconhecimento que nos ajuda a alinhar nossas ações e decisões com nossos valores fundamentais. Quando aplicamos isso à liderança médica, a mensagem é clara: não basta saber tratar um paciente ou gerenciar uma equipe; precisamos entender profundamente por que fazemos isso. Somente assim podemos inspirar confiança, engajamento e propósito em nossas equipes.

Minha experiência com o autoconhecimento

Esse conceito foi transformador na minha jornada pessoal. Quando comecei a refletir sobre o meu porquê, percebi o quanto isso me ajudou não apenas a me conhecer melhor, mas também a entender melhor as pessoas ao meu redor. Compreender minhas motivações, medos e limitações foi o primeiro passo para me tornar um líder mais consciente e empático. E a verdade é que não há como liderar sem conhecer as pessoas. E não há como conhecer as pessoas sem, antes, mergulhar profundamente no seu próprio autoconhecimento.

Por exemplo, em momentos de crise, como durante a pandemia de COVID-19, esse entendimento foi essencial. Saber quais eram os meus valores e o que realmente me movia me ajudou a tomar decisões difíceis com mais clareza e agilidade. E, mais importante, me permitiu enxergar e respeitar as necessidades e emoções das pessoas que eu liderava. Essa conexão com o outro só foi possível porque comecei a fazer as pazes com minhas próprias verdades.

O desafio da jornada do autoconhecimento

A jornada do autoconhecimento, no entanto, é tudo menos simples. Ela desafia crenças profundamente arraigadas, questiona padrões culturais e expõe verdades que muitas vezes preferimos ignorar. É um processo doloroso porque nos obriga a confrontar não apenas nossas falhas, mas também nossas inseguranças, medos e histórias não resolvidas.

Muitas pessoas não têm coragem de enfrentar suas próprias verdades. Preferem manter o status quo, evitando o desconforto que acompanha o crescimento. Mas a verdade é que esse trabalho interno é libertador. A partir do momento em que começamos a ver os resultados dessa busca, percebemos o quanto vale a pena. O autoconhecimento nos dá clareza sobre quem somos, sobre nosso propósito e sobre como podemos liderar com mais eficácia.

Simon Sinek reforça isso em sua abordagem do porquê: “As pessoas não compram o que você faz; elas compram por que você faz.” Da mesma forma, as pessoas não seguem líderes pelo cargo que ocupam, mas pelo propósito que eles representam. Esse propósito só pode ser encontrado se estivermos dispostos a mergulhar fundo e enfrentar nossas verdades internas.

O impacto do autoconhecimento na liderança

Quando médicos assumem papéis de gestão, a falta de autoconhecimento pode resultar em decisões impulsivas, conflitos não resolvidos e até na perda de talentos valiosos. Por outro lado, líderes autoconscientes conseguem:

  1. Reconhecer seus próprios limites e buscar ajuda quando necessário;
  2. Escutar ativamente, valorizando as perspectivas de outros membros da equipe;
  3. Construir uma cultura no seu negócio baseada em confiança e transparência.

Além disso, líderes que se conhecem bem são mais empáticos. A empatia é um dos traços mais importantes na liderança contemporânea, especialmente na área da saúde, onde o trabalho é muito humano. Autoconhecimento e empatia andam de mãos dadas: quando entendemos nossas próprias emoções, conseguimos nos conectar melhor com os outros.

Como iniciar a jornada do autoconhecimento?

Felizmente, o autoconhecimento pode ser cultivado. Aqui estão algumas práticas que podem ajudar médicos a se conhecerem melhor e, consequentemente, liderarem com mais eficácia:

  1. Descubra o seu porquê: use as reflexões propostas por Simon Sinek em Entenda Seu Porquê. Pergunte-se: o que realmente me motiva? Qual o impacto que quero deixar no mundo?
  2. Feedback 360°: peça feedback de colegas, subordinados e supervisores. Pergunte como suas ações impactam os outros. O feedback pode ser desconfortável, mas é uma das ferramentas mais poderosas para identificar pontos cegos.
  3. Reflexão regular: reserve um tempo para refletir sobre suas decisões e interações. Pergunte a si mesmo: “Por que tomei essa decisão? Como me senti? Poderia ter agido de forma diferente?”
  4. Mentoria: procure mentores que possam oferecer perspectivas diferentes sobre sua liderança. Um mentor experiente pode ajudar a identificar padrões de comportamento que você talvez não perceba.
  5. Mindfulness: práticas de atenção plena ajudam a aumentar a autoconsciência, permitindo que você reconheça e regule suas emoções de maneira mais eficaz.

Liderar para cuidar

Assim como a Medicina exige um profundo conhecimento técnico, a liderança requer um profundo conhecimento de si mesmo. No fim, liderar com excelência é também uma forma de cuidar — de nossas equipes, nossos pacientes e nossos negócios.

Autoconhecimento é um trabalho contínuo e desafiador, mas ele transforma o líder e impacta positivamente todos ao seu redor. Quando damos o primeiro passo para descobrir quem somos e por que fazemos o que fazemos, não apenas nos tornamos líderes melhores, mas também mais humanos.

Nos próximos artigos, continuaremos a explorar os desafios e oportunidades da liderança na área da saúde. Porque, no mundo moderno, o médico que lidera com autoconhecimento lidera com propósito.

Vamos juntos mexer nessa nossa gaveta escondida?

Referências

  1. SINEK, Simon; MEAD, David; DOCKER, Peter. Encontre seu porquê. 1. ed. Rio de Janeiro: Sextante, 11 de outubro de 2018. 192 p.