Atrevo-me a achar que talvez o governador Geraldo Alckmin, mesmo sendo médico, não tenha a real dimensão do que o projeto S4SP pode representar para a gestão da saúde, porque as atividades políticas o afastaram da rotina do atendimento direto ao paciente na saúde pública.
Mas hoje ao formalizar agora como ?projeto de governo? o que era uma mera iniciativa da SES de informatização dos hospitais, acertou em cheio na essência do problema da gestão pública. Fez uma ?incisão cirúrgica na raiz do problema?.
Seus assessores que estão passando o cargo deixam como legado o projeto mais importante para a gestão da saúde que tenho notícia.
A propaganda está sendo feita em relação aos benefícios assistenciais de se ter um prontuário eletrônico, o que é verdade, mas eu também me atrevo a dizer que o médico ?se vira? sem o prontuário eletrônico, mas o hospital e o planejamento da saúde vivem muito mal sem um sistema único de gestão, que integra processos assistenciais e administrativos.
A Prodesp sempre proveu aos hospitais um sistema único, mas não uma solução que integra a prescrição médica com os processos consequentes nas demais áreas assistenciais e administrativas, como é o caso do S4SP.
Tenho a honra de comentar que com apenas 2 auxiliares implantei esta mesma solução no ICHC há poucos anos atrás … em apenas 4 meses treinamos mais de 500 profissionais e a prescrição e a dispensação de medicamentos passou a ser eletrônica em um hospital com mais de 800 leitos !
Ninguém me contou. Vi com os meus próprios olhos que além da melhoria da qualidade das prescrições e da possibilidade de consultar as evoluções em qualquer computador da rede, a logística de aquisição, distribuição e auditoria dos medicamentos mudou ?da água para o vinho? em menos de 6 meses.
Se nenhum impedimento ao projeto surgir, ele vai dividir a gestão da saúde pública de São Paulo em ?antes dele? e ?depois dele? e posso dar alguns exemplos:
1
- Quem ?habita? o Complexo HC de São Paulo vê o que ocorre em todos os hospitais públicos de referencia de qualquer grande cidade brasileira: uma infinidade de ambulâncias que trazem pacientes de outras cidades para tratamento no HC;
- O médico que recebe este paciente entra em um voo no escuro: paciente sem prontuário, ou com um ?montinho de papéis? com anotações dispersas sobre seu histórico que chamam de prontuário … codificação não existe nestes documentos (CID … o que é isso?);
- Com um sistema integrado ele poderá consultar informações minimamente estruturadas que compõem um prontuário ?de verdade?, e ter alguma segurança para interpretar o caso e definir uma conduta.
2
- Os insumos hospitalares são passados para os hospitais públicos por média de consumo. Um absurdo … suponha que possa existir desvio … o desvio continuará sendo feito porque está na média !!!
- Com um sistema onde se pode cruzar processos assistenciais e administrativos será possível comparar o que foi prescrito com o que foi comprado. Aquilo que todo hospital privado faz porque senão ?fecha?, poderá ser feito nos hospitais públicos do ESP.
3
- As informações epidemiológicas atualmente são coletadas ou manualmente (com grande margem de erro) ou pelo registro em um sistema que não consiste o procedimento contra os insumos e diagnósticos (nos hospitais públicos apenas o faturamento SUS faz isso).
- No S4SP podem ser registrados não só os diagnósticos, mas também as hipóteses, e será possível verificar caso a caso, se necessário, a consistência das informações registradas pelo médico, pela enfermagem, pela fisioterapia, pela nutrição e por qualquer outro profissional ?multidisciplinar?.
- A base de dados que este sistema administrará ?não tem valor mensurável?. Imagino os milhares de projetos de pesquisa e de teses de mestrado e doutorado que se viabilizarão a partir dela em um futuro próximo !!!
4
- O segmento da saúde não é o que paga os melhores salários para quem não tem formação assistencial. O turn over de funcionários administrativos e de tecnologia é grande, e a cada movimentação de pessoal de um hospital para outro, vai junto o custo de treinamento em processos definidos por sistemas diferentes.
- Com um sistema único a adaptação de um funcionário que sai de um hospital público e vai para outro será muito mais simples, incluindo a movimentação dos próprios funcionários assistenciais.
Já foi declarada a preocupação de alguns em relação à segurança da informação. Dos dados do paciente vazarem para planos de saúde, ou serem utilizados de forma inadequada.
A preocupação é legítima. Porém, na minha visão, hoje qualquer pessoa que comprar um ?jaleco branco? (mesmo que colocar no ombro o símbolo de um time de futebol europeu) consegue entrar em um hospital público e vasculhar prontuários. A segurança ?do papel? hoje é muito menor do que o de qualquer sistema de segurança arcaico informatizado.
E o grande mérito do governador, secretário e a todos que estão imbuídos de viabilizar este projeto é o de terem deixado lado a discussão de ?qual é o melhor sistema? sob o ponto de vista do ?estado da arte tecnológico? … e estarem provendo aos hospitais também a infraestrutura, porque os hospitais existem para cuidar de pacientes e não de ?servidores, impressoras e links?.
Estamos em uma situação tão crítica na saúde pública que esta discussão é irrelevante … o melhor sistema é o ?que seja único para todos os hospitais?, e ?que funcione? quando aquele que depende dele necessitar !