Já dizia Hipócrates ? médico grego considerado pai da Medicina ? que você deve conhecer bem sua coluna para evitar problemas. Na vida atual, com a rotina de sair da cadeira de trabalho para o sofá da sala, os desafios são maiores. A estimativa é que 80% dos adultos tiveram, tem ou terão dor lombar. Em algumas situações os problemas demanda tratamentos longos e mudançade estilo de vida. Em casos extremos, até a cirurgia pode ser indicada…. mas como exceção. A busca por soluços rápidas associadas a um modelo assistencial que privilegia procedimentos mais complexos, gerou uma epidemia de indicações cirúrgicas.

O próprio hospital paulista Albert Einstein reavaliou as indicações de cirurgias de coluna que recebiam. Em dois anos, dos pacientes que chegaramcom pedido médico para a operação, pouco mais de 40% foram confirmados como realmente necessários. Operadoras de planos de saúde ? principais pagadores destas próteses, que chegam a custar mais de R$ 100 mil cada uma ? tem tentado pautar este assunto há muito tempo, mas me trazem de volta aos gregos. Cassandra, uma das filhas do rei de Tróia, que recebera do deus Apolo a proposta de ganhar o dom da profecia, em troca deentregar-se a ele. Cassandra aceitou a condição, mas depois de receber o dom,esquivou-se a cumprir o combinado. Apolo, então manteve o dom, mas vingou-se condenou-aa uma completa falta de persuasão. Durante a guerra de Tróia, Cassandra por diversas vezes alerta os troianos de perigos iminentes (sendo o último deles aarmadilha do cavalo de Tróia), mas invariavelmente não era ouvida. Nos alertas das fontes pagadoras existe um evidente conflito de interesses: o pagador resiste em desembolsar estes valores elevados e a percepção é que isso ocorre exclusivamente para reduzir custos. O fato é que o problema é de todos.

O crescimento de custos na área medica é exponencial e devido a uma série de fatores, como envelhecimento da população ? com consequente aumento de demanda – e preços de novas tecnologias que cresceram centenas de vezes mais do que estratégias anteriores, se criou um contexto cujos cálculos atuariais não fecham. O problema é agravado pela judicialização corriqueira destas demandas, que muitas vezes desloca o debate de critérios essencialmente médicos para discussões legais. As tentativas de compor soluções tem sido parciais ou totalmente ineficientes, somente aumentando a tensão e conflito entre as partes envolvidas. Neste embróglio econômico, o debate rigorosamente científico fica em segundo plano.

Recentemente, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) publicou uma resolução ? muito bem vinda – para tentar reduzir conflitos: a operadora deve justificar por escrito qualquer negativa de procedimento eletivo em 48 horas. Esta medida obriga as operadoras a aumentar a transparência e qualificar seu corpo de peritos e auditores. As pessoas podem (e devem) se perguntar porque de cada indeferimento que tiverem de seu plano de saúde. Mas cabe lembrar que não deve se pressupor, precipitadamente, que toda negativa é indevida. Recomenda-se sempre conversar com mais de um profissional e ouvir todas as vantagens e riscos de cada tipo de tratamento. Com todas as informações disponíveis e com um bom diálogo com seu médico, a decisão da melhor estratégia terapêutica é mais provável. Os gregos, por exemplo, usando o cavalo de madeira recheado de combatentes não só invadiu a cidade de Tróia, como também deu origem à expressão ?presente de grego?.