A formação médica especializada no Brasil enfrenta um descompasso alarmante entre a oferta de especialistas e a crescente demanda por atendimento, especialmente no Sistema Único de Saúde (SUS). Dados preliminares do estudo Demografia Médica no Brasil 2025 apontam a necessidade urgente de reavaliar o modelo de especialização para garantir profissionais qualificados onde são mais necessários. Atualmente, o país conta com mais de 260 mil médicos generalistas – quase metade do total de profissionais em atuação. 

Em 2022, 25.500 médicos se formaram, mas em 2023 havia apenas 16.000 vagas de residência médica. Esse déficit de quase 10 mil vagas impacta diretamente a saúde pública. A exigência do Conselho Federal de Medicina (CFM) de que a residência seja o único caminho para a especialização restringe o acesso da população a médicos especializados, sobretudo nas regiões mais remotas. 

Especialização além da residência 

Para Eduardo Teixeira, presidente da Associação Brasileira de Médicos com Expertise de Pós-Graduação (Abramepo), o cenário exige uma revisão urgente dos caminhos de especialização. “A maior parte desses 260 mil médicos sem registro de especialidade no CFM já atua como especialista, mas não tem o reconhecimento formal porque seguiu a via da pós-graduação lato sensu, e não da residência. São profissionais qualificados que poderiam ajudar a suprir a carência de especialistas no país”, afirma o cirurgião. 

A pós-graduação lato sensu é uma modalidade legítima de especialização, respaldada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que confere ao Ministério da Educação (MEC) a regulamentação desses cursos. “Há cursos de pós com carga horária e conteúdo programático comparáveis, e até superiores, aos das residências médicas”, destaca Teixeira, que também é professor titular da Escola de Medicina e Cirurgia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). 

Frente ampla pela regulamentação 

Diante desse cenário, a Abramepo propõe a criação de uma frente integrada pelo Ministério da Educação, Ministério da Saúde e entidades médicas para regulamentar os cursos de pós-graduação médica, consolidando-os como uma via legítima de especialização. “A falta de vagas na residência médica exige o reconhecimento da pós-graduação lato sensu como alternativa. Para isso, precisamos estabelecer critérios rigorosos de qualidade e criar um modelo regulatório eficaz. Esse diálogo é essencial para garantir o reconhecimento dos profissionais qualificados e enfrentar a escassez de especialistas no Brasil”, reforça Teixeira. 

Limitações impostas pelo CFM e impacto na saúde pública 

A Lei 3.268/57 permite que qualquer médico inscrito nos Conselhos Regionais de Medicina (CRM) atue em qualquer área. No entanto, uma norma do CFM restringe a divulgação de títulos de pós-graduação, mestrado e doutorado. Isso gera impactos diretos na saúde pública: muitos editais de concursos do SUS exigem o Registro de Qualificação de Especialista (RQE), e diversos convênios médicos não credenciam profissionais sem essa certificação. 

“Na prática, o médico pode atuar, mas não pode informar os pacientes sobre sua especialidade. Isso exclui especialistas do SUS e dos planos mais acessíveis, prejudicando justamente quem não pode pagar consultas particulares. Se nada for feito, a saúde pública enfrentará um colapso”, alerta o presidente da Abramepo. 

O caminho para a solução 

Revisar o modelo de especialização médica no Brasil é essencial para equilibrar a oferta e a demanda por especialistas no SUS. A proposta da Abramepo apresenta uma alternativa viável para garantir profissionais qualificados sem comprometer a qualidade da formação. “É fundamental que autoridades e entidades médicas unam esforços para implementar mudanças estruturais e assegurar o cumprimento da Constituição, que garante o direito de todos os brasileiros à saúde”, conclui Teixeira.