A Inteligência Artificial (AI), é um ramo da Ciência da Computação que, por meio de algoritmos, programa as máquinas a tomarem decisão (pensarem de forma lógica), o que poderá ser utilizado em inúmeras áreas, trazendo diversos benefícios, inclusive na área da saúde.
Como pode ser feito uso da inteligência artificial na área de saúde?
· Triagem automática na fila
· Próteses robóticas
· Prontuários eletrônicos
· Diagnósticos
· Cirurgias robóticas
O grande desafio ao implementar esses novos métodos é saber quem deve ser responsável pelos danos decorrentes do uso da tecnologia decorrente da inteligência artificial? E quais as possíveis soluções para os problemas jurídicos que estão surgindo e se o Direito dispõe de ferramentas adequadas para o seu enfrentamento.
Incialmente, cabe esclarecer que o intuito da Responsabilidade Civil é a reparação dos danos sofridos pela vítima de um ato ilícito. Assim, se o Direito Penal objetiva punir o agente, a Responsabilidade Civil tem olhos voltados para a reparação dos danos e nada mais.
Cumpre informar que os elementos essenciais para caracterização da responsabilidade civil são: ato ilícito, nexo de causalidade, dano e culpa. Essa responsabilidade evolui, se positiva aos casos de responsabilidade objetiva, a qual elimina o requisito da culpa, permanecendo os restantes. Assim, mesmo nos casos da
responsabilidade objetiva, sempre que se fala em responsabilidade civil se tem a análise, ao menos, de 3 elementos: ato, nexo de causalidade e danos.
Na tentativa de evidenciar quais serão as obrigações assumidas pelo médico, estabeleceu-se as teorias das obrigações de meio e as de resultado. Nas obrigações de meio, o agente não se compromete a um resultado específico, mas, sim, em depreender todos os esforços e meios para obter o melhor resultado possível. Já nas obrigações de resultado, o agente se obriga a obter um resultado específico, de modo que não sendo este alcançado estaria presente o inadimplemento.
No geral, tanto a jurisprudência, como a doutrina entendem que a obrigação do médico é de meio e, não, de resultado, o que faz todo o sentido, já que se obrigando com o resultado, lhe seria exigido poderes, praticamente, divinos de impedir, por exemplo, a morte. Ou melhor, qualquer falecimento teria um “culpado”: o médico que prestou o último atendimento e, infelizmente, não conseguiu salvar a vida do paciente.
A única exceção a aplicação da obrigação de meio à ciência médica, seria nos casos do cirurgião plástico. No geral, a justificativa disso não ultrapassa o mero argumento de que em tais casos, como a intervenção não era necessária, o médico se obrigaria ao resultado pretendido pelo paciente.
Diante do exposto, quem seria responsabilizado por um erro ou falha da inteligência artificial? Quem adquiriu a máquina, o fornecedor, quem a estava operando, o médico que estava prestando o atendimento ou quem programou a inteligência artificial?
O questionamento é bem controverso tendo em vista que os robôs que temos hoje, ainda não se reprogramam sozinhos, a máquina apenas reproduz os comandos, ou seja, a mão de obra humana ainda é necessária, entretanto existente os riscos inerentes ao desenvolvimento tecnológico através da máquina que possui funcionamento autônomo.
Com a utilização da inteligência artificial este erro/ falha não seria exatamente a questão de obrigação de meio ou de resultado, a responsabilidade decorrente de tratamento médico, mas, sim, da verificação de um fato do serviço (serviço prestado de forma defeituosa) que pode ser causado por algum equívoco no aprendizado da máquina, pela internet, provedor.
Dessa maneira, em razão da incidência do Código de Defesa do Consumidor, no artigo 07º, parágrafo único todos aqueles que participam da cadeia de consumo são responsáveis pelo ressarcimento do dano. E, não só isso, a responsabilidade, ao menos no que tange as clínicas e hospitais, seria objetiva.
Pode-se defender que, no caso de consultório médico, a responsabilidade do médico seja subjetiva, decorrente do art. 14, parágrafo único quarto do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe que profissional liberal responde subjetivamente.
Em paralelo a isso, há a questão do sigilo médico, que pode configurar desvio ético profissional do médico. Assim, se algum dado constante em prontuário médico ou qualquer outra anotação médica vazar, o médico pode ser responsabilizado no conselho de medicina, o qual apurará se haverá alguma falha do médico. E, para verificar se há falha, será necessário constatar se ele seguiu tudo o que a lei de proteção de dados exige.
Aliás, até no caso de clínicas/hospitais, será indispensável a constatação se todas as exigências foram cumpridas. Digo isso, porque dependendo do vazamento, este pode ocorrer por um ataque hacker, que é um terceiro estranho. Desse modo, se a clínica/hospital tomou todos os cuidados, seguia tudo o que lei de proteção de dados determina, será impositivo considerar o rompimento do nexo de causalidade
Com o advento do projeto de Lei Projeto n° 5051, de 2019 que veio regulamentar a inteligência artificial, determinou que: “A responsabilidade civil por danos decorrentes da utilização de sistemas de Inteligência Artificial será de seu supervisor.” Prevê, ainda, que a supervisão humana que deverá existir em relação a decisão deve ser “compatível com o tipo, a gravidade e as implicações da decisão submetida aos sistemas de Inteligência Artificial”.
Neste passo, resta claro que iremos enfrentar dificuldades para que seja feita a correta atribuição da responsabilidade civil pelo ressarcimento dos danos causados por sistemas que utilizam a Inteligência Artificial. É certo que o marco civil da internet foi um passo importante para os casos de responsabilização de danos causados pela Inteligência Artificial, ainda mais quando conjugado com o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor e, sobretudo, a Constituição Federal. Todavia, não se pode negar que ainda há muito a se evoluir no direito pátrio sobre o tema, seja no que tange as legislações, seja no que tange a doutrina e a jurisprudência.
Sobre a autora
Dra. Mariana Ramirez Fortuna, Advogada do MLA – Miranda Lima Advogados