Grandes farmacêuticas têm batalhado há anos para desenvolver um medicamento que interrompa o progresso do mal de Alzheimer, uma doença neurológica terrível que começa com perda de memória e inexoravelmente rouba as funções cerebrais do paciente, levando à demência e morte. Conseguir a droga teria um enorme impacto na sociedade e ajudaria a conter o custo da crescente população de pacientes de Alzheimer, estimada em 26 milhões de pessoas em todo o mundo.

Também haveria um impacto enorme sobre a saúde da indústria farmacêutica, que tem suado para substituir o faturamento perdido com a expiração de patentes de alguns dos remédios que mais vendem. Dois compostos, agora em testes clínicos de última etapa, têm o potencial para isso. Há quem ache que um tratamento de sucesso para Alzheimer poderia gerar entre US$ 10 bilhões e US$ 20 bilhões em faturamento anual.

Resultados desses testes para o solanezumab, desenvolvido pela Eli Lilly & Co., e para o bapineuzumab, desenvolvido pela Pfizer Inc., pela Elan Corp. PLC e pela Johnson & Johnson, devem sair no terceiro trimestre deste ano. Se algum desses compostos funcionar e for aprovado pela agência de vigilância sanitária dos Estados Unidos, a FDA, pode chegar ao mercado já no ano que vem. “Se essas drogas para Alzheimer forem um sucesso, elas podem se tornar o novo Lípitor”, observa Tim Anderson, que cobre a indústria farmacêutica para a firma de análises Bernstein Research. Mas as chances de sucesso não são muito altas. Anderson põe a chance de sucesso para a droga da Eli Lilly em não mais do que 20%, chamando o solanezumab de “loteria” com um possível retorno graúdo. O bapineuzumab tem melhores chances, embora a maioria dos analistas ponha suas chances em menos de 50%.

Outro remédio promissor é o Gammagard, da Baxter International Inc., que mostrou resultados encorajadores num teste de Fase II e está em dois testes separados de Fase III, um dos quais deve ser concluído no ano que vem. E há várias outras drogas em testes de Fase II. Mas o bapineuzumab e o solanezumab são os mais avançados no processo.

A Eli Lilly não tem muito mais além do solanezumab com que contar. As ações do laboratório podem até subir nos próximos meses, com a expectativa de um resultado favorável dos testes.

O bapineuzumab e o solanezumab são voltados para pessoas com Alzheimer em níveis de moderado a severo, ou seja, a maioria dos afligidos pela doença. O estágio avançado é considerado muito mais difícil de tratar.

O bapineuzumab provavelmente tem mais chances de sucesso no teste clínico da Fase III – o último estágio antes de o remédio ser apresentado para a aprovação da FDA -, pois obteve resultados mais robustos no estágio anterior. Esse estudo mostrou que o composto ajudou certos pacientes com Alzheimer, embora os resultados gerais tenham decepcionado quando foram divulgados, em 2008, já que nem todos os pacientes apresentaram melhora.

É importante notar que provavelmente nenhum desses remédios será capaz de curar ou reverter o curso da doença. As farmacêuticas simplesmente esperam que os tratamentos adiem a evolução do Alzheimer. Mas isso já seria uma vitória diante da série de fracassos na busca por um remédio para a doença. Os tratamentos atuais, como o Aricept e o Namenda, combatem alguns sintomas da doença mas não impedem sua evolução.

“O verdadeiro objetivo do solanezumab é desacelerar o declínio”, disse Eric Siemers, diretor sênior de medicina da equipe de pesquisas sobre Alzheimer da Eli Lilly, numa teleconferência com investidores patrocinada pela Bernstein em dezembro.

Mesmo assim, um produto aprovado pela FDA que consiga retardar os efeitos da doença tem o potencial de gerar receita anual de bilhões de dólares, diante do desespero dos pacientes de Alzheimer e de suas famílias. A maioria dos pacientes tem mais de 65 anos. O número mundial de pessoas com Alzheimer pode chegar a 100 milhões em 2050. O custo de tratar os pacientes atuais é calculado em US$ 150 bilhões por ano.

A doença, porém, apesar de atingir pessoas no mundo todo, ainda não é totalmente compreendida pelos cientistas, o que complica a formulação de qualquer tratamento. Entre os mistérios que persistem estão a causa do Alzheimer e o que provoca sua disseminação no cérebro e a morte das células nervosas. “É muito diferente da diabetes ou da hipertensão”, diz Arnold. “Há um grande debate entre os especialistas sobre como a doença evolui e produz seus sintomas. Você pode ouvir cinco hipóteses diferentes se conversar com acadêmicos e formadores de opinião.”

