O EmpreenderSaúde achou que só analisar e informar o mercado de startups em saúde era muito pouco e decidiu ir para a prática. Todos os meses, no EmpreenderSaúde, estaremos realizando o StartupLab, um exercício realizado com a equipe do ES, voluntários e eventualmente convidados, em geral, estudantes de medicina de Universidades como USP, UNIFESP, Santa Casa e Unicamp. Nosso objetivo é estudar alguns mercados na área de saúde, olhando benchmarks e Startups de sucesso no mundo e replicar sua criação, analisando os recursos necessários e seus modelos de negócio. Como acreditamos em difundir o conhecimento como forma de mudar a saúde, decidimos a partir de maio abrir a casa do ES para 5 pessoas que desejar participar. Se tiver interesse, você encontrará maiores informações ao final da matéria.

Nessa semana, escolhemos o tema Interações Medicamentosas.

Dividiremos o processo em alguns tópicos, explicando o passo-a-passo realizado por nós.

O problema

Verificamos que, frequentemente, os pacientes consomem medicamentosque não poderiam ser tomados juntos, porque eles têm algum tipo de interação medicamentosa, seja ela farmacocinéticas, farmacodinâmica, de efeito e/ou físico-químicas. Quanto aos médicos, muitos não sabem as interações existentes entre os compostos mais populares consumidos pelos pacientes e, quando não sabem, não possuem acesso à informação. Não foram encontrados dados sobre o custo deste problema no Brasil, pois a interação é subdiagnosticada e o sistema não é integrado de forma suficiente para que as reações do paciente sejam consideradas efeito da interação medicamentosa. O médico também não tem a informação de todos os medicamentos e, geralmente, nem dos medicamentos mais vendidos no Brasil.

Concorrentes

Quanto às soluções já existentes, coletamos os seguintes exemplos:

  • Evita
  • Epócrates
  • Interação Medicamentosa Edição 2011 – Lite
  • Medscape
  • MedAware
  • Drugs.com
  • Healthline.com
  • WebMD
  • Walgreens e CVS (ambos tem uma plataforma on-line sobre interações)
  • Gold Standard Elsevier
  • RxList
  • Medikly
  • AdverseDrugs
  • Aplicativo da Sandoz de Interações Medicamentosas

Fonte de Informação

Ao procurarmos os tipos de interações medicamentosas existente, encontramos na  Anvisa a principal fonte de informação. A Rede Sentinela, programa da Anvisa, é uma estratégia da Vigilância Sanitária Pós-Uso/Pós-Comercialização de Produtos (Vigipós), que visa à prevenção de riscos associados ao consumo de produtos sujeitos à vigilância sanitária. A rede funciona como observatório nos serviços para o gerenciamento de riscos à saúde, e atua em conjunto com o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS).

Impasses

Ao longo do estudo de mercado, surgiram alguns impasses pensados.

  1. O usuário pode culpar o sistema pela baixa probabilidade de interação? (utilizamos alguns medicamentos concomitantemente pois os riscos de interação são baixos, pesando risco-benefício, mas quando acontece com alguém, é culpa do sistema? Alguém deveria ser responsabilizado por isso?)
  2. Existem bancos de dados confiáveis e atualizados no Brasil em português?
  3. Nós não tinhamos estes dados, então no caso de criarmos uma solução para o setor, por que uma empresa nos daria estas informações e que custo isso teria?
  4. Qual a conduta em relação aos pacientes que fazem uso de offlabel (indicações não aprovadas)?
  5. Qual a posição da startup para o manejo clinico de pacientes nos casos em que uma interação ocorresse? Teriamos algum serviço/suporte para isso? Talvez de referência dos centros médicos especializados mais próximos?

Clientes

Quando pensamos nos clientes, fizemos uma reflexão sobre quem poderia se beneficiar do tipo de negócio montado pela possível empresa. Tanto planos B2B quanto B2C foram pensados para chegar ao melhor produto possível para cada cliente. Para cada um deles, fizemos considerações sobre os pontos fortes e fracos que poderiam influenciar na decisão.

1- Farmacêutica

Quanto a este segmento, o ES considerou que a informação não interessa, pois as empresas já possuem estas informações e, caso seja impresso nos seus medicamentos, poderia gerar uma diminuição do consumo devido a receio do consumidor final.

Modelo: não pensado, pois o cliente foi desconsiderado nos testes (Se você discorda, comente abaixo).

2- Hospital

Para o Hospital, foi considerada que a informação já existe disponível e que a criação de um mecanismo de busca de fácil acesso poderia ser incluído em prontuários utilizados pelo sistema, o que nos leva ao próximo cliente possível.

