A Black Friday 2021 vai, pouco a pouco, terminando antes mesmo de começar. Se há poucos meses a expectativa era de faturamento recorde – eram esperados R$ 10 bi em vendas só no online, segundo a Ebit|Nielsen -, o dia de compras mais esperado do varejo chega ao Brasil em meio a um cenário de inflação altíssima, que já soma 10,62% em 12 meses, e com a população sem dinheiro e sem crédito.

Além disso, comércio e indústria enfrentam uma crise de abastecimento, com estoques baixos e, em alguns casos, sem matéria-prima para produção. Tudo isso ainda em meio à pandemia. Faz sentido estimular o consumo com esse panorama e esgotar nossos recursos antes da Covid realmente estar sob controle?

Para o setor de saúde, essa reflexão é ainda mais necessária. A Black Friday usa o FOMO (Fear of missing out, ou medo de ficar de fora) como principal gatilho de incentivo às vendas, para todos os tipos de produtos, porém quando os produtos são ligados a necessidades essenciais e à saúde, a coisa fica mais delicada. Quando trocamos a sensação de perder uma oportunidade pelo medo e a preocupação com a saúde, sugerindo uma escassez artificial de produtos como potencializador para vendas, a ação passa a ser problemática. 

Compras relacionadas à saúde são feitas por necessidade, então nenhum estímulo deveria impulsionar a demanda. Outro ponto importante é que os preços nessa área devem ser sempre estáveis, para que as pessoas tenham condições de manter seu tratamento. Se é possível baixar o valor de artigos de necessidade por uma semana, o preço deveria baixar o ano todo, permitindo acesso de maneira contínua e democrática, não apenas para quem tem recursos disponíveis nesta ocasião. 

A saúde também possui uma cadeia de fornecimento que trabalha com previsão estável de demanda, para não gerar desequilíbrios e falta de produto. O ciclo não depende de coleções ou sazonalidades, mas sim do desenvolvimento tecnológico e adoção pela classe médica. Esse tipo de esforço pontual com promoções sobrecarrega a atividade operacional e logística, aumentando as chances de falhas de produção e entrega, que na saúde são inadmissíveis.

Isso significa que nunca devemos ter promoções em artigos de saúde? Claro que não. Em situações pontuais de excesso de estoque por problemas de planejamento ou até alguma aquisição não cumprida, é possível uma redução maior no valor, mas não necessariamente com data marcada para uma sexta-feira específica. Na minha visão, a manutenção da saúde é um esforço contínuo de prevenção, diagnóstico, tratamento, recuperação e sustentação, incompatíveis com a lógica do impulso consumista da Black Friday. 

Estamos no fim das forças, sem dinheiro, sem emprego e sem saúde, física e mental. Faz sentido estimular o consumo supérfluo nessa data? Acho que todos já sabemos a resposta.