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O Amigo do Peito de Todos os Brasileiros (1929-2014)

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Em seu blog Monitor de Saúde, André Médici escreve sobre a trajetória do “mais importante cardiologista brasileiro”, inclusive conta suas experiências na presença de Adib Jatene

Uma das frases de Jatene que o economista da saúde não esquece foi “trabalho não mata...o que mata é a raiva”.

Confira trechos de “O Amigo do Peito de Todos os Brasileiros (1929-2014)”

Adib Domingos Jatene (Dr. Adib, como era conhecido pelos que o admiravam) foi, sem vias de dúvida, o mais importante cardiologista brasileiro, mas suas realizações, certamente, vão muito além disso. Dr. Adib contribuiu para trazer mais recursos para o SUS e organizar sua estrutura. Apolítico e apartidário, passou quase toda sua vida em consultórios, laboratórios e hospitais, mas ocupou importantes cargos públicos, tendo sido Secretário de Saúde do Estado de São Paulo entre 1979 e 1982 (Governo Paulo Maluf) e por duas vêzes Ministro da Saúde: no Governo Fernando Collor de Melo, durante um breve período de oito meses em 1992, e Fernando Henrique Cardoso, onde ficou quase dois anos, durante 1995 e 1996.

A Dedicação aos Temas do Coração
Desde formado, Dr. Adib dedicou quase toda sua vida aos temas do coração, com alta distinção técnica, profissional e acadêmica, tendo sido responsável por várias inovações. Entre 1955 e 1957 mudou-se para Uberaba para clinicar e lecionar anatomia topográfica na Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, onde foi o primeiro a realizar cirurgia toráxica na Região e inventou o primeiro modelo de coração-pulmão artificial.

Ao voltar para São Paulo em 1958, passou a ser professor da Faculdade de Medicina e médico do Hospital das Clínicas e a trabalhar como cirurgião no Instituto do Coração (posteriormente Instituto Dante Pazzanese), vinculado a Secretaria de Saúde do Estado. No Hospital de Clínicas, com seus conhecimentos de engenharia e cardiologia, aperfeiçou e construiu seu segundo modelo de coração-pulmão artificial, criando, a partir daí, um Departamento de Bio-Engenharia para o desenvolvimento de equipamentos auxiliares para cirurgia e tratamento de pacientes agudos. Em 1961 concentrou suas atividades no Instituto do Coração, onde foi o chefe do Laboratório Experimental e de Pesquisa, com o desenvolvimento de vários aparelhos e instrumentos, tais como oxigenadores de bolhas e de membrana, válvulas de disco basculante, etc. Alguns destes equipamentos foram patenteados e são produzidos industrialmente sob licença no Brasil e no exterior (2). Sobre este tema, o Dr. Adib comentou em entrevista ao Dr. Dráuzio Varella:

Até hoje, no exterior, existe certa perplexidade diante do fato de um país como o Brasil, com renda per capita tão baixa, ter-se tornado um dos lugares de maior desenvolvimento da cirurgia cardíaca, inclusive criando técnicas absolutamente originais. Isso, em grande parte, deve-se à atuação do Prof. Zerbini que estimulava muito o pessoal. No Hospital das Clínicas, por exemplo, quando comecei a mexer com mecânica e fazer coração artificial, ele me estimulou a montar uma oficina e nós fabricamos máquinas para circulação extracorpórea. Depois, no Hospital Dante Pazzanesi, fabricamos válvulas cardíacas artificiais, marcapassos, adaptando-os ao nosso nível tecnológico o que não ocorreu em outros países que importavam máquinas americanas e europeias.

Em 1975 o Instituto de Cardiologia do Estado de São Paulo passou a se chamar Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia (IDPC) em homenagem ao médico – professor de todos – que nos anos anteriores avançou em técnicas e pesquisas nesta área. Mas, em função dos desenvolvimentos na área de bio-engenharia criados pelo Dr. Adib, em 1984, um grupo de médicos e funcionários do IDPC, decidiram criar a Fundação Adib Jatene (FAJ), que através de um contrato com a Secretaria de Saúde e, dentro do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, passou a desenvolver novos projetos, produzir e comercializar os produtos com o objetivo de apoiar novas pesquisas de tecnologia na área médica e investir os recursos na estrutura física funcional do IDPC. O objetivo principal da Divisão de Bioengenharia da FAJ é fomentar pesquisa e desenvolvimento de equipamentos médicos, experimentos “in vitro” e “in vivo”, produção e comercialização de equipamentos e acessórios para a área de cardiologia, consultorias, orientação de alunos, convênios com universidades, além de projetos de financiamento com entidades filantrópicas de fomento à pesquisa.

