Os números da ANS, CNES e SUS demonstram, até para quem não quer ver, como a maioria das empresas que atuam no segmento da saúde estão seguindo práticas incompatíveis com o mercado.
Há vários anos nesta época tabulamos dados do setor para nortear as consultorias, e para que as aulas tenham algum sentido prático para quem assiste, e estes dados demonstram alguns erros estratégicos que podem custar caro para muitas empresas, até no curto prazo.
Para este post escolhi 2, dentre centenas de indicadores que tabulamos: a variação de beneficiários de planos de saúde, e de beneficiários de planos odontológicos entre 2017 e 2018:
- O nº de beneficiários de planos de saúde caiu de 47.303.592 para 47.152.579 entre dez/17 e mai/18, projetando até o final de 2018 redução de 1,3%;
- O nº de beneficiários de planos odontológicos subiu de 22.667.906 para 22.858.114 no mesmo período, projetando até o final de 2018 expansão de 3,4%.
A retração do nº de beneficiários de planos de saúde contrariou as previsões para 2018 que tínhamos no segundo semestre do ano passado. Os economistas sinalizavam com o fim da crise econômica, e portanto em 2018 o nº de beneficiários naturalmente aumentaria. Infelizmente o cenário político não ajudou, e consequentemente a economia continua aguardando algo que ainda não ocorreu.
Mesmo assim, o nº de beneficiários de planos odontológicos continua crescendo !
Este paradoxo sugere diversas conclusões, e eu tenho a minha: o mercado da saúde suplementar no Brasil se sustenta com uma parcela da população que representa algo em torno de 25% do total – me refiro aos 19,2 % de brasileiros que estão nas classes A e B, e mais 1/3 da classe C. Este grupo detém praticamente 70 % da participação na renda nacional, ou seja, 1 entre 4 brasileiros está na camada econômico social que permite pagar mensalmente por um seguro, para o caso de uma eventualidade … 50 milhões.
Nesta linha, enquanto o nº de beneficiários de planos de saúde estava longe de 50 milhões, o crescimento era constante e não se abalava com a rotina brasileira de 1 crise a cada 2 anos (desde que me dou por gente). Isso acabou – já há alguns anos estamos próximos dos 50 milhões de beneficiários de planos de saúde.
O nº de beneficiários de planos odontológicos ainda está longe dos 25% da população, então mesmo com 4 ou 5 anos seguidos de crise econômica, mesmo espremendo a fruta ainda tem suco.
Se a economia melhorar muito, pode ser que o nº de beneficiários de planos de saúde volte a crescer … 2, ou até 3% ao ano, porém nunca mais como crescia antes. E com a economia ruim ou boa, ainda tem muito espaço para o crescimento do nº de beneficiários de planos odontológicos – tanto que 2018 não será um ano para guardarmos boas lembranças nos negócios, mas as operadoras de planos odontológicos vão acender um monte de velinhas na festa do final do ano. Com estes produtos, esta é a realidade – só vai mudar se mudarem os produtos !
Isso posto chegamos à questão do reajuste de preços.
As operadoras de planos de saúde estão caminhando na direção errada, reajustando preços para os beneficiários para um nível que eles não podem pagar. Explicando:
- A classe A pode, apenas parte da classe B pode, e a classe C não pode suportar aumentos anuais 5 vezes maiores do que os índices de inflação;
- O custo da medicina não advém totalmente da inflação do setor nos últimos anos – advém da falta de ingressão no sistema de novos beneficiários. Só para pegar um exemplo do que isso significa (é apenas uma ilustração de diversas razões): não existe nenhum (NENHUM) serviço de saúde que tenha representado para alguma operadora aumento de custo correspondente ao reajuste que a operadora está praticando no preço que o beneficiário paga (NEM PERTO DISSO) – enquanto o plano reajusta o preço para o beneficiário em 20 % e ainda quer coparticipação, franquia e coisas do tipo, os contratos com os serviços de saúde são reajustados (quando são) em menos de 8% … os serviços de saúde que conseguem 8% são RARÍSSIMOS: somete aqueles em que a operadora é refém da falta de oferta, localização, etc.
As operadoras de planos de saúde continuam trabalhando com a lógica: diminuiu a quantidade de compradores, então vou aumentar o preço.
Isso só funciona enquanto se pode repor comprador de menor poder aquisitivo por comprador de maior poder aquisitivo, e como discutimos, a realidade não é mais esta. Para confirmar, é só olhar os outros segmentos do mercado … o automobilístico por exemplo: não se vende mais carro como antes, e os preços não estão sendo reajustados para manter a mesma margem de lucro – o modelo de negócios está sendo ajustado para se adaptar ao mercado, e não o inverso: a montadora de veículos não pensa em modificar o mercado para não ter que adaptar o seu serviço. O valor dos veículos convertido em moeda forte não aumente, muito pelo contrário !
Enquanto as operadoras de planos de saúde continuarem com esta visão, o número de beneficiários vai continuar caindo, e não haverá reposição de beneficiários de menor poder aquisitivo por beneficiários de maior poder aquisitivo – também muito pelo contrário. Os beneficiários vão continuar migrando para planos menos abrangentes, e menos rentáveis.
Tivemos a oportunidade simular esta migração: como o número de beneficiários caiu, e como aumentou em planos para comunidades específicas – a migração (ou portabilidade, se assim quiser chamar) é percentualmente gigantesca … parabéns para as poucas operadoras que apostaram nisso e estão nadando de braçada: acertaram na mosca !
Já as operadoras de planos odontológicos podem continuar a trabalhar com a reserva de gordura que os números demonstram … vai demorar para a água chegar na borda do copo (os 50 milhões de beneficiários). Mas … tudo tem um mas … quando isso chegar vai ser muito mais danoso: ao contrário da assistência médica que é tida pela população como algo essencial (Deus me livre necessitar de um hospital sem ter plano de saúde, ou necessitar da rede SUS que encolhe ano a ano, ao contrário da população que cresce rapidamente), o plano odontológico é algo que a população em geral não entende como essencial: não mata.
O efeito do crescimento dos panos odontológicos é devastador em toda a cadeia de valores da odontologia, que estava majorando seus preços sem controle:
- Hoje temos uma elite odontológica (já muito pequena em relação ao passado) que pratica preços elevados;
- E (já) uma grande massa que se submete aos preços definidos pelas operadoras de planos odontológicos;
Antes cada odontólogo tinha seu próprio consultório, seus próprios equipamentos, etc … hoje é comum ver um pequeno consultório compartilhado por vários odontólogos, e não em sociedade: um dono e outros funcionários e/ou contratados terceirizados.
As operadoras de planos odontológicos hoje representam o único freio nos preços do setor, que está polarizado economicamente: tem odontólogo rico (que não atende operadoras) e odontólogo pobre (que só atende operadoras) – o meio termo está em pleno processo de extinção.
Estes números permitem projetar algo que também era absolutamente impensável há poucos anos atrás – quem está apostando em modelos de negócios fora da caixinha, tem tudo a ganhar.
Empresas que exploram consultas e exames de baixo custo, que o governo vai tentar regulamentar sem conseguir porque não se configuram como planos de saúde, operadoras de planos de saúde com foco em pacientes de alto custo, serviços de saúde pequenos que só atendem pacientes particulares … estão decolando enquanto os negócios tradicionais estão submergindo … quem diria !!!