Modelo: venda de totem/tela touch para consulta

3- Empresas de prontuários eletrônicos

Alguns prontuários eletrônicos já possuem este tipo de informação, permitindo ou não a recomendação de uma droga, quando o paciente faz uso de outra. Para os que não possuem, a ferramenta poderia ser interessante, mas é de possível adição à produção própria da empresa, tornando o produto um feature e não um business próprio e podendo ser desnecessário. E não queriamos criar uma solução que já houvesse no mercado.

Modelo: venda de ferramenta para adaptação do prontuário eletrônico.

4- Médico

O médico poderia fazer uso do aplicativo, mas muitos ainda procuram nos livros ou em ferramentas de busca da internet e, com o uso frequente para os medicamentos mais frequentes, o aplicativo poderia ficar obsoleto, uma vez que a maioria dos médicos prescreve os mesmo 20-30 medicamentos sempre, a partir do momento que já tivesse memorizado a interação desses, diminuiria muito o uso do aplicativo.

Modelo: venda de app + browser.

5- Consumidor final

Consideramos o consumidor final um cliente em potencial, porque a informação não está disponível facilmente, é de alta relevância para o paciente e eles podem ter benefícios de uma plataforma mais user-friendly que as fontes disponíveis. Aqui, apesar de sermos bastante pró-tecnologia, sabemos que a maioria da nossa população ainda não tem smartphones ou tem dificuldade baixando aplicativos (cuja taxa de uso é muito pequena após 1-2 semanas do download), então achamos que um folheto simples, vendido na aquisição de um medicamento, seria uma maneira simples e rápida de dizer: “Comprou omeprazol? Tome cuidado se for tomar ou se toma carbamazepina, clopidogrel, fenitoína, etc (possíveis interações). Consulte seu médico antes de fazer uso dos dois remédios ao mesmo tempo”. No século do paciente empoderado, que tem mais informações e pode/vai demandar mais qualidade dos serviços, e dos médicos que não conhecem as interações e por isso deixam a maioria delas passar em branco, isso pode fazer com que o assunto interações medicamentosas volte à discussão, volte à ser uma preocupação de todos no setor, e diminuam bastante os custos relacionados à internações e prestação de serviços de saúde relacionados à essas interações.

Modelos: venda de folhetos com aquisição do remédio, venda de livro para consulta, venda de app.

Governo

O Governo (na forma de seus ministérios e secretarias) poderia ser um cliente em potencial para atividades de saúde pública, mas poderia ser incluído, também, no escopo de atividades desenvolvidas pelo próprio governo, tornando a ferramenta desnecessária.

Modelo: venda de material impresso ou app para distribuição e consulta.

Processo

Consulta dos medicamentos mais comuns:

Para isso, verificamos uma lista dos medicamentos mais vendidos no Brasil para verificarmos relevância das reações medicamentosas para eles. Caso não houvesse reações importantes com os medicamentos mais comuns, consideraríamos a oportunidade menos relevante, pois a demanda e frequência das interações seria baixa.

Medicamentos mais vendidos entre Fev/2013 e Fev/2014. (Fonte: Saúdeweb)

  1. RIVOTRIL – ROCHE (1.380.164)
  2. LOSARTANA POTASSICA – GENÉRICO (1.373.369)
  3. GLIFAGE XR – MERCK (1.131.221)
  4. AMOXICILINA – GENÉRICO (729.028)
  5. HIDROCLOROTIAZIDA – GENÉRICO (727.332)
  6. CEFALEXINA – GENÉRICO (670.381)
  7. ATENOLOL – GENÉRICO (663.235)
  8. METFORMINA – GENÉRICO (591.534)
  9. ARADOIS – BIOLAB SANUS (519.962)
  10. CIPROFLOXACINO – GENÉRICO (513.497)
  11. ALPRAZOLAM – GENÉRICO (512.140)
  12. CLONAZEPAM – GENÉRICO (511.172)
  13. SINVASTATINA – GENÉRICO (508.292)
  14. ASTRO – EUROFARMA (501.794)
  15. ENALAPRIL – GENÉRICO (498.368)
  16. AZITROMICINA – GENÉRICO (486.384)
  17. BIOMAG – ACHE (418.610)
  18. CLAVULIN BD – GLAXOSMITHKLINE (415.603)
  19. TYLEX – JANSSEN CILAG (394.937)
  20. SERTRALINA – GENÉRICO (342.252)

Considerando esta lista, houve interações importantes entre medicamentos que, com frequência, são consumidos concomitantemente, como do omeprazol com o diazepam, por exemplo. A partir daqui, consideramos importante realizar um teste com os clientes em potencial. Os mais relevantes, de acordo com a discussão, foram o médico e o consumidor final.

Métodos do teste

A equipe do ES se dividiu em dois grupos (A e B). O grupo A foi com 3 pessoas para a porta de uma farmácia próxima ao Hospital São Paulo (UNIFESP) para abordar pessoas, na saída da farmácia e questioná-las sobre os medicamentos comprados e possíveis interações. O grupo B, com a mesma missão, estava com 2 pessoas em uma drogaria próxima ao Hospital, mas um pouco mais distante que o primeiro grupo. Nos preocupamos em ter pelo menos um médico em cada grupo caso fosse necessário ou houvesse qualquer questionamento.

