O eterno (e necessário) debate sobre a sustentabilidade do nosso setor abriga várias camadas de interpretações sobre quais são os melhores caminhos para alcançar o desejado equilíbrio. Pela própria natureza multifacetada da área, com muitos atores, instâncias e instituições, a busca por soluções também demanda múltiplas respostas. Algumas passam, necessariamente, pela educação.

Propostas educacionais voltadas a médicos podem trazer benefícios a médio e longo prazo. Com a estimativa de dobrar o número desses profissionais até 2035, a discussão sobre a qualidade e a pertinência da formação da categoria se torna ainda mais urgente.

A formação médica tradicional, com foco predominante em conhecimentos técnicos e clínicos, tem se mostrado insuficiente para atender às demandas do complexo sistema de saúde. A crescente necessidade por profissionais com habilidades de gestão, visão estratégica, capacidade de lidar com os desafios e avanços tecnológicos e compreensão profunda dos desafios do setor, especialmente no que se refere à sustentabilidade, exige uma reestruturação curricular nas faculdades de medicina.

A falta de conhecimento em gestão entre os médicos brasileiros é um problema já reconhecido. Atualmente, apenas 44,44% das principais faculdades de medicina do Brasil oferecem disciplinas relacionadas à gestão e ao empreendedorismo1. Além disso, a maioria das disciplinas existentes são eletivas, o que significa que grande parte dos estudantes opta por não cursá-las, priorizando outras áreas de conhecimento.

Por experiência própria, após minha formação numa escola médica de referência no Rio de Janeiro, só fui ter contato com temas relacionados a gestão no dia a dia da vida profissional. Não só indicadores de eficiência, mas também a própria gestão da qualidade ou análise de eventos adversos eram temas completamente negligenciados pelo currículo na década de 1990, quando me formei.

A inserção de disciplinas na grade curricular que abordem temas como financiamento do sistema de saúde, alocação eficiente de recursos, análise de custos e benefícios de tratamentos, impacto de políticas públicas e avaliação de tecnologias em saúde permitiria a melhor compreensão da complexa relação entre saúde, economia e sociedade.

Disciplinas estas que vão além da teoria, promovendo a aplicação prática dos conceitos em cenários reais, com simulações de gestão, estudos de caso, visitas técnicas a instituições de saúde e a participação em projetos de pesquisa. Desta forma, se criaria um processo poderoso para desenvolver a capacidade de análise crítica, a criatividade na busca por soluções e a habilidade de trabalhar em equipe.

A partir desses conhecimentos, os novos médicos estariam mais preparados para tomar decisões clínicas e administrativas mais eficazes, considerando não apenas o bem-estar individual do paciente, mas também o impacto de suas escolhas no sistema como um todo. Entenderiam a importância de priorizar tratamentos que gerem valor, otimizar o uso de recursos e buscar soluções inovadoras que maximizem a saúde da população dentro de um orçamento limitado.

Investir em médicos com visão holística e habilidades de gestão, com sólida base em Economia da Saúde, significa criar uma geração de agentes transformadores que promoverão a otimização de processos e a condução eficiente de equipes, garantindo a qualidade do atendimento e a viabilidade financeira do sistema. Este investimento precisa ser iniciado desde a formação básica desses profissionais e se estender ao longo da carreira através de cursos de formação continuada, cuja oferta já se encontra mais bem estabelecida pelos grandes players de saúde.

É preciso superar a visão fragmentada da formação médica, empoderando os futuros profissionais com as ferramentas necessárias para enfrentar os desafios do século 21 e garantir o bem-estar da população de forma integral e duradoura. A adaptação do currículo médico é um passo crucial nesse processo, empoderando os futuros colegas com ferramentas para promover o equilíbrio e a perenidade do sistema e para a construção de um sistema de saúde mais justo, eficiente e sustentável no Brasil.

Referência
Slawka, Eric & Novais, Mário. (2021). Gestão em saúde: nova disciplina nos cursos de medicina. Revista de Medicina. 100. 212-219. 10.11606/issn.1679-9836.v100i3p212-219.