No campo cirúrgico, Dr. Adib inovou na vascularização do miocárdio e de cardiopatias congênitas, incluindo o desenvolvimento de técnicas cirúrgicas infantis. Uma das técnicas cirúrgicas por ele inventadas – a correção de transposição dos grandes vasos da base – passou a ser conhecida como Operação de Jatene e tem sido empregada em todo o mundo. Escreveu e publicou mais de 700 trabalhos científicos e foi membro de dezenas de sociedades científicas, no Brasil e no mundo, tendo recebido cerca de duas centenas de títulos honoríficos em mais de 10 países (3).

Fez mais de 20 mil cirurgias cardíacas e chefiou equipes que realizaram mais de 100 mil operações desta natureza. Desde 1977, foi Diretor Geral do Hospital do Coração (Hcor) da Associação Sanatório Sírio. Em maio de 1989 foi eleito membro titular da Academia Nacional de Medicina, ocupando a cátedra número 29, cujo patrono é Euryclides de Jesus Zerbini. Entre 1990-1994 foi Diretor da Faculdade de Medicina da USP. Foi membro honorário daAmerican Association for Thoracic Surgery (1984); da American Surgical Association (1998); do American College of Surgeons (1998); e da European Association for Cardio-Thoracic Surgery – Eacts (Mônaco, Monte Carlo, 2002).

Além de tudo isso, foi presidente, entre outras, das seguintes entidades: Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (1977-1979, também sócio fundador e o primeiro presidente); Departamento de Cirurgia Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia (1981-1985); Conselho Nacional de Secretários da Saúde – Conass (1980, membro fundador e primeiro presidente); Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular (sócio fundador e primeiro presidente). Foi integrante do Conselho Nacional de Seguridade Social e do Conselho Nacional de Educação.

(...)

Considerações Finais
Dr. Adib foi uma referência para mim. Durante os anos de 1995 e 1996, quando morava em São Paulo e era consultor do Projeto REFORSUS, tivemos uma relação relativamente próxima. Devo muito a ele por ter feito uma cirurgia maior em meu sogro, que tinha problemas cardíacos sérios. Levei-o para consultar com o Dr. Adib no Hcor. Com sua notável precisão, me lembro quando passou para nós o video da angiografia e agendou quatro intervenções (tres safenas e uma mamária). Após a cirurgia bem sucedida de meu sogro, afirmou categoricamente que a operação foi um sucesso, deu todas as indicações para o pós-operatório e disse que meu sogro poderia morrer de qualquer outra coisa: menos do coração. E assim aconteceu.

Em meus retornos para o Brasil, costumava encontrar o Dr. Adib em conferências que participava sobre temas de financiamento, na USP, no Instituto Fernando Henrique Cardoso, na Feira HOSPITALAR, ou em outras áreas. Sempre com opiniões fortes sobre o tema de financiamento e soluções para aumentar os recursos. Para ele, haveria a neessidade de dobrar os investimentos em saúde no Brasil (5).

Embora apartidário e apolítico, Dr. Adib não teve um envolvimento maior com os governos petistas. Em 2013, chegou a presidir uma comissão de especialistas que ajudou o governo federal na formulação de projeto para mudanças no ensino médico, mas se afastou depois que o governo de Dilma Rousseff lançou, à revelia da comissão, o programa Mais Médicos. Ele defendia que o ensino médico precisa ser avaliado para não cometer os mesmos erros atuais. Para ele, frente a todo o conhecimento científico e tecnológico aplicado à medicina, os 6 anos de faculdade são poucos. O médico deveria trabalhar mais 2 anos na atenção básica, no Programa Saúde da Família – PSF – em contato com a população e às suas demandas, e o ideal seria uma supervisão desse trabalho por parte das escolas médicas, antes do médico seguir à residência.

Dr. Adib morreu no dia 14 de Novembro, de um infarto do miocárdio. Em 2012 já havia posto um stent e recentemente sofria de problemas correlatos. Mas como workaholic, nunca deixou de trabalhar. Me lembro de uma frase sua, dita para mim e meu sogro durante uma consulta: “trabalho não mata...o que mata é a raiva”. Dr. Adib deixa a esposa Aurice Biscegli Jatene e quatro filhos -os médicos Ieda, Marcelo e Fábio e a arquiteta Iara. Sua contribuição à medicina e a saúde no Brasil é parte inesquecível da memória coletiva e da historia social brasileira.

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