Mais do que uma metodologia, o sistema Lean aproxima-se de uma filosofia, de uma maneira de pensar, há quem arrisque caracterizá-lo como ?um estado de espírito?. A certeza é que, originado do modelo Toyota de produção há mais de vinte anos, sua aplicação em diversas indústrias é capaz de eliminar desperdícios e aumentar a qualidade do serviço por meio de processos bem estruturados.
Os dez anos de existência do Lean Institute Brasil (LIB), que dissemina o sistema lean no País, e as 16 demais representações espalhadas pelo mundo, certificam o crescimento e os resultados bem-sucedidos do modelo.
Dentre as diversas ferramentas atreladas ao conceito e benefícios conquistados apresentados durante o 1° Lean Summit Saúde, realizado na última terça-feira (26/11) em São Paulo, o que mais chama a atenção é o primor pela simplicidade e a não dependência tecnológica para sua adoção.
?O lean não é tecnologia, mas mudança de processos. Primeiro é preciso simplificar e a tecnologia pode ser utilizada apenas como suporte?, ressalta John Toussaint, fundador e CEO do Thedacare Center for Healthcare Value, entidade dedicada a divulgar o sistema nos EUA e integrante do Lean Institute.
Segundo ele, muitos hospitais que investem no Prontuário Eletrônico do Paciente, antes de reorganizar sua linha de assistência, diminuem sua produtividade drasticamente e geram um retrabalho para as equipes, que já não possuem os processos bem planejados, ainda têm que se adequar ao sistema.
O pensamento enxuto, de evitar gastos desnecessários em qualquer ambiente hospitalar, norteia o lean, resumido em seis princípios por Toussaint:
- Criação de valor ao paciente (análise de fluxo de valor)
- Unidade de propósito (norte verdadeiro)
- Melhoria contínua (busca pela perfeição)
- Gerenciamento visual e entender o fluxo do paciente
- Padrões de trabalho para as áreas administrativas e processos clínicos
- Respeito às pessoas
Durante a explanação, o executivo deixa claro que não adianta entender a metodologia se não houver uma plano estratégico para implementá-la. ?Assim como na medicina o diagnóstico é a parte mais difícil, na administração a identificação do problema também o é?, diz o CEO, afirmando que identificar os gaps é a parte mais importante.
Para isso, o gestor precisa ir ao Gemba – um dos termos chave do Lean – que significa o ambiente onde o valor é criado. No caso da saúde é mandatório que os altos executivos circulem pelas áreas hospitalares (clínicas, salas de cirurgia, farmácia, salas de emergência, centros ambulatoriais, etc.), observem o trabalho, entendam como está funcionando, façam perguntas e aprendam com os colaboradores. ?O líder nunca pode achar que já tem as respostas, que já sabe tudo?, enfatiza.
A proximidade com o corpo clínico, os diálogos constantes e as tentativas de consenso referente a forma que o lean será introduzido deve ser frequentes. ?As resistências sempre vão existir, mas os ganhos para os profissionais também?. O envolvimento de todos para que a transformação aconteça é fundamental e a paciência é um dos importantes atributos para o líder.
Inspirado no Japão e, por isso, imbuído pela mentalidade japonesa, o lean, de fato, reflete uma mudança drástica de cultura dentro das instituições brasileiras. Para a presidente e COO (Chief Operating Officer) do Thedacare Center for Healthcare Value, Helen Zak, os problemas devem ser ?comemorados e não empurrados para baixo do tapete?.
Com formação médica e tendo atuado na área, Toussaint conta que durante muitos anos solicitou que os resultados dos exames de seus pacientes estivessem prontos e disponíveis todas as manhãs às 6h00 quando chegasse ao hospital, fato que nunca virou realidade. ?Eles não tinham processos. A gestão por processos é o maior entrave da saúde atualmente?, afirma.
Prestadores como o Hospital São Francisco, de Ribeirão Preto, Hospital São Camilo (SP) e Instituto de Oncologia do Vale (IOV) apresentaram os benefícios conquistados com o Lean e o aspecto em comum entre eles são o cuidado para que as informações importantes estejam disponíveis a todos os envolvidos. E isso acontece de maneira visual, em painéis ou quadros, sempre atualizados. Além disso, rápidas reuniões são diariamente realizadas para o alinhamento entre todos, efetuar o controle da qualidade ou possíveis sugestões de melhorias.
Tais encontros, conhecidos pelo termo kaizen, possibilitam uma visão mais sistêmica do trabalho e das necessidades dos fluxos de valor, resultando em uma melhoria contínua.
Depois de uma jornada de seis anos sob os preceitos do lean, o New York City Health and Hospital Corporation obteve US$ 315 milhões de nova receita e economia de custos e o Akron Children?s Hospital, por exemplo, eliminou mais de 48 mil dias de espera desde que redesenhou seu processo de atendimento ambulatorial.
Outra dica fundamental apontada pelo CEO aos executivos presentes ao Summit é que a compreensão da metodologia acontece apenas em campo, no dia a dia, e não com treinamentos e conceituações.
Conduzir essa transformação exige, além de visão de negócio, sabedoria para lidar com as pessoas, entendê-las como parte integrante e confiar que todas têm a capacidade de reconhecer o valor do método e, assim, engajar-se a ele.
Toussaint listou o que deve ser mudado no aspecto comportamental do líder:
- De sabe tudo ? para humildade
- Encarregado ? curiosidade
- Autocrático ? facilitador
- Valor para aqui (Buck stops here) ? professor
- Impaciente ? estudante
- Culpando ? comunicador
- Controlador ? perseverante