Seguem as perguntas:

  1. Quais os medicamentos que compraram?
  2. Você sabe que alguns medicamentos, se tomados juntos, podem fazer mal?
  3. Você sabe se esse medicamento tem interação medicamentosa? (Se sim, como sabe?)
  4. Intervenção: Informávamos as interações à eles dos medicamentos que comprávamos
  5. Você gostou de saber disso?
  6. Como você procuraria a informação?
  7. Você pagaria por essa informação?

Respostas

Grupo A

O grupo A não conseguiu sujeitos suficientes para a pesquisa e não considerou profissionais de saúde como sujeitos possíveis. Ao realizar a pesquisa, quatro pacientes estavam com pressa, pois tinham familiares internados no hospital e optaram por não responder as questões, três profissionais de saúde estiveram no local e três casais com crianças de colo não foram questionados para não haver exposição da criança, pois a noite estava bastante fria. O segurança da farmácia, além disso, solicitou que a equipe se retirasse do local, alegando necessidade de uma autorização para a realização da pesquisa. Assim, o grupo continuou a pesquisa um pouco mais distante do local.

Indivíduo (Profissional de saúde?) Não Não
Quais os medicamentos? Dipirona (Dorflex) e  Bisacodil (lactopurga) Clonazepam e Clomipramina
Você sabe que alguns medicamentos, se tomados juntos, podem fazer mal? Não Não
Você sabe se esse medicamento que comprou tem interação medicamentosa? (Se sim, como sabe?) Não Não
Informe as interações
Você gostou de saber disso? Sim Sim
Como você procuraria a informação? Médico / Google Médico
Você pagaria por essa informação? Não Sim

Grupo B

Este grupo considerou profissionais de saúde na pesquisa e conseguiram realizar a avaliação por completo.

Indivíduo (Profissional de saúde?) Não Não Não Não Não Não Não
Quais os medicamentos? Dipirona Afim Diovan Cloxazolam Rivotril (Clonazepam) Paracetamol Dipirona
Você sabe que alguns medicamentos, se tomados juntos, podem fazer mal? Não Sim Sim Sim Não Sim Sim
Você sabe se esse medicamento tem interação medicamentosa? (Se sim, como sabe?) Não Não Não Não Não Não Sim
Informe as interações
Você gostou de saber disso? Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim
Como você procuraria a informação? Farmácia Médico Bula/

MédicoDEF

GoogleMédicosMédicoGoogle / TVVocê pagaria por essa informação?SimNãoNãoSimNãoSimNão

Indivíduo (Profissional de saúde?) Sim Sim Sim
Quais os medicamentos? Paracetamol Xarope Anticoncepcional
Você sabe que alguns medicamentos, se tomados juntos, podem fazer mal? Sim Sim Sim
Você sabe se esse medicamento tem interação medicamentosa? (Se sim, como sabe?) Sim Sim Sim
Informe as interações
Você gostou de saber disso? Sim Sim Sim
Como você procuraria a informação? Livros / médico Google uptodate
Você pagaria por essa informação? Sim Sim Não

Conclusões

  1. O local da pesquisa influenciou o resultado, já que, em frente a um hospital com internação, muitos indivíduos estão com pressa e não podem responder.
  2. Os critérios de inclusão e exclusão deveriam ter sido padronizados antes da realização da pesquisa de forma mais detalhada.
  3. Os pacientes acreditam que a informação deve ser entregue pelo médico.
  4. Os médicos acreditam que a informação já existe e, no geral, já procuram por ela em outros locais.
  5. Pensamos em oferecer a informação para ambos os tipos de entrevistados, através de totens ou telas de touch.
  6. Incluir o perfil dos participantes da pesquisa (Profissão, idade, etc.)

No final, decidimos não continuar com a Startup, por acreditarmos que a informação já é dada ao médico, pessoa que, segundo a equipe, precisa recebê-la. Em relação aos pacientes, foi verificado que os mesmos esperam que, se há alguma interação relevante, a mesma teria sido informada pelo médico, o que faz com que poucos pacientes estejam dispostos a pagar pela informação. A solução, no caso, seria oferecer orientação ao médico para que use a informação e passe ao paciente quando julgar que o custo/benefício de sabê-la é válido. A realização de um curso com certificado para o médico foi a melhor opção vista, com alta publicidade para que os pacientes cobrem ao profissional este tipo de informação. Porém, mesmo essa opção seria pouco escalável e o tamanho do mercado muito reduzido, então não demos continuidade aos testes.

Saiba mais sobre o StartupLab e participe da próxima turma.