Bill Gates dispensa apresentações. O bilionário e filantropo mantém um blog onde compartilha seus aprendizados por se conectar, segundo suas próprias palavras, a tantas pessoas extraordinárias para sua sorte. Sendo uma das missões da Fundação Bill & Melinda Gates o combate a doenças infecciosas, não surpreende a quantidade de informações a respeito da covid-19 em sua página e sua propriedade em tratar do assunto.

No último dia 23 de abril, Bill escreveu sobre inovações versus o novo coronavírus. A publicação na íntegra em inglês você consegue conferir por aqui. Selecionamos as partes que contextualizam seu raciocínio sobre quais as ferramentas precisaremos para combater a pandemia.

O post começa comparando a pandemia a uma guerra, exceto por toda humanidade estar do mesmo lado. ​Gates enxerga a inovação como a chave para limitar os danos e reforça “Pode parecer que temos todos os avanços científicos necessários para reabrir a economia, mas na verdade não temos”.

Algumas questões ainda não têm respostas e, portanto, não sabemos quais são as melhores medidas a serem tomadas. Seis pontos cruciais levantados foram a. se a doença é sazonal ou não, b. o quanto pessoas assintomáticas dispersam o vírus, c. por que jovens têm menores riscos de contrair a forma grave da doença, d. quais sintomas deveriam exigir um teste, e. quais atividades possuem maior risco de infecção e, por último, f. quem é de fato mais suscetível à doença.

Bill destrincha as inovações em 5 categorias: tratamentos, vacinas, testagem, rastreamento de contato e políticas para reabertura. Sem avanços em cada uma destas áreas, acredita ser inviável voltar aos negócios como conhecíamos ou impedir a propagação do vírus.

Tratamentos

“É difícil saber exatamente qual é o limite, mas suspeito que seja algo como 95%; isto é, precisamos de um tratamento que seja 95% eficaz para que as pessoas se sintam seguras em grandes reuniões públicas.”

O que tem sido considerado?

Produtos biológicos: anticorpos de pessoas que se recuperaram da covid-19 sendo concentrados e administrados em pessoas doentes e, paralelamente, conhecer qual anticorpo de nosso sistema imune melhor combate o vírus e produzí-lo em laboratório. Limitação: escalar a produção. Os prazos de fabricação são de cerca de sete meses, na melhor das hipóteses. A fundação está apoiando um consórcio composto pelas empresas líderes que trabalham nessa área para acelerar a avaliação e, se o procedimento funcionar, estar pronto para ampliá-la.

Antivirais: terapias para o HIV são ótimas, mas demoraram décadas para construírem uma combinação realmente efetiva. Indústrias farmacêuticas estão colaborando com seus pipelines de desenvolvimento para que pesquisadores financiados pelo Therapeutics Accelerator acelerem o processo de escolha de quais drogas devem ir para a pesquisa clínica. Um dos candidatos é o Remdesivir.

Hidroxicloroquina e outras drogas imunomoduladoras parecem ter efeitos modestos, mas pesquisas clínicas já estão sendo conduzidas.

Vacinas

As vacinas foram a ferramenta que mais salvaram vidas na história. A única forma de voltar ao mundo pré-covid-19 é com uma vacina altamente eficaz em evitar a doença. Infelizmente, o tempo médio de desenvolvimento para uma vacina contra uma nova doença é de pelo menos 5 anos.

Isso devido às fases de pesquisa clínica que consideram: 1. Ter uma molécula candidata à vacina, 2. Testar em animais, 3. Testar em um número pequeno de pessoas, 4. Assegurar eficácia e segurança em um grupo médio de pessoas, 5. Assegurar eficácia e segurança em um grande grupo de pessoas e, por último, 6. Aprovação regulatória final e fabricação da vacina. Pesquisadores podem diminuir o tempo das fases de assegurar eficácia e segurança enquanto testam em animais e constroem edificação fabril concomitantemente.

A maior parte das vacinas falharão pois não gerarão resposta imune suficiente para proteger os indivíduos. Cientistas demorarão em média 3 meses para perceberem que a molécula candidata não funcionará. Estima-se que levará pelo menos 18 meses até chegarmos em uma vacinação em massa.

Os reguladores são muito rigorosos quanto à segurança, para evitar efeitos colaterais e para proteger amplamente a reputação das vacinas, pois se houver um problema significativo, as pessoas ficarão mais hesitantes em tomar qualquer vacina. Os reguladores em todo o mundo terão que trabalhar juntos para decidir o tamanho do banco de dados de segurança para aprovar uma vacina para a covid-19.

Considera-se o desenvolvimento de uma vacina de RNA, que essencialmente transforma seu corpo em sua própria unidade de fabricação de vacinas. Três empresas estão adotando essa abordagem. A primeira a iniciar testes em humanos é uma vacina de RNA da Moderna, que começou uma avaliação de segurança clínica de fase 1 em março.