As farmacêuticas normalmente querem que os testes clínicos da Fase III tenham uma probabilidade de sucesso de 50% ou mais, porque um teste como esse pode custar várias centenas de milhões de dólares. Mas por causa do potencial de um retorno gigantesco, a indústria farmacêutica está disposta a se arriscar mais que o normal com remédios para doenças difíceis e que atingem muitas pessoas, como o Alzheimer.

O bapineuzumab e o solanezumab tentam impedir a formação de placas no cérebro, causadas pela proteína beta-amiloide, que se acumula nos pacientes de Alzheimer. O que não se sabe ainda é se eliminar essas placas terá um efeito significativo.

Os remédios atuam de maneiras diferentes. O bapineuzumab atravessa a BHE, ou barreira hematoencefálica, e tenta impedir a formação de placas beta-amiloides. Já o solanezumab se acopla a um precursor dessas placas no sangue para forçar que o próprio corpo elimine as placas no cérebro.

O otimismo em torno do bapineuzumab vem dos resultados dos testes da Fase II, que mostraram que o remédio conseguiu diminuir o declínio mental dos pacientes que não tinham um gene que aparenta acelerar a doença. Cerca de 40% dos pacientes têm esse gene.

O estudo da Pfizer de Fase III contará com 4.100 pessoas, para que os pesquisadores possam avaliar os efeitos do bapineuzumab em um número substancial de pacientes portadores e não portadores do gene. Arnold acha que a probabilidade de o remédio exibir “benefícios modestos” em pacientes sem o gene é de 55%, e de apenas 10% para os que têm o gene, “mais difíceis de tratar”.

O teste clínico da Fase II realizado pela Eli Lilly com o solanezumab envolveu 50 pessoas e não surtiu muito efeito, exceto pela presença de certos “biomarcadores” que indicam algum sucesso, como a presença da proteína amiloide destrutiva no fluído da coluna vertebral, indicação que ela foi eliminada pelo cérebro. A Lilly não testou as funções cognitivas, preferindo conduzir um teste clínico menor na Fase II com 2.000 pacientes, para investigar os efeitos do solanezumab.

As farmacêuticas sabem que o preço dos remédios contra Alzheimer, ministrados por via intravenosa, dependerá do sucesso deles nos testes clínicos. Quanto mais bem-sucedidos, mais caros serão. Anderson, da Bernstein, calcula que o custo pode variar de US$ 5.000 a US$ 20.000 por ano por paciente.

Um dos maiores desafios para criar um remédio é que as doenças neurodegenerativas costumam ser difíceis de tratar. Mesmo com todas as pesquisas sobre Alzheimer, ainda não é fácil identificar cedo os pacientes, porque podem existir outros motivos para os sintomas iniciais, como perda de memória. Há o temor de que a doença esteja num estágio avançado demais para tratamento quando as pessoas são diagnosticadas. Arnold diz que alguns estudos sugerem que as pessoas podem já ter perdido metade dos neurônios – as células que transmitem informação no cérebro por meio de sinais químicos e elétricos – quando finalmente são diagnosticadas.

“Existe a preocupação de que os agentes de redução da amiloide só funcionem se ministrados no início ou antes mesmo de os sintomas aparecerem”, disse o doutor Samuel Gandy, diretor do centro de pesquisa sobre Alzheimer do Hospital Mount Sinai, em Nova York. Para o tratamento dar certo, as pessoas precisam ser diagnosticadas quando estiverem nos 50 ou no início dos 60. Ele acrescenta que outro possível fator no Alzheimer, uma proteína chamada tau, tem se mostrado difícil de combater.

Para aprovar o bapineuzumab ou o solanezumab, a FDA provavelmente exigirá uma melhora das funções cognitivas dos pacientes, ou pelo menos uma diminuição no declínio das faculdades mentais. A agência também determinará se os remédios conseguem eliminar as placas e coibir o encolhimento do cérebro que ocorre nos pacientes com Alzheimer.

O mal de Alzheimer geralmente é diagnosticado com base em dois testes clínicos, um de cognição e outro de tarefas cotidianas. Os pacientes com Alzheimer perdem em média quatro pontos por ano no teste cognitivo (a escala tem 70 pontos).

Um exemplo da dificuldade de tratar a doença é a declaração dos cientistas da Eli Lilly de que ficarão felizes se o remédio deles conseguir reduzir a deterioração em um terço, de seis pontos para quatro pontos nos 18 meses dos testes clínicos da Fase III.

Fonte: Andrew Barry, Valor Econômico, 07/02/12