Quando a vacina for fabricada, haverá uma pergunta sobre quem deve ser vacinado primeiro. Idealmente, haveria um acordo global sobre quem deveria receber a vacina primeiro, mas, considerando os interesses concorrentes, é improvável que isso aconteça. Os governos que fornecem o financiamento, os países onde as pesquisas são realizadas e os locais onde a pandemia é pior, todos defenderão que devem ter prioridade.

Testagem

Os atuais testes de coronavírus exigem que os profissionais de saúde colham amostras através de swab nasais, o que significa que precisam trocar de equipamento de proteção antes de cada teste. A fundação apoiou pesquisas que mostram que os pacientes que colhem seu próprio swab produz resultados com a mesma precisão.

Essa abordagem de auto-swab é mais rápida e segura. Os reguladores devem aprovar o swab em casa ou em outros locais, em vez de fazer com que as pessoas corram o risco de entrar em contato adicional. Além disso, os resultados do teste devem retornar em menos de 24 horas para que se saiba rapidamente que conduta tomar.

Outro teste de diagnóstico em desenvolvimento funcionaria como um teste de gravidez em casa. Você esfrega o nariz, mas, em vez de enviá-lo para um centro de processamento, coloca-o em um líquido e despeja esse líquido em uma tira de papel, que mudaria de cor se o vírus estivesse presente. Este teste pode estar disponível em alguns meses.

Outro avanço necessário nos testes é social e não técnico: precisamos de padrões consistentes sobre quem deve ser testado. Se o país não testar as pessoas certas – trabalhadores essenciais, pessoas sintomáticas e pessoas que entraram em contato com alguém que deu positivo – estamos desperdiçando um recurso precioso e potencialmente perdendo grandes reservas do vírus. Pessoas assintomáticas que não estão em um desses três grupos não deveriam ser testadas até que haja testes suficientes para todos os outros.

Rastreamento de contato

Depois que alguém dá um resultado positivo, as autoridades de saúde pública precisam saber quem mais essa pessoa pode ter infectado. Uma solução efetiva seria a adoção ampla e voluntária de ferramentas digitais. Por exemplo, existem aplicativos que ajudarão você a se lembrar de onde esteve; se você obtiver um resultado positivo, poderá revisar o histórico ou optar por compartilhá-lo com quem vier entrevistá-lo sobre seus contatos.

Algumas pessoas propuseram permitir que os telefones detectassem outros que estão próximos usando Bluetooth. Se alguém testasse positivo, o telefone enviaria uma mensagem para os outros telefones e seus proprietários poderiam fazer o teste.

Gates acredita que a maioria dos países usará a abordagem que a Alemanha está usando, o que exige entrevistar todos que testarem positivo e usar um banco de dados para garantir que haja acompanhamento de todos os contatos. O padrão de infecções é estudado para ver onde o risco é mais alto e as políticas podem se ajustar.

Essa abordagem depende da pessoa infectada para relatar seus contatos com precisão e da capacidade das autoridades de saúde de acompanhar todos. A equipe normal de serviços de saúde não pode fazer todo esse trabalho, mesmo que o número de casos seja bastante baixo.

Todo sistema de saúde terá que descobrir como formar pessoal para que esse trabalho seja realizado em tempo hábil. Treinamento adequado é indispensável para manter todas as informações em sigilo.

Políticas para reabertura

A maioria dos países desenvolvidos passará para a segunda fase da epidemia nos próximos dois meses. Em um sentido, é fácil descrever esta próxima fase: é semi-normal.

As regras sobre o que é permitido devem mudar gradualmente, para que possamos ver se o nível de contato está começando a aumentar o número de infecções. Os países poderão aprender com outros países que possuem sistemas de teste sólidos para informá-los quando surgirem problemas.

Mas, à medida que você explora os detalhes e analisa a economia, a imagem rapidamente se torna complicada. Não é tão simples quanto dizer “você pode fazer X, mas não Y”. A economia moderna é muito complexa e interconectada para isso.

Há um outro fator que é difícil de explicar: a natureza humana. Algumas pessoas estarão naturalmente relutantes em sair mesmo quando o governo disser que está tudo bem. Outros terão a visão oposta – eles assumirão que o governo está sendo excessivamente cauteloso e começarão a violar as regras. Os líderes precisam pensar cuidadosamente sobre como encontrar o equilíbrio certo aqui.

A doença está afetando desproporcionalmente as comunidades mais pobres e as minorias raciais. Da mesma forma, o impacto econômico da paralisação está atingindo com mais força os trabalhadores de baixa renda. Os formuladores de políticas precisarão garantir que, à medida que o país se abre, a recuperação não torne a desigualdade ainda pior do que já é.

Para finalizar, faço uma recomendação pessoal: se você é assinante Netflix, assista o episódio da série documental “Explicando” sobre o novo coronavírus, lançada coincidentemente também na última semana.